Fundamentos para uma partilha igualitária dos 'royalties' petrolíferos: petróleo com justiça social

AutorIaci Pelaes dos Reis
Páginas48-82
FUNDAMENTOS PARA UMA PARTILHA
IGUALITÁRIA DOS ROYALTIES PETROLÍFEROS
PETRÓLEO COM JUSTIÇA SOCIAL1
FUNDAMENTALS FOR AN EQUALITY SHARING OF
PETROLEUM ROYALTIES: OIL WITH SOCIAL JUSTICE
Iaci Pelaes dos Reis2
Resumo: O artigo tem por objetivo discutir a questão da partilha
dos royalties petrolíferos do pré-sal a partir de uma perspectiva teó-
rica distributivista igualitária que se mostre compatível com o pro-
jeto político-constitucional da sociedade brasileira, orientado a pro-
mover justiça social, conforme expresso na Constituição Federal de
1988. Nessa senda, sustenta-se que a concretização desse ideal políti-
co requer que se adote um arranjo distributivo que neutralize fatores
arbitrários e contingentes a m de proporcionar uma distribuição
equitativa dos recursos públicos. Em vista da abordagem teórica
assumida, propõe-se a demonstrar que a distribuição dos royalties
baseada na supervalorização do critério físico-geográco é incom-
patível com o ideal político de construção de uma sociedade livre,
justa e solidária, na medida em que induz à concentração de ren-
1
Este artigo decorre de pesquisa realizada durante estudos de doutoramen-
to, vinculado ao Programa de Pós-Graduação da Faculdade de Direito da
UFMG, em parceria com a Universidade Federal do Amapá e nanciamen-
to da CAPES. Referida pesquisa teve a orientação da Professora Doutora
Misabel Abreu Machado Derzi (UFMG) e contou com a colaboração do
Prof. Dr. Onofre Alves Batista Júnior e Prof. Dr. André Mendes Moreira,
ambos da UFMG.
2
Doutor em Direito pela Faculdade de Direito da UFMG. Pós-doutora-
mento em Direito e democracia pelo Ius Gentium Conimbrigae/Centro
de Direitos Humanos (Coimbra). Especialista em Direito Constitucional
Aplicado. Professor Associado da Universidade Federal do Amapá (curso
de Direito). Promotor de Justiça do MP-AP.
IACI PELAES DOS REIS• 49
da e ao agravamento das disparidades sociais no Brasil. Em termos
metodológicos, a pesquisa deve ser classicada como qualitativa e
interpretativa.
Palavras-chave: Justiça distributiva. Royalties petrolíferos. Princí-
pio de diferença. Redução de disparidades sociais.
Abstract: e article aims to discuss the issue of the distribution of
oil royalties from the pre-salt from an egalitarian distributed theo-
retical perspective that is compatible with the political-constitutio-
nal project of Brazilian society, aimed at promoting social justice,
as expressed in the Federal Constitution of 1988. In this way it is
maintained that the realization of this political ideal requires that a
distributive arrangement be adopted that neutralizes arbitrary and
contingent factors in order to provide an equitable distribution of
public resources. In view of the assumed theoretical approach, it is
proposed to demonstrate that the distribution of royalties based on
the overvaluation of the physical-geographical criterion is incom-
patible with the political ideal of building a free, fair and solidary
society, to the extent that it induces the concentration of income
and the worsening of social disparities in Brazil. In methodological
terms, research must be classied as qualitative and interpretative
Keywords: Distributive justice. Petroleum royalties. Principle of dif-
ference. Reduction of social inequalities.
Introdução
A descoberta das reservas petrolíferas na camada do pré-
-sal3, anunciada pela Agência Nacional do Petróleo (ANP) e pos-
teriormente conrmada pela Petrobras em ns de 2006, despertou
3
Em linhas gerais, no âmbito da geologia, a camada do pré-sal refere-se a
uma camada de rochas, a profundidade que variam de 1.000 a 2.000 metros
de lâmina d’agua e entre 4.000 a 6.000 metros de profundidade no subsolo
(região marítima), localizada abaixo de uma camada de sal, onde se situam
reservas petrolíferas. No Brasil, essas reservas estão localizadas entre as re-
giões nordeste e sul. Disponível em https://pt.m.wikipedia.org Acesso em
10.07.2018.
50 • PERSPECTIVAS PARA O DESENVOLVIMENT: CAPÍTULO 2
importantes debates no plano político, econômico e jurídico, susci-
tando diversos estudos sobre a matéria.
No âmbito jurídico, a discussão acirrou-se com o adven-
to da Lei 12.734/2012, que rearranjou a distribuição dos royalties
oriundos da exploração de petróleo, que, até então, tinha sua parti-
lha regida pela Lei 9.478/1977 (Lei do Petróleo).
Nas palavras de Misabel Derzi e omas Bustamante, a
nova lei “apenas recongura os montantes dessa participação para
remediar um desequilíbrio gerado pelo favorecimento excessivo dos
Estados confrontantes na distribuição anterior.” (DERZI; BUSTA-
MANTE, 2016, p. 71).
Essa alteração trazida pelo novo marco legal da partilha
acabou por gerar descontentamento, nomeadamente por parte dos
chamados estados “produtores” ou confrontantes, que se posicio-
naram no sentido de atacar o sistema distributivo estabelecido na
mencionada lei, pois teria causado prejuízo a esses entes federados.
Essa disputa chegou ao Supremo Tribunal Federal (STF),
por via, inicialmente, de uma Ação Direta de Inconstitucionalidade
(ADI 4.917), deduzida pelo Governo do Estado do Rio de Janeiro,
seguida pelo Espírito Santo e São Paulo, os quais argumentam, em
linhas gerais, que os dispositivos que tratam da partilha dos royalties
são inconstitucionais, porque incompatíveis com os parâmetros da
Constituição Federal de 1988, o princípio federativo e o critério ado-
tado pela Lei 9.478/1977.
Antes de avançar no ponto fundamental do debate, opor-
tuno destacar que a atividade petrolífera, por si só, independente
dos royalties, tem o condão de propiciar vantagens econômicas e -
nanceiras à região onde se explora essa riqueza, na medida em que
possibilita movimentar a cadeia econômica em diversos setores, pois
atrai investimentos para atividade industrial e impulsiona múltiplas
atividades comerciais e de serviços, gerando um cenário econômico
positivo ao governo local e à população (SERRA; GOBETTI, 2012,
p. 171-176).
O modo como os recursos são distribuídos em uma so-
ciedade afeta diretamente as condições existenciais das pessoas e
inuencia o bem-estar coletivo, podendo ou não promover justiça
social. Um sistema distributivo justo proporciona desenvolvimento
humano, igualdade equitativa de oportunidades, expansão das po-
tencialidades dos cidadãos e redução de assimetrias sociais. (NU-

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