Gênero e sexualidades desbaratadas em dois Concílios Alto-medievais: um primeiro ensaio de leitura histórica comparada (Braga II e Toledo IV)
Autor | Marcelo Pereira Lima |
Cargo | Pós doutor pela Universidade de Salamanca |
Páginas | 25-60 |
DOI: http://dx.doi.org/10.5007/2175-7976.2016v23n35p25
Gênero e sexualidades desbaratadas em dois Concílios Alto-
medievais: um primeiro ensaio de leitura histórica compara-
da (Braga II e Toleto IV)*
Gender and disparate sexualities in two high middle ages councils:
(Braga II and Toledo IV)
Marcelo Pereira Lima**
Resumo: Neste ensaio, pretende-se discutir os discursos normativos sobre as
relações conjugais e as sexualidades de clérigos e leigos em dois concílios da
Alta Idade Média, Braga II e Toledo IV. Dividiu-se o texto em duas seções.
Na primeira, far-se-á breves considerações sobre algumas implicações
teóricas sobre o método comparativo, articulando-o à proposição de uma
espécie de História Institucional de Gênero. Já a segunda procurará aplicar a
comparação à questão dos concílios de forma ensaística, visando muito mais
modalidades de comparação histórica. Nesta parte, lanço atenção especial às
lógicas de criminalização penitêncial ou não das sexualidades e do casamento
do ponto de vista histórico comparado, tentando conectar a regulação desses
elementos às formas de organização sócio-institucional, jurídico-canônica,
cultural e política.
Palavras-chave: Gênero; sexualidades; concílios medievais; história
institucional de gênero
______________________________________
* Algumas ideias centrais apresentadas neste ensaio derivaram de uma comunicação oral
apresentada no XVI Ciclo de Debates: Escritos & Imagens, promovido pelo Laboratório de
História Antiga (LHIA), entre os dias 6 a 10 de novembro de 2006. A comunicação oral in-
titulou-se Relações de gênero, casamento e sexualidade nos concílios medievais: um ensaio
de leitura histórica comparada.
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Revista Esboços, Florianópolis, v. 23, n. 35, p. 25-60, set. 2016.
críticas realizadas pelo Prof. Dr. Leandro Duarte Rust (UFMT), pois, sempre estimulantes,
** Pós-doutor pela Universidade de Salamanca (2015), Doutor em História pelo PPGH
da Universidade Federal Fluminense (2010). Atualmente é professor do Programa de Pós-
Graduação em História da UFBA (Universidade Federal da Bahia). Tem experiência na área
de História, com ênfase na História Sociocultural das Instituições Medievais, sobretudo na
História da Igreja e do Papado, da Realeza Medieval e da História do Direito Medieval.
Além disso, dedica-se à pesquisa sobre os Estudos de Gênero e seus fundamentos teóri-
cos, metodológicos e epistemológicos, investigando, portanto, os seguintes temas: Teoria e
Metodologia da História, Idade Média, Direito Medieval, Reforma Papal, Realeza Castelha-
no-Leonesa, Relações de Poder, Corpo, Parentesco e Gênero. E-mail: inperpetuum@uol.
com.br
Abstract: In this essay, we intend to discuss the normative discourse on marital
relations and sexualities of clergy and laity in two councils of the Middle Ages,
consider some theoretical implications on the comparative method, linking it to
propose a kind of Institutional History of Gender. The second will seek to apply
the comparison to the question of the councils in the essayistic way, aiming to
types of historical comparison. In this part, I will give special attention to the
logic of penitential criminalizing or not about sexualities and marriage from a
historical point of view of the comparison, trying to connect the regulation of
these elements to the forms of socio-institutional, legal and canonical, cultural
and political.organization.
Gender; sexualities; medieval councils; institutional history of
gender
Introdução
A temática do casamento e da sexualidade esteve presente em diversos
concílios locais, provinciais e ecumênicos ao longo da Idade Média. À primeira
vista, esses concílios parecem simplesmente repetir tradições que ultrapassam a
temporalidade. No entanto, olhando mais de perto, mesmo querendo prolongar
o passado no âmbito das normas jurídicas, os discursos conciliares não foram
poder, às diferenças culturais, às múltiplas experiências temporais etc. Ou
melhor, eles estiveram sob a égide das condições de possibilidades históricas
das quais e para as quais foram criados.
É com esse apelo à história, ao tempo diacrônico-sincrônico, que gostaria
de pensar as particularidades das diretrizes normativas sobre as sexualidades
e as relações conjugais estilizadas em textos conciliares, buscando enfatizar
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Revista Esboços, Florianópolis, v. 23, n. 35, p. 25-60, set. 2016.
Assim, selecionei algumas atas distribuídas em sociedades, momentos e regiões
a comparação como método de análise, não dispensando obviamente as
Darei destaque às regiões das penínsulas Ibérica e concentrarei qualitativamente
a análise nos contextos socioculturais, religioso-eclesiásticos, políticos e de
gênero da produção de 2 concílios: Braga II (572) e Toledo IV (633).
Em razão de economia de espaço, não darei ênfase aos contextos de
apropriação dos textos e discursos conciliares citados. Isso demandaria outras
considerações teóricas e metodológicas, bem como o cotejamento com outras
documentações. Da mesma forma, tal empreendimento exigiria um longo
estudo da intertextualidade e da interdiscursividade das atas conciliares em
vários contextos históricos. Portanto, o(a) leitor(a) encontrará neste artigo duas
seções: a primeira estará voltada para breves considerações sobre algumas
implicações teóricas sobre o método comparativo, articulando-o à proposição
de uma espécie de História Institucional de Gênero. Já a segunda procurará
mais demoradamente aplicar a comparação à questão dos concílios de forma
ensaística, visando muito mais apresentar problemas e indagações do que
Nesta parte, lanço atenção especial às lógicas de criminalização penitêncial
das sexualidades e das relações matrimoniais, conectando a regulação desses
elementos às formas de organização sócio-institucional, canônica, cultural e
política.
História comparada: algumas considerações teóricas sobre o método
A comparação é um método, um procedimento, um fazer. Não se pode
esquecer que suas bases etimológicas podem indicar a idéia de “pesquisa”,
“caminho”, pois a palavra grega méthodos é constituída de metá
“atrás, em seguida, através”, “além de”, “após” e de hodós, que quer dizer
“caminho”. Nesse sentido, acima de tudo, entende-se o método comparativo
como um caminho dinâmico através do qual se operacionaliza determinados
procedimentos analíticos. Mas quais procedimentos? Comparar o que? De qual
forma? Por que? O dicionário Houiass parece reproduzir o senso comum sobre
verbo indicam noções relacionadas às ideias de “cotejamento”, “confrontação”,
“paralelismo” e “relação” entre elementos similares e/ou díspares.1
Vários campos de saberes parecem reforçar um ou outro desse traço
ramos da Literatura Comparada enfatizaram questões bem conhecidas pelos
comparatistas dessa área, como a teoria dos empréstimos mútuos, a relação
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