Globalização e pós-modernidade

AutorJames Magno Araújo Farias
Ocupação do AutorDesembargador do Tribunal Regional do Trabalho da 16ª Região/MA; Presidente (2016/2017); Corregedor Regional (2014/2015)
Páginas31-46

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A euforia com o fim do mundo bipolar no início da década de 90 levou à expressão exagerada ‘o fim da história’ de Francis Fukuyama. Evidentemente

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a história continua viva e ativa. As novas tecnologias após 1945 resultaram em intensas trocas culturais, mudaram comportamentos, derrubaram ditaduras, aceleraram transformações sociais e dificultaram a docilização do indivíduo.

No final do século XX, a globalização virou sinônimo errado de neoliberalismo e de flexibilização de direitos. Embora assemelhados, a globalização representa apenas uma face complexa da aproximação dos povos e fronteiras diante do avanço tecnológico, da televisão, dos satélites, da Internet, do avanço das trocas mercantis. É o sonho idealizado na Antiguidade por Marco Pólo, pelas Ligas Hanseáticas desde a pré-modernidade, pelos Grandes Navegadores do século XV.36

Jean Baudrillard, Zygmunt Bauman e Anthony Giddens disseram que a modernidade terminou no final do século XX. O período subsequente é a pós-modernidade, resultante das mudanças velozes, quando as estruturas políticas, culturais e sociais foram radicalmente alteradas.

A pós-modernidade não se confunde com a sociedade pós-industrial, esta à do conceito de Daniel Bell, que no início dos anos 1980 analisou a transformação econômica da sociedade, que saiu da estrutura original da manufatura moderna e migrou para os novos modos de produção tecnológica, impulsionados pelos avanços científicos do pós-guerra.

Na pós-modernidade é perceptível o individualismo radical, o mal do "presentismo" e a negligência no problema da responsabilidade em relação ao futuro. Por exemplo, a discussão filosófica em tempo de terror em Habermas e Derrida assume segundo plano. As pessoas ficaram mais interessadas na última fofoca viral do que na administração pública de sua cidade. "O mundo tornou-se um aquário", na feliz expressão de Ney Bello Filho37.

"Eu consumo, logo existo!". O ácido trocadilho cartesiano de Agostinho Ramalho38 está perfeitamente inserido na atual sociedade de consumo, movida pela futilidade, rotatividade e modismos, em que as pessoas recebem um enorme volume de informação, mas, paradoxalmente, adotam posturas e pensamentos ignóbeis.

Zygmunt Bauman trabalha com o conceito de liquidez em lugar da solidez. As relações humanas estão voláteis, instáveis e individualistas. Ele

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escreveu sobre o mal-estar na pós-modernidade, em acertada lembrança com o mal-estar na civilização de Freud39.

Moisés Naím afirma que atualmente "o poder está em degradação, não é mais o que era"... É mais fácil de obter, mais difícil de utilizar e mais fácil de perder"40.

Muitos viraram prisioneiros das redes sociais. A rede social em si contém dois conceitos que deveriam ser estimulantes. Rede, como malha de conexão. E social, como a feliz junção de pessoas em torno de algo que as interesse. Mas não é o que acontece sempre.

As redes sociais ditam as regras de opinião coletiva. Muitas vezes com velocidade e acerto espantosos. Umberto Eco foi feliz ao declarar em 2015 que as redes sociais deram voz a uma "legião de imbecis", pela projeção que a internet consegue dar a todo tipo de comentário feito em sites ou nas comunidades41.

O poder de convencimento e a agressiva articulação de interesses, que antes existiam na mídia formal, migraram rapidamente para a esfera de poder de alguns blogs e sítios na internet no loop da pós-modernidade. Sintomaticamente, a maior parte dos tribunais mantém páginas ativas no Facebook, Twitter e Instagram. Virou regra na era da transparência total.

Mario Vargas Llosa, em A civilização do espetáculo faz um alerta sobre a "perda da autoridade" de muitos pensadores de nosso tempo, substituídos por sofismas e artifícios intelectuais42. Uma época estranha, onde os pensadores ficam em segundo plano e têm menos voz do que as mais recentes celebridades do mundo fashion ou esportivo. Formam, assim, infelizmente, menos opinião. Suas ideias ficam restritas a pequenos grupos resistentes.

Ney Bello Filho, em sua belíssima obra Interlúdio, alertou:"Essa dependência quase absoluta das informações e das comunicações, responsáveis pela liquefação de nossos valores, e pela fluida constatação do que é bom e do que é mau, arrastou para a essência de nosso modo de viver uma característica advinda do racionalismo e da ciência, lá na modernidade"43.

