O genero como construcao social--uma consideracao intermediaria.

AutorMaihofer, Andrea
CargoTexto en portugues - Geschlecht als Existenzweise - Resena de libro

Introducao

Em meu livro Geschlecht als Existenzweise ("O Genero como Modo de Existencia") (1955) foi minha intencao mostrar, entre outras coisas, que o entendimento revelador sobre a construcao social do genero e acompanhado do perigo de um estreitamento teorico que teria como objeto de analise exclusivamente os processos de construcao social e, com estes, a comprovacao acerca de onde e, sobretudo, de como os generos vem sendo construidos socialmente. Desta maneira, conforme minha tese, dois aspectos centrais da construcao social vem sendo negligenciados: por um lado, a analise dos "efeitos" dos processos sociais e da "materialidade" que estes vem adquirindo; por outro, sua relacao com o contexto social geral no qual esses processos acontecem respectivamente.

Em seguida, gostaria de comecar novamente com a pergunta sobre como se dao os processos de construcao social, no entanto, a partir de um ponto um pouco diferente: como o processo de construcao social deve ser concebido concretamente? Com essas consideracoes, estou dando, se assim quiserem, mais uma vez um passo atras, entrando na explicacao teorica da construcao de genero. Isto tambem me parece relevante para responder as duas outras perguntas. Aqui, poderei, no entanto, apenas delinear consideracoes finais a respeito dessa tematica. Refiro-me, sobretudo, as conceitualizacoes etnometodologicas de genero como em Doing gender (Fazendo genero), de Erving Goffmann. Essa linha de concepcoes (des)construtivistas, tal como a compreensao discursiva de genero como "ato performatico" segundo Judith Butler (1991), permanece dominante tanto no debate alemao sobre genero, quanto no anglo-americano.

  1. Genero como fazendo genero--mas como se coloca o fazendo em marcha?

    A tese de que genero e uma construcao social, ou, como afirmam Ulrike Teubner e Angelika Wetterer, a ideia de "que estamos lidando, no que concerne ao pertencimento de genero de pessoas ou ao sistema binario de genero como principio de classificacao e diferenciacao, nao com um dado da natureza, mas com o resultado de processos de construcao social" (1999, p. 12), representa hoje, para muitos, uma obviedade. Insista-se que genero e sexo nao sao constantes antropologicas, caracteristicas essenciais ou entidades que pertencem invariavelmente ao ser humano enquanto natureza. Com isto, e efetuado um deslocamento paradigmatico de perspectiva, abrindo um novo espaco teorico e empirico: genero, diferenca de genero, corpo sexualizado, 'masculinidade', 'feminidade' e orientacoes sexuais devem agora ser explicados em termos historicos e socioculturais. Em geral, o horizonte para (outros) questionamentos possiveis amplia-se tremendamente: todos os aspectos de sociedade passam a ser vistos como momentos possiveis de construcao e organizacao de genero, como elementos que antecedem e constituem os arranjos de genero. A meu ver, e tao somente a partir deste passo que a pesquisa de genero tem inicio de fato. Assim, nao considero o desenvolvimento em direcao a pesquisa de genero apenas como uma "diferenciacao das pesquisas sobre a mulher" (2006, p. 36), como afirma Regina Becker-Schmidt. Trata-se, pelo contrario, de uma evolucao paradigmatica. Se antes o foco estava sobretudo 'nas mulheres', 'nos homens' (pesquisa sobre homens (1)) e sua relacao (pesquisa da relacao entre generos), estamos lidando agora com um questionamento fundamental de genero: por que genero, afinal? De que maneira o genero e constituido socioculturalmente de forma reiterada? Qual o significado de tantas sociedades se organizarem centralmente atraves do genero--e, atualmente, atraves do sistema binario de genero heterossexual? Observando detalhadamente, como isto ocorre? E quais sao as consequencias para a organizacao da sociedade, para a lingua, para a arquitetura, para a ciencia, para o pensar, para o corpo, e, nao por ultimo, para (a genese d)os individuos? Essas sao apenas algumas das perguntas centrais de hoje. No entanto, a evolucao paradigmatica apenas comeca a se delinear, assim que e apenas possivel conjecturar acerca das suas consequencias produtivas (vide MAIHOFER 2004 para mais detalhes).

    Se antes os termos "categoria estrutural" (BECKER-SCHMIDT, 1991, p. 125) ou "indicador de lugar" (KNAPP, 1987, p. 292) foram caracteristicos para a compreensao da relacao entre os generos, entende-se genero agora sobretudo como uma "categoria em transformacao. Como mencionado anteriormente, as analises teoricas e empiricas se concentram, sobretudo, na pergunta acerca de como e em quais processos sociais individuais (situacoes cotidianas, na comunicacao, na familia, na esfera profissional etc.) tanto o genero quanto a(s) diferenca(s) de genero vem sendo produzidos e reproduzidos (e.o. WEST; ZIMMERMANN, 1991; HIRSCHAUER, 1993; WETTERER, 1993; HEINTZ; NADAI; FISCHER; UMMEL, 1997;LORBER, 1999; CONNELL, 1999). Interessantemente, permanece ainda muito difuso como os processos de construcao social se dao. Gostaria de ilustrar isto brevemente com alguns exemplos.

    Em seu ensaio inovador no qual conceitualizam genero como fazendo genero a partir de Goffman, Candace West e Don H. Zimmerman salientam que: "fazendo genero envolve um complexo de atividades perceptuais, interacionais e micropoliticas que sao socialmente guiadas, projetando buscas particulares como expressoes de 'naturezas' masculinas e femininas" (1991, p. 14). Como fica claro em seguida, eles rejeitam com isto nao apenas diferencas naturais, mas tambem diferencas de socializacao de genero como base para acao individual e organizacao social. Eles entendem genero num sentido fundamentalmente anti-essencialista, pensando-o exclusivamente como algo que se 'faz', e nao algo que alguem 'e', seja por condicionamento biologico ou pela socializacao (WEST; ZIMMERMANN, 1991, p. 27). Eles entao entendem as formas individuais de comportamento tidas como especificas do genero sempre como efeitos reiteradamente evocados por interacoes sociais e nao como expressao de identidades, propriedades ou competencias divergentes em funcao do genero, entre homens e mulheres. "Em vez de uma propriedade dos individuos, concebemos genero como uma propriedade emergente das relacoes sociais" (idem, ibidem).

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