Furto qualificado (§§ 4o e 5o)

AutorOctahydes Ballan Junior
Ocupação do AutorPromotor de Justiça no Estado do Tocantins. Coordenador do Centro de Apoio Operacional Criminal (2012/2014). Bacharel em Direito pela Faculdade de Direito de Franca
Páginas59-100

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Os §§ 4º e 5º do art. 155, CP, tratam das formas qualificadas do furto. As penas aqui são sensivelmente aumentadas em relação ao tipo básico, afinal as condutas previstas são de maior reprovabilidade ou o seu resultado é mais desfavorável à vítima, tornando razoável o aumento da sanção.

2.12. 1 Destruição ou rompimento de obstáculo à subtração da coisa (§ 4º, I)

Como primeira qualificadora, o legislador previu a hipótese de a subtração ser praticada com destruição ou rompimento de obstáculo à subtração da coisa.

Destruir significa desfazer, extinguir, demolir, estragar.

Romper consiste em arrombar, criar abertura, rasgar, estragar, cortar, arrebentar etc.

Obstáculo é toda espécie de proteção existente que dificulte a prática do furto.

Costuma-se sustentar que a violência deve ser empregada contra o obstáculo e não contra a res furtiva propriamente.

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Dessa maneira, haveria furto qualificado no rompimento do vidro do veículo para a subtração da bolsa deixada sobre o banco. Mas existiria apenas furto simples se esse mesmo rompimento se desse com o objetivo de se furtar o próprio veículo.

Entendemos que a situação é demasiadamente injusta e não alcança o objetivo legal. Tanto em um quanto em outro caso o agente praticou conduta mais gravosa.

Ora, é evidente que a vítima, ao fechar os vidros e travar as portas de seu automóvel buscou, sem sombra de dúvidas, proteger o seu patrimônio, porque esses atos logicamente dificultam o delito, protegem o bem, impõem resistência, é dizer, obstáculo à subtração da coisa visada, qual seja, o veículo. Não fosse assim e, despreocupadamente, o proprietário deixaria o vidros abaixados e a portas destravadas. É de óbvia constatação que esses mecanismos servem como obstáculos, tanto assim que as próprias seguradoras cobram valores menores quando o veículo está equipado com travas elétricas, alarmes, rastreadores etc., porque isso diminui o risco de subtração.

Ao romper os vidros do automóvel o agente retira o obstáculo que o protege, fazendo incidir a qualificadora.

Merecem conhecimento decisões tratando do tema, inclusive algumas contraditórias, gerando certa perplexidade:

FURTO QUALIFICADO - ROMPIMENTO DE OBSTÁCULO. Configura o furto qualificado a violência contra coisa, considerado veículo, visando adentrar no recinto para retirada de bens que nele se encontravam. (STF - HC 98.606/RS - Rel. Min. Marco Aurélio - 1ª. Turma - julgamento 04/05/2010)

HABEAS CORPUS. PENAL. ART. 155, § 4.º, INCISOS I, DO CÓDIGO PENAL. NEGATIVA AO CONDENADO DE AGUARDAR EM LIBERDADE O JULGAMENTO DA APELAÇÃO. SUPERVENIÊNCIA DO ACÓRDÃO CONFIRMANDO A CONDENAÇÃO. SUBTRAÇÃO

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DE OBJETO NO INTERIOR DE VEÍCULO AUTOMOTOR. CONFIGURAÇÃO DA QUALIFICADORA DO ROMPIMENTO DE OBSTÁCULO. PRECEDENTES DESTA CORTE E DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. RÉU REINCIDENTE. PENA-BASE. MÍNIMO LEGAL. CIRCUNSTÂNCIAS JUDICIAIS FAVORÁVEIS. POSSIBILIDADE DE FIXAÇÃO DO REGIME PRISIONAL SEMIABERTO. SÚMULA N.º 269 DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. ORDEM PARCIALMENTE CONCEDIDA. 1. Com a superveniência do julgamento do recurso de apelação interposto pela Defesa, e a consequente manutenção da condenação do Paciente, resta prejudicado o pedido para assegurar ao Paciente o direito de apelar em liberdade. 2. Conforme a orientação da Quinta Turma deste Superior Tribunal de Justiça, no crime de furto cometido mediante o rompimento dos vidros e das portas de veículo para a subtração de objetos que se encontram em seu interior, resta configurada a circunstância qualificadora do rompimento de obstáculo, prevista no art. 155, § 4.º, inciso I, do Código Penal. Precedentes desta Corte e do Supremo Tribunal Federal. 3. Ao condenado reincidente que teve consideradas favoráveis as circunstâncias judiciais previstas no artigo 59 do Código Penal, e cuja pena imposta foi inferior a quatro anos de reclusão, aplica-se o regime prisional semiaberto. Incidência da Súmula n.º 269 desta Corte. 4. Ordem parcialmente concedida, tão somente, para fixar o regime semiaberto para o inicial cumprimento da pena aplicada ao Paciente. (STJ - HC 199.386/SP - Rel. Min. Laurita Vaz - 5ª Turma - data do julgamento 13/09/2011 - data da publicação/fonte DJe 28/09/2011)