O pessimismo de Viviane Forrester chocou muitos quando escreveu O Horror Econômico no final do século passado. Ela disse: "vivemos em meio a um engodo magistral, um mundo desaparecido que teimamos em não reconhecer como tal e

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que certas políticas artificiais pretendem perpetuar. Milhões de destinos são destruídos, aniquilados por esse anacronismo causado por estratagemas renitentes, destinados a apresentar como imperecível nosso mais sagrado tabu: o trabalho" . 44

O Neoliberalismo representa uma visão equivocada de ver os problemas de circulação de dinheiro, capitais e poder público e privado em todo o Planeta pós-Bretton Woods, mas que somente vai conseguir sua expansão na década de 80, notadamente com os governos conservadores de direita da Grã-Bretanha, com Margareth Thatcher, e dos EUA, com Ronald Reagan e George Bush.

A chamada "globalização econômica" é que se aproxima do neoliberalismo, quando se retomam conceitos antigos como o laissez-faire. Seguindo os teóricos Milton Friedman e Friedrich Von Hayek, o Estado negou a teoria keynesiana de demanda e passou a gerenciar ao mínimo sua intervenção nas questões sociais, tornando-se um espectador distante dos problemas existentes. Nos países indus-trializados, principalmente na Europa, um dos maiores problemas foi o corte de direitos sociais que por décadas orgulharam os trabalhadores, que veem agora suas garantias básicas conquistadas arduamente no pós-guerra pelo Welfare State sendo retiradas com extrema facilidade. O Welfare State era uma resposta ao regime planificador comunista. Com o fim da Guerra Fria e com a derrota da velha Social-democracia europeia, o neoliberalismo parecia ser o futuro inevitável da economia mundial45.

Indaga-se: como manter uma política trabalhista de estabilidade diante do ideário neoliberal? Como situar as causas da segmentação do mercado de trabalho diante desse quadro atual?

O mercado de trabalho pode ser estudado sob a forma dicotômica de mercado primário e secundário. O mercado primário é caracterizado habitualmente por trabalho e empregos estáveis, salários elevados, progresso técnico e treinamento de pessoal e quadro de carreira organizado. O mercado secundário, ao seu passo, é marcado por alta rotatividade de mão de obra, salários baixos, pequena produtividade, más condições de trabalho, alta taxa de desemprego e baixo índice de desenvolvimento tecnológico.

São conhecidas algumas causas e justificativas do processo de segmentação do mercado laboral. Desde a modernidade foi criada uma diversificação das equipes de trabalhadores adaptáveis aos níveis de produção e demanda; depois, há a estrutura industrial, concentração de capital ligada à tecnologia e mercado de trabalho, interesses de classes, interesses pessoais e fatores institucionais.

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Quem iniciou nas últimas décadas do século XIX o movimento de gerência científica ligado ao desenvolvimento de métodos e organização do trabalho foi Frederick Winslow Taylor, que aplicou métodos científicos aos problemas de controle de trabalho nas grandes empresas que se desenvolviam. Taylor, que a rigor não era um cientista, também não estava muito interessado em desenvolvimento de tecnologia, mas apenas em controlar o trabalho em qualquer nível de tecnologia, formulando três princípios. O primeiro dos princípios diz que o processo do trabalho deve ser dissociado e independente do ofício, do conhecimento e da tradição dos trabalhadores, devendo ser vinculado unicamente às políticas gerenciais, quando deverá a administração descobrir e pôr em prática novos métodos, mais rápidos e econômicos, a fim de que os trabalhadores aprimorem o conhecimento prático que possuem.46

O segundo princípio trata da separação entre a concepção e a execução, no qual, segundo Taylor, todo trabalho cerebral deve ser banido da oficina e centrado no departamento de planejamento ou de projeto. Isto é, o trabalhador braçal venderia unicamente sua força de trabalho, próxima a dos animais, enquanto tarefas mais complexas e cerebrais seriam de ordem gerencial. Por conseguinte, execução e controle do trabalho seriam atividades distintas, uma do trabalhador, outra do empregador, que não se confundiam.

O terceiro princípio diz respeito aos tipos comuns de gerência, onde Taylor dizia que cada operário tornou-se mais especializado em seu próprio ofício do que é possível a qualquer um ser na gerência, ou seja, a gerência científica planeja como e em quais condições o operário deve executar a tarefa designada, resultando no chamado monopólio gerencial do conhecimento para executar cada fase do processo de trabalho e seu modo de execução.

Harry Braverman pondera que "se o taylorismo não existe hoje como uma escola distinta deve-se a que, além do mau cheiro do nome, não é mais propriedade de uma facção, visto que seus ensinamentos fundamentais tornaram-se a rocha viva de todo projeto de trabalho"47.

A partir do ideário da gerência científica, o processo de trabalho passou a ser observado e construído de modo diferente do passado, onde do empregado era exigida uma nova postura na jornada de trabalho, no intuito de se obter o máximo de produtividade, na forma e nos moldes ditados pelo podergerencial. Daí que o processo de produção passa a ser abstraído e planejado antes de ser executado, abandonando-se a experiência prática e o saber de ofício do trabalhador.

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Até a inauguração da Ford Motor Company, em 1903, a fabricação de automóveis era reservada a profissionais que aprenderam o ofício nas oficinas de bicicletas e viaturas dos Estados de Michigan e Ohio. Até 1908 o processo era artesanal e dirigido por...

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