Gabriela Leite, prostituta que viveu e promoveu a liberdade.

AutorLenz, Flavio
CargoHOMENAGEM DE VIDA - Biografia

Enfrentar o estigma e combater a discriminacao e a violacao de direitos foram as principais questoes que impulsionaram Gabriela Leite para o ativismo durante a vida inteira pelos direitos das prostitutas. A principal estrategia de luta ja se resumia no slogan do I Encontro Nacional de Prostitutas, em 1987: "Fala, mulher da vida".

Neste artigo, relatos meus sobre a trajetoria de Gabriela, falecida em outubro de 2013, sao acompanhados por palavras ditas ou escritas por ela, como uma homenagem a sua forma de viver e atuar politicamente, ao seu protagonismo em assumir e incentivar as colegas a tomarem posicoes e apropriarem-se de seu lugar como sujeitos. Os trechos sao reproduzidos a partir da autobiografia publicada em 2009 pelo jornal que ela fundou, Beijo da rua, de um diario comercial e do documentario Um beijo para Gabriela, de 2013.

Nascida em 1951, em Sao Paulo, numa familia de classe media, Gabriela tornou-se a principal ativista dos direitos das prostitutas no Brasil. Filha da contracultura dos anos 1970, trocou a faculdade de sociologia e os "empregos bobos" pela prostituicao, quando de sua "revolucao pessoal" (UM BEIJO, 2013), e foi batalhar na historica Boca do Lixo, no comeco dessa mesma decada. La mesmo liderou a primeira manifestacao da categoria, em 1979, contra a repressao policial ao comercio do sexo.

Eram tempos de ditadura [...] a policia instituiu um toque de recolher na Boca do Lixo [...] os policiais entravam nos predios, exigiam documentos dos clientes [...] Tiravam o dinheiro das mulheres e das travestis e depois batiam na gente [...]. Numa dessas, sumiram duas meninas [...]. Decidimos fazer uma manifestacao [...]. Donos de bares, garcons, cafetinas, malandros, travestis [...] se juntaram em nome das prostitutas. (LEITE, 2009, p. 74-75).

Tres anos depois, quando se mudou para o Rio apos trabalhar por um ano em Belo Horizonte, Gabriela e algumas colegas foram convidadas para o encontro de Mulheres de Favela e Periferia.

Passei um dia inteiro ouvindo mulheres de diversas origens falando sobre suas condicoes de vida [...] num impeto, sem saber que aquela era so a primeira vez das minhas centenas de plenarias, levantei e fui la para a frente, morrendo de medo, claro. 'Meu nome e Gabriela, eu sou prostituta da Vila Mimosa'. (LEITE, 2009, p. 134).

O "impeto" causou "um rebu"--ja que "o tabu perdurava mesmo ali, entre mulheres conscientes: prostituta nao fala" (LEITE, 2009, p. 134)--e resultou em seguidos convites para entrevistas. "Foi so comecar a falar para descobrir que tinha muita gente querendo ouvir." (LEITE, 2009, p. 134).

As entrevistas tornaram "realidade um sonho que era meu e virou coletivo: comecar a construir um novo discurso sobre a prostituta e o mundo da noite, nao mais calcado no mal ou na vitimizacao, mas o discurso do inicio, do inicio, do inicio da construcao da cidadania." (LEITE, 1990, p. 2).

Em 1985, Gabriela foi convidada a prosseguir com sua militancia no Instituto de Estudos da Religiao. Dois anos mais tarde, conseguiu organizar aquele I Encontro Nacional.

Com 70 prostitutas de quatro das cinco regioes do pais, tres temas se destacaram: discriminacao, violencia policial e associacao de prostituicao com doenca. "As prostitutas sempre foram responsabilizadas pelo surgimento de doencas [...], foi assim com a sifilis, e esta sendo agora com a aids." (LEITE, 1987, s/p).

Mais importante, porem, foi que: "A sociedade nos viu organizadas em nome da nossa profissao. Nos nos...

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