Princípios gerais do Direito (ou de outros ramos jurídicos) aplicáveis ao Direito do Trabalho

AutorMauricio Godinho Delgado
Páginas149-195

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I Introdução

O direito do Trabalho é ramo jurídico especial. não é, contudo, ramo singular, nem anômalo, isolado do conjunto jurídico geral. integra-se, em suma, ao universo do direito, guardando, é claro, suas especificidades, mas também se submetendo a vínculos com o núcleo jurídico principal.

Parte significativa desses vínculos é formada pelos princípios gerais de direito que atuam no ramo justrabalhista, além dos princípios especiais de outros segmentos jurídicos que também cumprem papel de relevo no direito do Trabalho.

É necessário enfatizar que, embora tais princípios extratrabalhistas possam ser, de fato, muito importantes à estrutura e à dinâmica do ramo juslaboral (alguns com importância maior do que outros, evidentemente), não são, indubitavelmente, princípios juslaborativos especiais, isto é, princípios próprios e distintivos do direito do Trabalho. Mantêm-se como princípios efetivamente externos a este ramo jurídico especializado, não obstante nele ingressando e agindo.

Tais princípios externos ao direito do Trabalho sofrem adequações inevitáveis ao nele ingressarem, sem que se transformem, contudo, em princípios específicos ao campo justrabalhista. ou seja, a adequação não é, afinal, tão forte, do ponto de vista substantivo, a ponto de os descaracterizar como princípios jurídicos externos. Por isso, em rigor científico, cabe proceder a seu exame separadamente do grupo de princípios especiais do direito do Trabalho.

Registre-se que parte da doutrina tem incorporado alguns desses princípios externos indistintamente no rol dos princípios justrabalhistas. o grande jurista uruguaio Américo Plá Rodriguez, por exemplo, arrola os princípios da razoabilidade, da boa-fé e da não discriminação ao lado dos demais princípios

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trabalhistas que analisa em sua clássica obra152. Na mesma linha o jurista argentino Alfredo J. Ruprecht, que cita, ao lado de princípios tipicamente trabalhistas, outros como: da boa-fé, da racionalidade (que corresponde ou, pelo menos, se vincula ao da razoabilidade), da não discriminação, da digni-dade humana, da justiça social e da equidade153.

No Brasil, ilustrativamente, Luiz de Pinho Pedreira da Silva menciona os princípios da igualdade de tratamento e da razoabilidade no grupo dos princípios especiais do direito do Trabalho pátrio154. Também Francisco Meton Marques de Lima cita os princípios da justiça social e da equidade no grupo dos princípios que chama de gerais do direito do Trabalho, englobando os princípios da razoabilidade e da boa-fé no rol dos princípios que denomina especiais ou derivados do direito do Trabalho155.

Entretanto, ainda nos parece que a conduta mais adequada, cientificamente, é a que observa a diferença, quando substantiva. assim, os princípios especiais justrabalhistas demarcam a distinção e a especificidade do direito do Trabalho perante o universo jurídico circundante, ao passo que os princípios gerais do Direito aplicáveis ao ramo jurídico especializado demarcam, ao reverso, os laços essenciais que este ramo, não obstante suas particularizações, tem de manter com o restante do direito.

Por isso este capítulo aqui setorizado — ainda que, em boa medida, sua temática já tenha sido abordada também no capítulo ii do presente livro, referente aos princípios constitucionais do trabalho.

Conforme já sugerido anteriormente nesta obra, no bloco dos princípios gerais do Direito ou princípios especiais de outros ramos jurídicos que se aplicam, com relevância, ao direito do Trabalho (particularmente direito individual do Trabalho), podem se arrolar diversas proposições. Várias delas serão aqui examinadas.

Há, porém, um grupo principal, composto de três planos de princípios. em um dos planos, o princípio da dignidade da pessoa humana e diversos princípios associados a este basilar, tais como o princípio da inviolabilidade do direito à vida, o princípio da não discrimanação, o princípio da justiça social e, por fim, o princípio da equidade.

