Teoria Geral da Prova: Do Conceito de Prova aos Modelos de Constatação da Verdade

AutorFernando Rubin
CargoAdvogado. Mestre em Processo Civil (UFRGS)
Páginas30-42

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I Introdução

I negavelmente a temática probatória não ocupa o lugar de destaque nos estudos de teoria geral de processo e, mais especiicamente, de processo civil. Mesmo quando a matéria "provas" é debatida, o enfoque se limita ordinariamente às disposições/particularidades de cada um dos "meios de prova" e não propriamente ao prévio e mais denso estudo da "teoria geral da prova".

No entanto, há inúmeros e complexos dispositivos na Constituição Federal de 1988 e principalmente no Código de Processo Civil que tratam da matéria e exigem cuidado na sua articulada exegese. Ademais, presencia-se, na rotina do foro, inúmeras discussões a respeito do nosso objeto de investigação, como, por exemplo, da correção de deferimentos e principalmente de indeferimentos de meios de prova nas demandas judiciais.

Há, pois, espaço para melhor sedimentação dos aspectos centrais que circunscrevem o tema "teoria geral da prova", apontando, de acordo com o exemplo sobredito, para melhores soluções no acolhimento dos lícitos meios probantes. Por certo, forçoso ainda o registro inicial, iremos buscar nos posicionar, ao longo do trabalho, justamente pela defesa da realização da prova, respeitados os parâmetros constitucionais e infraconstitucionais atinentes à matéria.

II Conceito de prova; objeto de prova; fontes e meios de prova; a dinâmica da prova e o procedimento judicial apto à produção de prova na instrução
1. Conceito de prova

Iniciamos o estudo do tema probatório pelas mais basilares nomen-claturas, deinindo a prova como todo e qualquer elemento material dirigido ao juiz da causa para esclarecer o que foi alegado por escrito pelas partes, especialmente circunstâncias fáticas.

Nas palavras de Scarpinella Bueno, seria a prova "tudo que puder influenciar, de alguma maneira, na formação da convicção do magistrado para decidir de uma forma ou de outra, acolhendo, no todo ou em parte, ou rejeitando o pedido do autor"1.

Já para Marinoni e Mitidiero, poderíamos definir a prova como "meio retórico, regulado pela legislação, destinado a convencer o Estado da validade de proposições controversas no processo, dentro de parâmetros fixados pelo direito e de critérios racionais"2.

Pelo que se nota dos conceitos externados, evidentemente há uma grande diferença entre "alegar um fato" e "provar um fato", o que será objeto de instrução processual, respeitando-se as disposições e limites fixados pela legislação adjetiva de regência.

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2. Objeto de prova

Provavelmente o aspecto mais relevante nessa parte propedêutica da teoria geral da prova gira em torno do objeto de prova, o que seja, aquilo que deve ser provado no processo; responderia à pergunta: "sobre o que a prova deve recair?".

Tem-se, nesse sentir, que o objeto de prova são os fatos controvertidos relevantes. Fatos incontroversos/notórios, confessados não precisam ser consequentemente provados; fatos irrelevantes/impertinentes também não dependem de prova.

Realmente, o grande objeto da prova recai sobre "fatos", já que o "direito" diicilmente será matéria a ser provada, a não ser em casos absolutamente excepcionais regulados no art. 337 do CPC. Ademais, só os fatos "controvertidos" e "relevantes" merecerão investigação instrutória. Em outros termos, para se perfectibilizar detida averiguação judicial sobre fato deve existir determinada dúvida a respeito da vera-cidade e extensão do evento, como também só será incrementada a aludida investigação se a elucidação do fato for decisiva para a melhor compreensão do fato jurídico abarcado na causa de pedir.

3. Fontes e meios de prova

Aqui estamos diante de outra diferenciação clássica na teoria geral da prova, em que os primeiros são os elementos (mecanismos) externos do processo aptos a provar; e os últimos são os elementos (mecanismos) internos do processo aptos a provar, ou seja, as formas pelas quais se podem produzir provas em juízo de acordo com a legislação processual do país (conissão, depoimento pessoal, in-terrogatório, testemunhas, documentos, perícia e inspeção judicial).

