Estará o futuro da social democracia nas mãos das mulheres?

AutorCelia Lessa Kerstenetzky
Páginas102-124
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ESTARÁ O FUTURO DA SOCIAL DEMOCRACIA NAS MÃOS DAS MULHERES?
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WOULD THE FUTURE OF SOCIAL DEMOCRACY BE IN THE HANDS OF WOMEN?
Celia Lessa Kerstenetzky
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RESUMO: Contra o pano de fundo das transformações na base política dos estados de bem-estar
contemporâneos, o artigo examina a hipótese de que as mulheres estariam se movendo para o centro
de uma nova coalizão redistributiva, fornecendo suporte para o novo estado do bem-estar de
“investimento social”. Esse processo seria o prolongamento de um anterior, o da penetração das
mulheres na esfera pública (mercado de trabalho e política), cujo avanço esperado requer políticas
típicas de investimento social. Estas políticas, por sua vez, são consideradas elementos críticos para
a sustentabilidade do estado do bem-estar. O artigo revisa extensivamente os argumentos e a
literatura empírica sobre os passos que levam à formulação completa da hipótese. Aparentemente,
o conjunto de argumentos e evidências produzido parece corroborá-la; não obstante, o artigo
também indica desafios e dificuldades que se podem antecipar com relação a um estado do bem-
estar de investimento social de tipo social democrata.
PALAVRAS-CHAVE: Estado de Bem-Estar Social. Social Democracia. Mulheres. Política.
Artigo recebido em 09 de maio de 2017
1
Uma versão anterior deste ensaio foi apr esentada no painel fechado: Comparing Redesign of Welfare Regimes to
Understand Adaptation to Social Investment Perspective: Regional Trends and Domestic Stories of the International
Political Economy Research Committee, 2014 International Political Science Association Congress, 18-25 July,
Montreal.
2
Professora titular do Instituto de Economia da UFRJ, pesquisadora 1 do CNPq, diretora do CEDE (Centro de Estudos
sobre Desigualdade e Desenvolvimento), pós-doutora com louvor em Ciências Políticas e Sociais pelo European
University Institute (1998), doutora em Ciência Política pelo Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro -
IUPERJ (1997), mestre em Economia pela UFRJ (1989), graduad a em Economia pela Universidade Fed eral
Fluminense (1980), pesquisadora visitante na Columbia University, no MIT, na Universidade de Illinois e na
Universidade Pompeu Fabra em Barcelona e professora visitante na Universidade de Siena na Itália e no INAG em
Cabo Verde.
RDRST, Brasília, Volume 3, n. 1, 2017, p 102-124, jan-jun/2017
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ABSTRACT: Having in the background the transformations in the political base of contemporary
welfare states, this article aims to study the hypothesis that women are moving into the center of a
new redistributive coalition and giving support to the new welfare state of “social investment”.
This process could be the development of a previous one, i.e., the women’s penetration in the public
sphere (labour market and politics), which expected advance requires typical policies of social
investment. These policies, in turn, are considered as critical elements to welfare state’s
sustainability. This article reviews extensively the arguments and empirical literature about the
steps that lead to the complete formulation of the hypothesis. Apparently the produced set of
arguments and evidences might confirm it; nevertheless this article also shows challenges and
difficulties that may be foreseen and are related to a social democratic welfare state of social
investment.
KEYWORDS: Welfare State. Social democracy. Women. Politics.
INTRODUÇÃO
Uma nova constelação de necessidades sociais tem forçado a questão dos cuidados em
direção ao centro da agenda do estado do bem-estar. As mulheres, as tradicionais provedoras de
cuidados nas famílias, maciçamente entrando na força de trabalho, valores e normas de gênero em
contestação senão em franca transformação, arranjos familiares mono-parentais proliferando e
populações envelhecendo rapidamente com aumento expressivo do número de idosos dependentes
-- todos esses fenômenos se associam ao que alguns observadores têm chamado de “crise dos
cuidados”. E apesar de o velho estado do bem-estar ter sido, muito provavelmente, o principal
disparador de muitas dessas mudanças, ele não parece adequado para respondê-las. De fato, reações
de proteção social tradicionais parecem relativamente inócuas frente aos novos desafios colocados
pela crise dos cuidados.
Em muitos casos, a adaptação tem sido lenta e ainda tentativa, e, em qualquer caso,
mediada pelos culpados usuais da variação entre países, vale dizer: o desenho do estado de bem-
estar, fatores culturais e socioeconômicos e, genericamente, instituições econômicas, sociais e
políticas. Contudo, nas últimas duas décadas, uma nova maneira de pensar o estado de bem-estar

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