Garantia legal e garantia contratual
Autor | José Carlos Maldonado de Carvalho |
Cargo | Desembargador do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro |
Páginas | 173-185 |
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EXCERTOS
"O termo da garantia contratual com todos os esclarecimentos que se fizerem necessários para a efetiva informação do consumidor sobre o produto ou serviço deverá ser preenchido pelo fornecedor na ocasião da conclusão do contrato de consumo"
"O direito do consumidor de reclamar pelos vícios dos produtos e dos serviços se submete - como não poderia deixar de ser - a um termo final, já que não se pretende eternizar o que eterno não é"
"Na verdade, a aquisição de um determinado bem durável, independentemente da garantia contratual que lhe é conferida, gera a expectativa de uma vida útil superior àquele prazo que lhe é concedido pelo fabricante"
"Diante de um vício oculto, o juiz vai sempre ter que atuar casuisticamente, aliás, como faz em outros sistemas legislativos"
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Há mais de dois milênios a má qualidade do produto comercializado, verificada posteriormente à sua aquisição, já atormentava o homem, que se sentia ludibriado na sua expectativa de satisfação.
Pela teoria do risco do empreendimento, todo aquele que se disponha a exercer alguma atividade no mercado de consumo tem o dever de responder pelos eventuais vícios ou defeitos dos bens e serviços fornecidos, independentemente de culpa.
A responsabilidade decorre do simples fato de dispor-se alguém a realizar atividade de produzir, estocar, distribuir e comercializar produtos ou executar determinados serviços. O fornecedor passa a ser o garante dos produtos e serviços que oferece no mercado de consumo, respondendo pela qualidade e segurança.
Na verdade, o código de PROTEÇÃO e de defesa do consumidor, ao dispor sobre a garantia implícita de adequação do produto ou do serviço, assegura ao consumidor a expectativa de sua utilização por um período razoável de tempo.
Daí a razão de exigir a lei protetiva que os produtos ou serviços sejam disponibilizados ao consumidor com a garantia de qualidade, segurança, durabilidade e desempenho, em atendimento, aliás, ao previsto no art. 4, ii, letra ‘d’, do cdc.
Exatamente por se tratar de garantia, e não de uma simples benesse, não pode ser equiparada a favor ou gentileza, que, como contrapartida, imponha ao consumidor o dever de gratidão permanente. Aliás, é de rigor que, ao lado da garantia, esteja alinhado o direito à informação, princípio fundamental que norteia a relação de consumo.
De fato, prevê o artigo 6º, inciso iii, do código do consumidor, como direito básico do consumidor, "a informação adequada e clara sobre os diferentes produtos e serviços, com especificação correta de quantidade, características, composição, qualidade e preço, bem como os riscos que apresentem".
Por certo, a oferta e apresentação de produtos ou serviços devem assegurar informações corretas, claras, precisas, ostensivas e em língua portuguesa sobre suas características, qualidades, quantidade, composição, preço, garantia, prazos de validade e origem, entre outros dados, bem como sobre os riscos que apresentam à saúde e
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segurança dos consumidores, o que não deixa margem a dúvidas sobre a obrigação do fornecedor de prestá-las a bom termo (art. 31 do cdc).
Garantia contratual e garantia legal
Reconhece a legislação consumerista duas espécies de garantia: a contratual, de cunho facultativo de natureza complementar (art. 50, cdc), e a legal, de cunho obrigatório (art. 24, cdc).
A garantia legal, por ser inderrogável, não pode ser excluída; a garantia contratual, por ser complementar à primeira, tem sido, em razão da sua natureza, considerada como mera liberalidade, ou seja, apenas um plus em favor do consumidor, ao contrário da garantia legal, que é sempre obrigatória, imposta pela filosofia protetiva do direito consumerista.
Advém, a partir daí, uma primeira indagação: os prazos das garantias - legal e contratual - correm simultaneamente?
No exame da matéria, uma vez que o art. 50 do cdc estipula que a garantia contratual é complementar à legal, é evidente que o propósito do legislador foi destacar que a concessão da garantia contratual não possa, em nenhuma hipótese, afetar os direitos do consumidor decorrentes diretamente do cdc, cujas disposições são de ordem pública e interesse social (art. 1º).
Por conseguinte, para garantir a efetiva prevenção e reparação de danos patrimoniais e morais do consumidor (art. 6º, vi, do cdc), não se faz necessário recorrer à soma dos prazos de garantia contratual e legal, basta considerar que se o vício oculto tenha sido no período de vida útil do produto, é possível, no prazo de 90 dias (produtos duráveis) após a manifestação do defeito, o exercício das alternativas indicadas nos incisos do art. 18 do cdc, condutor da dinâmica de responsabilização nestes casos.
Por outro lado, apesar de prever o código apenas os requisitos mínimos para a garantia contratual, outros podem, de acordo com a vontade das partes, vir a ser estabelecidos.
Já em relação à garantia legal, veda a lei do consumidor a possibilidade de exonerar-se o fornecedor do dever de prestá-la (art.
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24), da mesma forma que é vedada a estipulação contratual de cláusula que impossibilite, exonere ou atenue a obrigação de se indenizar o consumidor pelo fato ou pelo vício do produto ou do serviço (arts. 25 e 51, i, cdc).
A garantia, como prevê o art. 24 do código, é de adequação do produto ou serviço, o que significa dizer qualidade para o atingimento do fim a que se destina o produto ou o serviço, segurança, para não causar danos ao consumidor, durabilidade e desempenho.
Enquanto a garantia legal independe de termo expresso (art. 24, cdc), a garantia contratual exige, ao revés, termo escrito (art. 50), que deve ser padronizado, visando esclarecer, de maneira uniforme, em que consistem a garantia, a forma, o prazo e o lugar em que pode ser exercitada além dos ônus a cargo do consumidor (parágrafo único do art. 50, cdc).
O termo da garantia contratual com todos os esclarecimentos que se fizerem necessários para a efetiva informação do consumidor sobre o produto ou serviço deverá ser preenchido pelo fornecedor na ocasião da conclusão do contrato de consumo. Não se admite mais a entrega pura e simples do termo de garantia, sem que esteja devidamente...
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