A fundamentalidade dos princípios do direito à segurança e saúde no trabalho

AutorCléber Nilson Amorim Junior
Ocupação do AutorAuditor Fiscal do Trabalho na Superintendência Regional do Trabalho e Emprego no Maranhão. Especialista em Segurança e Saúde no Trabalho pela Universidade Estácio de Sá
Páginas21-33

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"Todas as pessoas nascem livres e iguais em dignidade e direitos.

São dotadas de razão e consciência e devem agir em relação umas às outras com espírito de fraternidade." Declaração Universal dos Direitos Humanos.

A lavra do presente livro foi motivada pela perplexidade que sempre fez parte do exercício das funções institucionais do seu autor, como auditor fiscal do trabalho, ao perceber, por parte dos profissionais do Direito, uma espécie de menoscabo e desinteresse pelas normas de tutela de saúde e segurança dos trabalhadores, por entenderem estes se tratar de matéria afeta ao escopo profissional de médicos do trabalho e engenheiros de segurança.

Outro aspecto, que sempre chamou a atenção do autor, mencionado na introdução desse livro, é a abordagem dada às normas de segurança e saúde dos trabalhadores, como é o caso daquelas cujo núcleo normativo é centrado nas Normas Regulamentadoras (NRs) do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), entendidas, por vezes, como regras, que nascem e deságuam nelas mesmas. Essa visão atomizada não se coaduna com as exigências da ciência jurídica.

Assim sendo, faz-se necessário prospectar os princípios específicos do direito tutelar da saúde e segurança do trabalhador, considerando-os verdades fundantes admitidas como condição básica de validade das demais asserções que compõem esse campo do saber.

O princípio jurídico é o mandamento nuclear de um sistema, verdadeiro alicerce dele, disposição fundamental que se irradia sobre diferentes normas compondo-lhes o espírito e servindo de critério para sua exata compreensão e inteligência, exatamente por definir a lógica e a racionalidade do sistema normativo, no que lhe confere a tônica e lhe dá sentido harmônico. 1

O Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa define "princípio" como:

[...] o primeiro momento da existência (de algo), ou de uma ação ou processo; começo, início; o que serve de base a alguma coisa; causa primeira, raiz, razão; ditame moral; regra, lei, preceito (tb.us. no pl.);

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proposição elementar e fundamental que serve de base a uma ordem de conhecimentos [...] lei de caráter geral com papel fundamental no desenvolvimento de uma teoria e da qual outras leis podem ser derivadas; proposição lógica fundamental sobre a qual se apoia o raciocínio [...]; fonte ou causa de uma ação; [...] proposição filosófica que serve de fundamento a uma dedução. 2

Para Alonso Olea,3 o princípio geral de direito é um critério de ordenação que inspira todo o sistema jurídico. Explica que, na verdade, os princípios de direito se dirigem não só ao juiz, mas também aos intérpretes, aos legisladores, aos demais operadores do direito, como também aos agentes sociais a que se destinam.

Tais princípios servem de parâmetro para a formação de novas regras jurídicas, e, ainda, de orientação para a interpretação e aplicação das normas já existentes. Designam a estruturação de um sistema jurídico através de uma ideia mestra que ilumina e irradia as demais normas e pensamentos acerca da matéria.

Segundo Sussekind:

[...] são enunciados genéricos, explicitados ou deduzidos, do ordenamento jurídico pertinente, destinados a iluminar tanto o legislador, ao elaborar as leis dos respectivos sistemas, como ao intérprete, ao aplicar as normas ou sanar as omissões. 4

Por este prisma, os princípios constitucionais são apenas fontes de inspiração, dedução, encaminhamento, integração e interpretação da lei ou do legislador.

Apesar de ser essa, ainda hoje, a posição majoritária de nossos tribunais trabalhistas e de boa parte da doutrina, a Constituição da República de 1988 elevou os princípios à categoria de norma, dando outra abordagem a partir de então.

A doutrina pós-positivista diferencia os princípios jurídicos dos princípios constitucionais, pois enquanto estes são espécies de norma jurídica, com força normativa, comando geral, abstrato, impessoal e imperativo, aqueles se destinam, quase sempre, a orientar o intérprete e inspirar o legislador.

No Brasil, o marco filosófico desse entendimento encontra guarita na lição de Paulo Bonavides, ao retratar com fidelidade todos os autores estrangeiros que defendiam a normatividade dos princípios.

A análise da matéria exige uma retrospectiva da evolução do direito constitucional, sintetizada a seguir em quatro fases pela doutora Vólia Bomfim Cassar.5

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A primeira fase foi marcada pela Revolução Francesa, cuja consequência foi a criação de um Estado Moderno, com poderes separados e independentes, a fim de conter o poder absoluto existente até então. A ideia de criação de direitos fundamentais aparece, nesse primeiro momento, como direitos de defesa do cidadão em face do Estado, o que significava que o Estado deveria se abster de praticar alguns atos que violassem a liberdade dos particulares, limitando a intervenção deste nas relações privadas.

