A Garantia da Duração Razoável sob a Perspectiva da Efetividade do Processo Civil. O Contexto da Itália em Face da Corte Europeia de Direitos Humanos

AutorPaulo Issamu Nagao
CargoJuiz de Direito em São Paulo (SP)
Páginas169-204
A Garantia da Duração Razoável sob a
Perspectiva da Efetividade do Processo Civil.
O Contexto da Itália em Face da Corte Europeia
de Direitos Humanos
Paulo Issamu Nagao
Juiz de Direito em São Paulo (SP)
Mestre e Doutor em Direito Processual pela Universidade de São Paulo
Curso complementar na
Università degli Studi di Roma – Tor Vergata
Sumário: Introdução; 1. O conteúdo da efetividade do processo; 1.1. O prin-
cípio da celeridade; 1.2. O correlato princípio da segurança jurídica; 1.3. A
justiça das decisões; 2. As construções jurisprudenciais no âmbito do Estado
italiano e da Corte Europeia de Direitos Humanos; 3. As principais causas da
demora da prestação jurisdicional; 4. Proposições para a lentidão da ativida-
de judicial; 5. Considerações nais; 6. Referências bibliográcas.
Resumo: O artigo tenciona, a partir do panorama italiano e da jurisprudência
no âmbito da Corte Europeia de Direitos Humanos, na aplicação e interpretação
da garantia da duração razoável prevista na Convenção Europeia de Direitos
Humanos e nos diplomas constitucionais, a fornecer subsídios para reexões
em torno do tema mundialmente conhecido, a demora do trâmite do processo.
Para tanto, apontou-se a essencialidade dos demais elementos integrantes do
amplo conceito de justo e équo processo, que, na atuação concomitante, re-
percutem no grau de efetividade da prestação jurisdicional. E, por m, foram
mencionados eventuais fatores que acarretam a lentidão do processo judicial,
bem como apresentadas algumas propostas para o tratamento do fenômeno.
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Palavras-Chaves: Direitos fundamentais. Corte Europeia de Direitos Huma-
nos. Efetividade. Duração razoável do processo. Demora da prestação juris-
dicional. Causas e soluções.
Introdução
A preocupação com a razoável duração do processo, fundada
na máxima “justice delayed is justice denied1, embora esteja atual-
mente no foco da comunidade jurídica mundial, acentuada pelo
debate suscitado diante das recentes decisões proferidas pelo Tri-
bunal de Strasbourg (Corte Europeia de Direitos Humanos)2, com
base na garantia em epígrafe inserida na Carta Política de 1950
(Convenção Europeia sobre direitos humanos)para a proteção dos
direitos e liberdades fundamentais3, é tema recorrente, atingindo
1 Frédéric Edel, The length of civil and criminal proceedings in the case-law of the Euro-
pean Court of Human Rights, p. 6.
2 Não se confunde com o Tribunal de Justiça da União Europeia, com sede em
Luxemburgo, denominação conferida pelo Tratado de Lisboa assinado em 2007,
que, como uma das instituições que integram à U.E., tem a competência, em espe-
cial, sobre matéria de interpretação da legislação europeia.
Os casos submetidos à Corte Europeia de Direitos Humanos relacionados à dura-
ção do processo alcançaram o patamar de quase metade do universo de feitos por
volta do ano 2003, tendo se estabilizado, em seguida, na ordem de um terço do
total de julgamentos. Cf. European Court of Human Rights, 2003 Annual Report,
Strasbourg: Council of Europe Publishing, 2004, p. 71.
Em dezembro de 2012 o número de casos referentes à violação ao disposto no
art. 6º da Convenção representava 31,17% do total. De 1959 a 2012 foram pro-
feridos 2.229 julgamentos em face do Estado italiano, sendo que desse conjunto
1.171 aludiam à problemática da duração do processo. Cf. European Court of Hu-
man Rights, 2012 Annual Report, Strasbourg: Council of Europe Publishing, 2013,
p. 153 e 158.
3 Mencionem-se outros documentos em que foi enfatizada a preocupação com a
proteção jurídica dos direitos inalienáveis da pessoa humana: a Declaração Uni-
versal dos Direitos do Homem proclamada pela Organização das Nações Unidas
em 1948 (art. 10), a Convenção Americana de Direitos de San José de Costa Rica
de 1969 (art. 8º, § 1º, primeira parte – refere-se à expressão “prazo razoável”) e o
Pacto Internacional sobre direitos civis e políticos aprovado pela ONU em 1966
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todos os quadrantes da era moderna4, e já se evidenciava igual-
mente no direito romano.5
É certo, todavia, que o desenvolvimento da atividade voltada à
prestação jurisdicional, através do iter procedimental, perante órgão
competente, em função da natureza e siologia do discurso jurídico,
(art. 14, § 4.c – consta o direito do acusado no âmbito penal de ser julgado “sem
demora excessiva”).
Não mais se questiona a superação da tese de mera norma programática, de for-
ma a impor aos seus destinatários a justa expectativa de concretização através
de remédios disponibilizados pelo sistema. Conforme assinala Canotilho, “rigo-
rosamente, as clássicas garantias são também direitos, embora muitas vezes se
salientasse nelas o carácterinstrumental de protecção dos direitos. As garantias
traduziam-se quer no direito dos cidadãos a exigir dos poderes públicos a protec-
ção dos seus direitos, quer no reconhecimento de meios processuais adequados a
essa nalidade”. Direito constitucional e teoria da constituição, p. 396. (destaques no
original)
No mesmo sentido de que haveria uma íntima ligação entre direitos e garantias,
anotou Ruy Barbosa que “as disposições meramente declaratórias, que são as que
imprimem existência legal aos direitos reconhecidos, e as disposições assecurató-
rias, que são as que, em defesa dos direitos, limitam o poder. Aquellas instituem
os direitos; estas, as garantias; ocorrendo não raro junta-se, na mesma disposição
constitucional, ou legal, a xação da garantia, com a declaração do direito”. Com-
mentarios à Constituição Federal Brasileira, v. 5, p. 181. (destaques no original)
Diante da interface necessária entre direito e processo, tendo a maior parte das
constituições modernas incorporado os direitos invioláveis do homem e das li-
berdades individuais, é imperativo o brocardo ubi remedium ibi jus. Com efeito,
se ‘garanzia’ implica sempre ‘protezione’ (o comunque predisposizione di mezzi idonei
ad assicurarla in concreto), e se non sempre l’’attribuzione’ solenne di un ‘diritto’ si tra-
duce, a livello costituzionale, in un riconoscimento ‘garantito’, a fortiori la presenza di
unefcacesistema di‘garanzie’(non soltantoformali,ma anchegiurisdizionali)appare
ormai irrinunziabile – a qualsiasi livello di tutela, nazionale o soprannaturale – per la
‘protezione’ dei diritti individuali, inclusi nel patrimonio fondamentale ed inalienabile
della persona umana”. Luigi Paolo Comoglio, I modelli di garanzia costituzionale del
processo, p. 301/302.
4 Fritz Bauer, em conferência realizada no Brasil em 1982, já demonstrava preo-
cupação com a aceleração do processo e que as queixas sobre a morosidade da
justiça sempre existiram também na Alemanha, apontando várias causas para o
fenômeno. O papel ativo do juiz, passim.
5 Cf. Luigi Paolo Comoglio, Durata ragionevole del giudizio e forme alternative di tutela,
p. 73, nota de rodapé n. 2.
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