Fundraising, mobilization and legality: the "strategic making" of third sector organizations in Belo Horizonte/Captacao de recurso, mobilizacao e legalidade: o "fazer estrategico" de organizacoes do terceiro setor em Belo Horizonte/Captacion de recurso, mobilizacion y legalidad: el "sentido estrategico" de organizaciones del tercer sector en la ciudad de Belo Horizonte.

AutorViegas, Glauce
CargoArtigo--Estrategia Empresarial
  1. INTRODUCAO

    As perspectivas utilizadas nos estudos sobre estrategia, em geral, apontam para trabalhos que atendem a um escopo operacional. Muito dessa percepcao se faz em face das cobrancas e expectativas das organizacoes em relacao a sua aplicacao ou atuacao. Essa visao e corroborada por Ansoff (1981), que destaca que a estrategia implica compreensao em acoes de politica, de programas e de procedimentos, aplicados a problemas administrativos, operacionais e estrategicos.

    Apesar de predominarem os estudos que privilegiam as abordagens funcionalistas e com visoes tradicionais da estrategia, tem-se observado um aumento de trabalhos com perspectivas epistemologicas diferentes da funcionalista. E e diante desta perspectiva, que privilegia o cotidiano do fazer estrategia--, a estrategia enquanto pratica--que a pesquisa encontrou o suporte teorico necessario para estudar o tema no terceiro setor.

    O objetivo deste trabalho foi investigar a construcao de estrategias de organizacoes do terceiro setor localizadas em Belo Horizonte. Sob uma perspectiva interpretativa, o artigo procura demonstrar os caminhos percorridos nessa construcao e busca descrever as principais praticas estrategicas existentes nas 22 organizacoes pesquisadas.

    Como essa abordagem busca compreender melhor o ato de fazer estrategia a partir das interacoes entre os diferentes atores sociais, da utilizacao de ferramentas estrategicas e dos efeitos das acoes dos estrategistas e de outros atores (JARZABKOWSKI, 2004, 2005; WHITTINGTON, 2004; WILSON; JARZABKOWSKI, 2004), a utilizacao dessa perspectiva foi considerada adequada para se trabalhar com o terceiro setor e no presente estudo e tema central de discussao. Assim, acredita-se que a principal importancia da utilizacao da perspectiva de analise adotada neste trabalho e a contribuicao para o entendimento das praticas estrategicas em um contexto de tipicidade e especificidade organizacional que abrange o setor citado.

    Tal tipicidade pode ser compreendida quando se entende que as organizacoes em foco nao visam o lucro e nao sao publicas. Ou seja, tem valores pautados pela solidariedade, ajuda ao proximo e desenvolvimento da sociedade em diversas dimensoes. E, alem disso, contam com o apoio direto de algo inexistente em empresas privadas ou governamentais: voluntarios, que realizam o trabalho sem qualquer tipo de ganho financeiro.

    Essas organizacoes ganharam mais relevancia a partir do contexto de crescente e consistente reorientacao do papel do Estado, que faz com que atores sociais preocupados em suprir e/ou minimizar carencias, servicos e produtos, ate entao sob responsabilidade publica ou compartilhadas com empresas privadas, passem a ocupar uma posicao de proa. No contexto hodierno, a atuacao de organizacoes do chamado terceiro setor e evidente, sobretudo, pela formacao de aliancas com os demais agentes sociais (FISCHER, 2005).

    Um marco significativo para situar o fortalecimento e/ou crescimento da importancia das organizacoes pode ser identificado de maneira clara a partir da reorientacao do papel do Estado ou a partir da crise do Welfare State, que induziu os estudiosos do tema a repensar o papel do Estado na gestao do desenvolvimento social, e a propor a realocacao e a transformacao das funcoes dos diferentes atores sociais. E neste momento que o terceiro setor ganha visibilidade, tendo se tornado uma possivel estrutura mediadora entre individuo e Estado (COELHO, 2000). Alem disso, com a percepcao empresarial da responsabilidade social, as organizacoes do terceiro setor passaram a ser vistas como parceiras na canalizacao de investimentos para as areas sociais, culturais e ambientais.

    De acordo com Armani (2008), a mobilizacao de recursos nas organizacoes sem fins lucrativos se refere a aspectos que podem ir alem de fatores monetarios ou tecnicos, incluindo desafios politicos, transformacao social, sustentabilidade e autonomia. Decerto, a tematica e apontada como o principal problema que impede o desenvolvimento das instituicoes de Belo Horizonte, conforme diagnostico apresentado pelo Centro de Apoio Operacional ao Terceiro Setor (CAOTS, 2006).

    Alem da dificuldade na captacao de recursos, a escassez deles, a falta de apoio governamental e a dificuldade de encontrar parcerias sao tambem obstaculos que se devem superar. Ckagnazaroff (2001) observa que a crescente presenca destas organizacoes no cenario nacional faz emergir tais desafios, agravados pela concorrencia na busca de recursos, devida ao crescimento do numero de entidades e a exigencia de qualidade do trabalho. Segundo Silva (2010), a influencia externa, caracterizada pela aplicacao de recursos dos demais setores, faz com que, em algumas situacoes, os gestores adotem processos que visam a eficiencia operacional, amplamente voltada para resultados. Esses desafios assinalados, mesmo que nao esgotem os exigidos das organizacoes do terceiro setor, reforcam a constatacao de que predicados ligados a esfera gerencial necessariamente devem estar presentes no seu ideario.

