A gordura trans: entre as controvérsias científicas e as estratégias da indústria alimentar

AutorMarília Luz David - Julia S. Guivant
CargoDoutoranda do Programa de Pós-graduação em Sociologia Política da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), Mestre em Sociologia Política (UFSC), integrante do Instituto de Pesquisa em Risco e Sustentabilidade (IRIS) - Professora do Departamento de Sociologia e Ciência Política da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), coordenadora...
Páginas49-74
Política & Sociedade - Florianópolis - Volume 11 - Nº 20 - abril de 2012
Dossiê
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A gordura trans: entre as
controvérsias cientícas e as
estratégias da indústria alimentar
Marília Luz David1
Julia S. Guivant2
Resumo
Entre os riscos alimentares modernos, o decorrente da gordura trans
destaca-se como um dos que se tornaram parte do cotidiano. A gordura
trans fabricada industrialmente foi considerada uma alternativa saudável
para a produção de alimentos e passou a ser amplamente utilizada pela
indústria de alimentos a partir da segunda metade do século XX. Esta
gordura foi considerada um substituto mais saudável para a gordura
animal. No entanto, em 1990 teve início uma controvérsia científica, com
a publicação de um artigo em um dos principais periódicos científicos
da área médica que relacionou o consumo de gordura trans à ocorrência
de doenças cardiovasculares. Neste artigo analisamos primeiro como
se consolidou a gordura trans como risco alimentar e quais foram as
modificações realizadas pela indústria alimentar. Finalmente apontamos
o paradoxo sobre como, apesar da onipresença de rótulos “Livre de
gordura trans”, esta continua presente no cotidiano, consumida em
pequenas quantidades em diferentes produtos.
Palavras-chave: riscos alimentares, rotulagem, regulação de riscos,
alimentos saudáveis.
1 Doutoranda do Programa de Pós-graduação em Sociologia Política da Universidade Fede-
ral de Santa Catarina (UFSC), Mestre em Sociologia Política (UFSC), integrante do Instituto
de Pesquisa em Risco e Sustentabilidade (IRIS). Contato: mariliadavid@hotmail.com.
2 Professora do Departamento de Sociologia e Ciência Política da Universidade Federal
de Santa Catarina (UFSC), coordenadora do Instituto de Pesquisa em Risco e Sustenta-
bilidade (IRIS), pesquisadora do CNPq (S.Net). Contato: juliaguivant@gmail.com.
http://dx.doi.org/10.5007/21757984.2012v11n20p49
Política & Sociedade - Florianópolis - Volume 11 - Nº 20 - abril de 2012
A gordura trans: entre as controvérsias cientícas e as estratégias da indústria alimenta
Marília Luz David  Julia S. Guivant
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1. Introdução
Diversos teóricos e pesquisadores sociais renomados (GIDDENS,
2002; LANG; HEASMAN, 2004; NESTLE, 2007; HERRICK, 2009;
BURCH; LAWRENCE, 2010) identificam na alta modernidade a rele-
vância do envolvimento íntimo da indústria alimentar com as diver-
sas formas que toma o que se identifica como “vida saudável”. Um
dos indicadores desta maior atenção dada pela indústria alimentar
é que a partir de 2005 o índice Dow Jones de sustentabilidade
passou a utilizar os gastos no setor de pesquisa e desenvolvimento
na área de saúde e nutrição para acessar o nível de sustentabilidade
das empresas (PATTON, 2005). Em 2011 a PepsiCo o cupou o primei ro
lugar no ranking desse índice. As iniciativas empresariais com foco
na saúde compreendem, por exemplo, sites na internet com infor-
mações sobre alimentação e saúde, financiamento de programas
esportivos, utilização de alegações de saúde, selos e certificações
para alimentos que seguem recomendações nutricionais de órgãos
nacionais e internacionais de saúde. Os alimentos com promessas
de saúde surgem como uma das principais formas das empresas
distinguirem seus produtos para se posicionar no mercado como
uma indústria de “bem-estar” (BURCH; LAWRENCE, 2010; CALLON;
MÉADEL; RABEHARIOSA, 2002).
Os alimentos sem gordura trans estão entre os produtos
que apareceram na última década nesta tendência de alimentos
saudáveis, mas apresentam uma especificidade dentro do merca-
do. Eles vieram a substituir outros alimentos considerados muito
saudáveis até seu surgimento: os que continham gordura trans.
Por ser proveniente de óleos vegetais hidrogenados, com meno-
res quantidades de gordura saturada, acreditava-se que a gordura
trans era uma opção mais saudável à gordura animal – que com-
provadamente aumenta o LDL (colesterol ruim) no sangue. Para a
indústria alimentar era uma incrível opção para deixar saborosos e
com maior prazo de validade toda uma gama de produtos (salga-
dinhos, biscoitos, bolos etc.) A isto se somam os benefícios vistos
pelos restaurantes de fast-food.

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