Na prática, tem-se que nem toda fonte de prova pode se converter em meio lícito e apto de prova, diante justamente das restrições impostas pela legislação processual vigente: uma informação só poderá ser obtida de uma fonte se isso se enquadrar entre os meios de prova admitidos pelo sistema3.

Vejamos os seguintes exemplos: se a testemunha é amigo íntimo/familiar do autor da demanda, o peso da inquirição tende a acabar por ser rebaixado (à informante) ou mesmo excluído; ainda, mesmo que existam cinco testemunhas a comprovar em juízo determinado fato, a lei prevê que no máximo podem ir a juízo apenas três testemunhas por fato.

Realmente, da diferenciação entre fontes e meios de prova, pode-se concluir que nem toda fonte de prova pode ser convertida em meio de prova a ser utilizado na instrução do processo, já que há restrições legais ao uso das provas, mesmo lícitas.

4. A dinâmica da prova e o procedimento judicial apto à produção de prova na fase instrutória

A doutrina conirma que são previstas determinadas etapas, em ordem cronológica, para a realização da prova em juízo, geralmente podendo ser catalogadas em quatro - a) requerimento da prova, pela parte; b) deferimento (ou "admissão") da prova, pelo juiz; c) produção da prova, pela parte ou por terceiro (perito); d) valoração da prova, pelo juiz4.

Uma análise atenta dessa sequência, que representa a dinâmica da prova, aponta, no entanto, que seria realmente própria para os meios de prova produzidos na fase instrutória (prova pericial e prova testemunhal, especialmente), não se aplicando, por exemplo, à prova produzida na fase postulatória (prova documental) - já que aqui o procurador da parte junta com a petição inicial os documentos, independentemente de fase de requerimento/deferimento/ produção (nesse caso os documentos serão juntados unilateralmente pela parte e, por regra, avaliados em sentença pelo juiz, em cognição exauriente junto com os demais meios de prova).

Tal constatação prática autoriza inclusive que cogitemos de diferenciar os termos "fase instrutória" e "instrução". Sem dúvida, o último termo é mais amplo, já que compreende não só a prova produzida na fase instrutória (pericial e testemunhal, especialmente), mas também a prova produzida desde a fase postulatória (prova documental). Em outros termos, toda a fonte convertida em meio de prova, utilizada no processo, independente da fase processual, integra a instrução.

Aprofundemos a questão. Para ser proferida decisão inal de mé-rito (sentença), há necessidade de serem vencidas determinadas etapas procedimentais, quais sejam: fase postulatória, fase saneadora e fase instrutória. A primeira integraria o momento inicial de judicialização do conlito, com a apresentação da inicial - contestação - réplica e apresentação das provas documentais. Após, caberia ao magistrado uma preliminar análise do feito, determinando o prosseguimento da demanda em caso de necessidade, quando não manifestasse a opção pela extinção do feito sem julgamento de mérito ou entendesse que caberia o imediato julgamento do mérito com a prova documental já acostada. Por im, haveria uma fase complementar destinada ao prosseguimento da instrução, denominada fase instrutória, quando provas mais técnicas ou especíicas se apresen-tassem indispensáveis para que o Estado-juiz pudesse melhor enfrentar o objeto litigioso da demanda.

Nesse diapasão, oportunas as palavras de Elpídio Donizetti ao descrever que "se o processo chegou a essa fase (instrutória ou probatória) é porque os elementos de prova, so-

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bretudo documentais, apresentados na fase postulatória, não foram su-icientes para formar a convicção do juiz, a im de que ele possa compor o litígio, com o regular acolhimento ou rejeição do pedido do autor, de acordo com o art. 269, I do CPC"5.

Vê-se, assim, pela exposição dos oportunos conceitos, que a instrução se dá em todo e qualquer momento da etapa cognitiva, em que apresentados meios de prova aptos a elucidar a verdade dos fatos; sendo que a fase instrutória seria o momento de aprofundamento dessa...

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