    Isso condiz com o que afirma Salamon (2005: 105): "quanto mais estas organizacoes se empenham na solucao de problemas sociais, mais crescem as pressoes para aperfeicoarem seus sistemas de administracao e seu desempenho". Nesse sentido, uma vez que as organizacoes do terceiro setor enfrentam em seu cotidiano a necessidade de promover acoes gerenciais compativeis com uma dada racionalidade, que nao e necessariamente a mesma das instituicoes publicas e privadas, uma gestao apropriada as suas especificidades substantivas e nao instrumentais tornou-se um grande desafio.

    E no bojo desse quadro, em que se reconhece a relevancia das organizacoes do terceiro setor e o papel fundamental da estrategia enquanto pratica, que se insere a proposta deste trabalho, o qual procurou descrever e analisar a construcao de estrategias em 22 organizacoes do setor, localizadas em Belo Horizonte, Minas Gerais. Foram utilizadas entrevistas semi-estruturadas com representantes das organizacoes pesquisadas, alem de documentos internos das organizacoes (relatorios, programas, folders, entre outros). Pela analise de conteudo, reconstruiu-se o processo investigado. Este artigo esta estruturado em cinco partes: a introducao, o referencial teorico, a descricao da metodologia adotada, os resultados da pesquisa e as conclusoes dos autores.

  2. REFERENCIAL TEORICO

    2.1. Desafios e possibilidades para a gestao de organizacoes do terceiro setor

    Sao varios os aspectos que orientam os estudos sobre a gestao do terceiro setor, e que, alias, servem de pano de fundo para quaisquer debates atrelados a essa esfera economica. Deve-se sublinhar, de fato, a dimensao economica do setor em questao, ja que as organizacoes pertencentes ao setor nao governamental, como explicou Fowler (2000), tem recebido destaque a partir do consideravel crescimento de investimentos destinados a acao social, os quais advem de empresas privadas ou agencias internacionais de financiamento, alem de recursos do proprio Estado. Destaca-se tambem esse setor pelo fato de se constituir de organizacoes de natureza especifica--privadas com fins publicos--, o que as coloca em situacao de contraposicao ou complementacao em face dos demais setores (FERNANDES, 1994; 2005) ou, ainda, numa situacao que se denomina "parceria intersetorial" (FISCHER; FALCONER, 1998; FISCHER, 2005).

    O crescimento e a gestao do setor nao governamental pode ser abordado a partir de duas vertentes. A primeira delas concerne a reorientacao do papel do Estado a partir de mudancas evidenciadas pela crise do Welfare State (Estado de Bem-Estar Social), a qual gerou consequente crescimento das acoes de carater associativo. O fracasso desse modelo, reconhecidamente incapaz de fazer face as demandas sociais, fez com que o proprio Estado iniciasse uma tendencia de parceria junto as organizacoes do terceiro setor, repassando-lhes os recursos necessarios para o provimento efetivo das necessidades das comunidades mais carentes.

    Entretanto, conforme aponta Fernandes (1994), tais organizacoes devem prestar servicos coletivos que nao passam pelo exercicio do poder de Estado. Fowler (2000) tambem discute o papel das organizacoes do terceiro setor na mudanca da relacao Estado-Sociedade, evidenciando a autenticidade das parcerias, os valores de gestao e configuracao organizacional e o impacto que exercem sobre os sistemas de concessao de financiamento internacional. De acordo com Caetano (2007, p. 107), a "postura mais liberal do Estado, somada ao aparecimento de entidades internacionais dispostas a fornecer recursos para serem utilizados socialmente, veio a favorecer o espetacular crescimento do Terceiro Setor nas ultimas decadas do seculo XX".

    Outra faceta de muitas pesquisas sobre a gestao desse tipo de organizacao diz respeito ao surgimento de uma nova compreensao de sociedade civil, a qual, de acordo com Correa e Pimenta (2006), se fundamenta em uma nova perspectiva de gestao social formada a partir do fracasso do Estado em seu papel referente a construcao de politicas publicas e, em certa medida, pela manifestacao de interesses privados. De acordo com as autoras, os fins da acao do Estado "derivam do processo de lutas, da confrontacao e do embate politico, os quais envolvem uma pluralidade de interesses" (CORREA; PIMENTA, 2006: 4).

    Essa concepcao multifacetada traz para a gestao do terceiro setor a nocao corporativista de responsabilidade social (ALVES, 2002), que vai alem de uma perspectiva de promocao social e politica, passando a modular uma organizacao global da sociedade com vistas a intervencao da esfera privada. Conforme esclarecem Correa e Pimenta (2006), a aproximacao das organizacoes empresariais influencia na gestao do terceiro setor, uma vez que elas se constituem, basicamente, da obtencao de lucros por meio de um discurso que, inicialmente, e carregado de filantropia e, posteriormente, incide sobre o desempenho das organizacoes do terceiro setor. Para Fischer (2010), a...

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