Os valores fundamentais do liberalismo eram: liberdade de contratar e defesa da propriedade, o que acabou por influenciar o Código Civil da época. Prevalecia o princípio da igualdade das partes no ato de contratar, e o trabalho era tratado como mercadoria, o que demonstrava a coisificação do trabalhador. O Direito do Trabalho surge para compensar a inferioridade econômica do trabalhador. Lógico concluir que nesse período o Estado não se interessava em intervir nas relações entre particulares.

A segunda fase foi marcada pela publicização do direito, fruto da pressão exercida pela reação dos trabalhadores explorados, que exigiu a intervenção do Estado nas relações privadas.

A partir do momento que o povo começou a eleger seus representantes, o Estado passa a ser pluriclassista, transformando o panorama anterior, pois passa a transpor direitos sociais, especialmente direitos trabalhistas, para a Constituição. Os direitos sociais, então, foram incluídos no corpo da Carta, marcando a terceira fase. Apesar deste esforço, algumas normas, dentre elas os princípios sociais constitucionais, eram interpretadas como normas não autoaplicáveis, portanto, nas palavras de Bonavides, serviram apenas como válvulas de escape.

Alguns fatos abalaram profundamente a forma de pensar o direito constitucional até então existente, entre eles a Segunda Guerra Mundial, o holocausto, o nazismo, o fascismo e a banalização do mal. Como forma de combater tais práticas nefastas à sociedade, a mudança do direito era necessária, já que, por meio desses vazios legais, os infratores de direitos humanos se beneficiaram, pois permaneciam impunes, uma vez que a lei "posta" não previa o caso como ato antijurídico. Daí a necessidade de se buscar nos princípios constitucionais o comando imperativo.

A decisão que marcou a ascensão dos direitos fundamentais foi proferida em 1958, pelo Tribunal Constitucional Federal da Alemanha, o chamado "Caso Lutis".

Eric Lutis, presidente do Colégio de Cineastas, contrapôs-se publicamente ao filme Amantes Imortais, produzido por outro cineasta alemão, sob argumento de que o produtor participava ativamente do movimento nazista. Lutis enviou carta aberta aos jornais conclamando todos contra o cineasta nazista. O ofendido, através de sua produtora, reagiu e propôs ação com base no § 826 do Código Civil alemão, para impedir Lutis de continuar o "boicote". O parágrafo referido proibia a prática de atos contrários aos bons costumes. A produtora ganhou a causa nas

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duas primeiras instâncias. Lutis, então, ajuizou queixa no Tribunal Federal Alemão, alegando o seu direito fundamental de liberdade de expressão, previsto na Constituição. A decisão da mais alta Corte alemã foi histórica e marcou o início de uma nova era no direito, pois pela primeira vez apontava o equívoco de se interpretar a lei ignorando os direitos fundamentais previstos na Constituição, determinando que a interpretação deve se dar conforme a Constituição. Declarou, ainda, que o sistema de direitos fundamentais representa ordem objetiva de valores e como tal influencia o direito infraconstitucional e vincula todas as funções e órgãos estatais. A partir daí nasce a constitucionalização do direito. Esta é a última fase.

Os direitos sociais, portanto, inserem-se no conjunto dos direitos fundamentais e, estes, no tema global dos direitos humanos. A expressão direitos humanos é utilizada para designar a proteção jurídica outorgada a esses direitos no âmbito do Direito Internacional, sem limitações de tempo e espaço, mas presente uma pretensão de validade universal; de outro modo, a expressão direitos fundamentais designa a dimensão interna e nacional desses direitos, uma vez que tenham sido contemplados, material e formalmente, pelo direito constitucional positivo brasileiro vigente.6

Feitas essas considerações, deve-se passar à análise acerca da proteção inter-nacional dos direitos humanos, especialmente no que se refere aos atos normativos expedidos pela Organização das Nações Unidas (ONU) e, com arrimo neles, para a explicitação das consequências jurídicas advindas dos conceitos jurídicos daí depreendidos. Com efeito, a concepção do que sejam os direitos fundamentais, bem como o exame das condições e possibilidades que a eficiência desses direitos alcança, notadamente a dos direitos sociais, em muito está alicerçada nas noções construídas pela Declaração Universal de Direitos Humanos (DUDH) da ONU e ndos demais documentos que a esse se seguiram.

A DUDH de 1948 e, mais tarde, o Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos (PIDCP) e o Pacto Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (PIDESC), ambos de 1966, carregam em si os objetivos que levaram à própria criação da ONU, após a falência da Liga das Nações na política internacional e o desrespeito genocida cometido contra o ser humano durante a Segunda Guerra Mundial. Assim sendo, a criação da ONU procurou atender, entre outros, à construção de uma ordem mundial fundada em novos conceitos de Direito Internacional, que fizessem frente à doutrina da soberania nacional absoluta e à exacerbação do positivismo...

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