Gênero, fábulas e verdades jurídicas: Reconstruindo o tempo e o sentido de processos judiciais de violência doméstica contra as mulheres

AutorRenata Cristina de Faria Gonçalves Costa
CargoAdvogada e mestranda em Direito pela Universidade de Brasília
Páginas79-101
Periódico do Núcleo de Estudos e Pesquisas sobre Gênero e Direito
Centro de Ciências Jurídicas - Universidade Federal da Paraíba
Nº 02 - 2º Semestre de 2014
ISSN | 2179-7131 | http: http://periodicos.ufpb.br/ojs2/index.php/ged/index
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Seção 04: Direitos Humanos e Políticas Públicas de Gênero
Gênero, fábulas e verdades jurídicas: Reconstruindo o tempo e o sentido de
processos judiciais de violência doméstica contra as mulheres.
Renata Cristina de Faria Gonçalves Costa
Resumo: O presente trabalho busca
sintetizar reflexões sobre material empírico
colhido em observação etnográfica e
leitura de processos judiciais do Juizado de
Violência Doméstica e Familiar Contra a
Mulher do Núcleo Bandeirante, Distrito
Federal. O objetivo é perceber como se dá
a construção de fábulas e verdades
jurídicas dentro da trama processual para
assim visualizar as representações sociais
de gênero que habitam os discursos e
práticas em torno da aplicação da Lei nº
11.340/2006. As práticas e discursos
analisados revelaram distintos usos de seis
figuras processuais que permitem uma
reinvenção do tempo processual e seu
alargamento, os quais refletem, ao longo
das suas aplicações, uma tensão constante
entre o valor relacional da honra e o valor
individualista dos direitos. O material
indicou que, embora existam pontos
sensíveis à manifestação de representações
tradicionais que reforçam modelos de
virtude fundados em gênero, há esforços
no sentido de compatibilizar a atuação com
os fins sociais previstos na Lei. A
tendência é de usar tais figuras processuais
para garantir a proteção da integridade das
ofendidas e possibilitar seu
empoderamento, possibilitando às vítimas
tempo de reflexão e de vivência com o
apoio e as estruturas do Juizado.
Palavras-chave: Violência Doméstica e
Familiar contra as mulheres. Gênero.
Judiciário.
Resumen: El presente estudio trata de
sintetizar las reflexiones sobre el material
empírico recogido en observación
etnográfica y la lectura de las demandas de
la Corte de Violencia Doméstica y
Familiar contra la Mujer de Núcleo
Bandeirante, Distrito Federal. El objetivo
es entender cómo se da la construcción de
mitos y verdades dentro del Poder Judicial
para visualizar las representaciones
sociales de género que habitan en los
discursos y prácticas en torno a la
aplicación de la Ley N ° 11340/2006. Las
prácticas y los discursos analizados
Periódico do Núcleo de Estudos e Pesquisas sobre Gênero e Direito
Centro de Ciências Jurídicas - Universidade Federal da Paraíba
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revelaron seis distintas figuras procesales
que permiten una reinvención del sentido
de los procesos y su extensión en el
tiempo, lo que refleja en sus aplicaciones
una tensión constante entre el valor
relacional de honor y el valor de los
derechos individuales. El material indicó
que al misto tiempo en que se observan
manifestaciones sensibles a las
representaciones tradicionales que
refuerzan los modelos de la virtud basada
en el género también hay pistas de que
existe un esfuerzo para reconciliar la
acción judicial con los fines sociales
previstos por la ley. La tendencia es
utilizar estas figuras procesales para
asegurar la protección de la integridad de
las víctimas y hacer posible su
empoderamiento para que las mujeres
tengan momentos de reflexión y apoyo de
las estructuras de la Corte.
Palabras-clave: Violencia Doméstica y
Familiar contra las mujeres. Género. Poder
judicial.
Introdução
Um caminhada entre fábulas
1 e
verdades jurídicas em audiências,
1 O termo “fábulas” é usado neste trabalho no
sentido de Mariza Corrêa (1983: 26) para expressar
que pesquisas em processos judiciais englobam um
nível simbólico de “discursos que expressam uma
atendimentos multidisciplinares e
processos judiciais regidos pela Lei Maria
da Penha (LMP) 2. Com a intenção de
descrever essas trajetórias, o presente
artigo3 embarca numa tentativa de captar
as representações sociais de gênero que
circulam no Judiciário através dos atos
interpretativos de aplicação da Lei, os
quais - transcritos em evidências
simbólicas nos discursos e práticas
judiciais contribuem para a construção de
personagens e narrativas da violência
doméstica e familiar, pendendo ora para o
código individualista da defesa dos direitos
das mulheres, ora para o código relacional
da honra (Machado, 2010).
ordenação da realidade”. Os fatos e m si são
irrecuperáveis e inacessíveis, mas os processos
que são junções de versões, representações e
discursos sobre a violência são palpáveis e
revelam os distintos interesses dos/as protagonistas
que nessas tr amas atuam. É sobre este material que
esta pesquisa se debruça.
2 A Lei nº 11.340, promulgada em 7 de agos to de
2006, é fruto da luta dos movimentos feministas
marcada pela condenação do Estado brasileiro
perante a Comissão Interamericana de Direitos
Humanos que o brigou o país a julgar o crime de
tentativa de homicídio de Maria da Penha
Fernandes, a pagar indenização à vítima e elaborar
a referida Lei em razão de sua omissão diante da
violência doméstica e familiar no país (Barsted,
2011).
3 Este ar tigo é fruto d o meu trabalho de conclusão
de curso depositado na Faculdade de Direito da
Universidade de Brasília em agosto de 2013 sob
orientação da professora Dra. Lia Zanotta Machado.
A pesquisa também utiliza dados de dois projetos
de iniciação científica, Editais 2011 e 2012, CNPq,
os quais resultaram em relatório s parciais anteriores
a este trabalho.

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