Em outro plano, destacam-se os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade (o primeiro também formulado como princípio da proibição do excesso).

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Sobrelevam-se, em um terceiro plano, o princípio da boa-fé e seus corolários, quais sejam os princípios do não enriquecimento sem causa, da vedação ao abuso do direito e da não alegação da própria torpeza.

A alta relevância deste grupo de princípios, composto por três planos de diretrizes jurídicas, recomenda que se dedique, neste livro, capítulo próprio a seu estudo — o presente capítulo Vi.

A este bloco de princípios externos ao direito do Trabalho, porém nele atuantes, integra-se também o princípio da prévia tipificação legal de delitos e penas, que se aplica, em certa medida, com adequações, ao poder disciplinar no contrato de emprego. no capítulo Vii desta obra será feita a análise do mencionado princípio.

Ao direito do Trabalho também se integram outras proposições de interesse, embora não tenham caráter efetivo de princípios.

Trata-se de máximas jurídicas ou brocardos, cuja natureza é de sínteses do conhecimento empírico do Direito (ou, como aponta Díez-Picaso, condensações de experiência)156. arrolam-se entre essas máximas ou brocardos, ilustrativamente, as seguintes: a que dispõe sobre a não exigência do impossível a qualquer pessoa; a que fala da prerrogativa menor autorizada pela prerrogativa maior (“quem pode o mais, pode o menos”); a que expõe sobre o perecimento da coisa em função do perecimento de seu dono ou, se se preferir, sobre o perecimento da coisa sob ônus de seu dono (res perit domino).

Núcleo basilar dos princípios gerais

Há, pelo menos, três princípios gerais do Direito de grande importância na estrutura e dinâmica do direito do Trabalho. São princípios já fundamentais no plano geral do direito e também em diversos de seus ramos especializados e que, ao ingressarem no direito do Trabalho, também nele atuam de modo intenso e cardeal. Formam aquilo que chamamos de núcleo basilar dos princípios gerais do direito aplicáveis ao ramo justrabalhista especializado.

Trata-se do princípio da dignidade da pessoa humana (com seus corolários citados), do princípio da proporcionalidade (e seu corolário e/ou correspondente, princípio da razoabilidade) e do princípio da boa-fé (e seus correlatos já referidos).

Como já sugerido nesta obra, a importância desses três princípios é também aqui, na área justrabalhista (assim como, em geral, no restante do

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Direito), tão exponencial que podem ser arrolados como parte integrante do cerne do direito do Trabalho — mas só que são a parte do cerne do Direito do Trabalho que se comunica de modo próximo e intenso com o restante do Direito ou alguns dos segmentos mais importantes deste. não são, desse modo, a parte que se distancia, que se afasta, que marca a distinção juslaboral perante os demais segmentos jurídicos (parte esta capitaneada pelos princípios especiais do direito do Trabalho). São, ao reverso, a parte que assegura a comunicação e integração do direito do Trabalho com o universo jurídico mais amplo circundante.

O presente capítulo volta-se à análise deste núcleo basilar dos princípios gerais do direito com influência no campo justrabalhista.

II Princípios jurídicos gerais aplicáveis ao direito do trabalho - adequações e restrições

Os princípios gerais do direito atuantes no ramo justrabalhista caracterizam-se por incorporar diretrizes centrais da própria noção de direito, seja englobando valores essenciais da vida humana, elevados ao ápice pelas modernas constituições democráticas (como o princípio da dignidade do ser humano), seja se referindo a comandos diretores fundamentais para as relações entre os sujeitos de direito (como o princípio da razoabilidade e/ou proporcionalidade e o princípio da boa-fé).

São, desse modo, princípios que se irradiam por todos os segmentos da ordem jurídica, cumprindo o relevante papel de assegurarem organicidade e coerência integradas à totalidade do universo normativo de uma sociedade política. nessa linha, esses princípios gerais, aplicando-se aos distintos segmentos especializados do direito, preservam a noção de unidade da ordem jurídica, mantendo o direito como um efetivo sistema, isto é, um conjunto de partes coordenadas.

Os...

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