Fundamentos fenomenológicos da crítica social

AutorLuiz Fernando Coelho
Páginas97-114
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– VI –
FUNDAMENTOS FENOMENOLÓGICOS
DA CRÍTICA SOCIAL*
Sumário: 1. Introdução. 2. Fenomenologia do ser social. 3.
Fenomenologia do trabalho. 4. Práxis e transformação social.
1. Introdução
A fenomenologia identifica uma das mais fecundas correntes da
filosofia contemporânea, constituindo ponto de referência indispensável
para a elaboração de algumas das categorias fundamentais do pensamento
crítico. A própria noção de categoria como instrumento de um saber
prospectivo e construtivo, bem como o caráter de imanência atribuído à
dialética como princípio inerente ao ser social, noções que vieram
enriquecer o conceito de sociedade como estrutura total e dinâmica, são
elaborações que receberam seus contornos mais nítidos através da
fenomenologia.
Neste estudo, em homenagem a Luis Alberto Warat, pretende-se
articular algumas noções deduzidas da fenomenologia, com essas
categorias, particularmente os conceitos de ser social, trabalho e práxis,
que constituem o núcleo da crítica social contemporânea.
* Estudo em homenagem a Luis Alberto Warat, in: OLIVEIRA Jr., José Alcebíades de (Org.). O poder das
metáforas - Homenagem aos 35 anos de docência de Luis Alberto Warat. Porto Alegre: Livraria do Advogado,
1998. p. 246-55.
Luiz Fernando Coelho
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2. Fenomenologia do ser social
Edmundo Husserl trata de superar a aporia kantiana da incognos-
cibilidade do noumenon, introduzindo a noção de a priori material,
essência a ser descoberta pela consciência para além de sua originalidade
e contingência. Essa estrutura objetiva e material, contanto apriorística,
é que forma o conceito, pois trata-se da própria experiência que preenche
de significado o conceito.
A fenomenologia husserliana propõe uma reconstrução do objeto,
mas através de uma intuição eidética derivada do encontro entre o a
priori material, que fornece o sentido da objetividade, com o a priori
formal, denominado por Husserl de intencionalidade, que igualmente
fornece o sentido da subjetividade. A mútua dependência entre a
objetividade e a subjetividade só pode, portanto, ser explicada pela
constituição da objetividade na subjetividade1.
A partir daí a fenomenologia abre o caminho para uma
aproximação ao conceito de estrutura social como objeto que envolve o
próprio sujeito que a conhece, aproximação completada por outra
distinção, a que ela mesma estabelece entre essência e fenômeno, a
qual fundamenta a basilar separação no universo do social entre
aparência e realidade. A primeira constitui o mundo imaginário, que
os fenomenólogos denominam real imaginário, o qual substitui os fatos
sociais na mente dos indivíduos que compõem determinada sociedade,
e a segunda se identifica com esses mesmos fatos, não mais como o
imaginário os absorve, mas encarados em si mesmos, pelo que a
fenomenologia os designa como “real concreto”.
Por que “real” imaginário? Ocorre que, nas representações
individuais, ele é parte integrante do mesmo fato, na medida em que
constitui o núcleo da comunicação intersubjetiva dos atores sociais, que
não podem furtar-se às influências de suas representações em seu próprio
comportamento em função do grupo; esse real imaginário é a própria
1 HUSSERL, Edmund. Investigações lógicas. Sexta investigação. Elementos de uma elucidação
fenomenológica do conhecimento. Seleção e tradução de Zeyko Loparic e Andréa Maria A. C. Loparic.
Col. “Os pensadores”. 2. ed. São Paulo: Abril Cultural, 1980.

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