HABEAS CORPUS. FURTO DE VEÍCULO. ROMPIMENTO DE OBSTÁCULO (QUEBRA DO VIDRO LATERAL DIREITO). INCIDÊNCIA DA FORMA QUALIFICADA DO DELITO. ORDEM DENEGADA. 1. O rompimento ou a destruição de obstáculo, independentemente da exterioridade ou não deste em relação à coisa objeto da subtração, implica, em princípio, no reconhecimento do furto em sua forma qualificada. 2. Sob qualquer ângulo que se aprecie o art. 155, § 4º, I, do CPB, não se constata referência sobre o obstáculo ser exterior ou próprio à coisa subtraída, bastando que seja necessário à subtração que se destrua ou se vença algo que atrapalhe a consecução do objetivo delituoso. 3. Parecer do MPF pela denegação da ordem. 4. Ordem denegada. (STJ - HC 90.371/MG - Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho - 5ª. Turma - data do julgamento 16/10/2008 - data da publicação/fonte DJe 19/12/2008)

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PENAL E PROCESSO PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO RECUR-SO ESPECIAL. DIVERGÊNCIA JURISPRUDENCIAL. ROMPIMENTO DE OBSTÁCULO INERENTE AO VEÍCULO PARA SUBTRAÇÃO DO SOM AUTOMOTOR. FURTO SIMPLES. DISSÍDIO NÃO CARACTERIZADO. AGRAVO REGIMENTAL A QUE SE NEGA PROVIMENTO. 1. Não se mostra razoável considerar o furto qualificado quando há rompimento do vidro do veículo para subtração do som automotor, e considerá-lo simples quando o rompimento se dá para subtração do próprio veículo, razão pela qual deve se dar igual tratamento a ambos, considerando-se-os, portanto, como furtos simples. 2. Agravo regimental a que se nega provimento. (STJ - AgRg no REsp 922.395/SP - Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura - 6ª. Turma - data do julgamento 03/02/2011 - data da publicação/fonte DJe 21/02/1011)

Há, pois, nítida divergência entre a 5ª e a 6ª Turmas do STJ, valendo ressaltar que a decisão do Min. Napoleão Nunes Mais Filho, acima mencionada, não faz diferenciação nem mesmo entre o fato de o obstáculo ser ou não externo ao objeto, o que autorizaria a incidência da qualificadora no rompimento do vidro para a subtração do próprio veículo.

Aliás, a leitura do voto permite notar que o caso versava exatamente sobre o rompimento do quebra-vento e danificação da borracha de vedação para a subtração do automóvel, tendo o Min. Relator destacado que, conquanto a Corte entenda que "não incide a qualificadora relativa ao rompimento de obstáculo quando inerente ao próprio objeto furtado", "ouso divergir desse entendimento", citando, então, voto vencido em outra oportunidade, do Min. Félix Fischer, que abaixo se transcreve pela importância no enfrentamento da questão:

Trata-se, a hipótese, de aplicação ou não da qualificadora prevista no art. 155, § 4º, I, CP, no caso de rompimento ou destruição de obstáculo inerente à res furtiva (in casu, destruição do vidro lateral da porta esquerda para o fim de subtrair o próprio veículo auto-motor). Em outras palavras, a qualificadora do art. 155, § 4º, I, CP

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somente se aplica aos casos em que a violência for praticada em detrimento de obstáculo exterior ao objeto do crime?

No punctum saliens, a questão enseja polêmica doutrinária e jurisprudencial por demais interessante.

(...)

O mestre Nelson Hungria, por sua vez, tinha entendimento diver-so. Eis o magistério do saudoso Ministro da Suprema Corte, verbis: "Não é obstáculo, no sentido legal, a resistência inerente à coisa em si mesma. Assim, não é furto qualificado a subtração da árvore serrada pelo próprio agente ou da porção de pano por ele cortada à respectiva peça, ou do pedaço de chumbo que violentamente destaca de um encanamento. É indeclinável que haja violência exercida contra um obstáculo exterior à coisa. No caso, por exemplo, de uma coisa anexa a outra (para o fim de sua própria utilização), mas de modo a permitir o desligamento sem emprego de violência, a sua subtração, mediante tal expediente, não é furto qualificado. Igualmente, o simples desparafusamento, por exemplo, do farolete do automóvel, para o fim da subtração, não realiza a qualificadora em questão" (in Comentários ao Código Penal, v. VII, 4. ed, Forense, Rio de Janeiro, 1980, 41/42).

Diversos autores simplesmente adotaram a posição de Nelson Hungria como um axioma, como um dogma penal. Vale dizer, sem maiores argumentações jurídicas sustentam que para a incidência da qualificadora (§ 4º, art. 155, CP), a violência deve se dirigir contra obstáculo exterior ao objeto do furto.

Não obstante a maior parte da doutrina se incline para o posicionamento de que o obstáculo, para fins de qualificar o fruto, deve ser exterior ao objeto do crime, firmo entendimento no sentido de que o rompimento ou a destruição de obstáculo - ainda que este seja inerente à própria coisa objeto da subtração - qualifica o delito de furto, nos termos do art. 155, § 4º, I, do CP. Vale dizer, pouco importa que o obstáculo não seja exterior à res subtrahenda. Enfim, o rompimento ou a destruição de obstáculo, independentemente da exterioridade ou não deste em relação à coisa objeto da subtração, implica, em princípio, no reconhecimento do furto em sua forma qualificada.

Em primeiro lugar, porque o legislador em momento algum restringiu o conceito de violência aos casos em que o rompimento ou destruição seja em relação a obstáculos exteriores à res furtiva. Nesse sentido(...)

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Em segundo lugar, se eventualmente aceitássemos a ideia de que a violência, para qualificar o furto, não pode ser exercida em detrimento do próprio objeto da subtração, mas sim em face de obstáculos exteriores à coisa...

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