Direitos Fundamentais nas Relações de Trabalho: no Mundo Ocidental e no Japão

AutorArion Sayão Romita
Ocupação do AutorAcademia Nacional do Direito do Trabalho
Páginas275-304

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7.1. Generalidades

A regulação da relação de trabalho subordinado é filha de uma combinação de duas culturas jurídicas: a romana e a germânica, ou, para falar com mais simplicidade, de uma combinação de uma noção patrimonial com um vínculo de natureza pessoal. Embora a pessoa do trabalhador não seja o objeto do contrato (objeto do contrato é a energia laborativa, física e mental, posta pelo empregado à disposição do empregador), não se controverte que o envolvimento pessoal do trabalhador na execução das obrigações contratuais (por ser o contrato de trabalho um tipo contratual de execução continuada ou de trato sucessivo) produz consequências jurídicas relevantes. Não é possível devolver o trabalho prestado ao trabalhador que o executou.

A aplicação dos direitos fundamentais no âmbito da relação de trabalho subordinado volta-se primordialmente para o aspecto pessoal do contrato, sem todavia obscurecer certos aspectos de índole patrimonial, como sejam a justa remuneração ou, pelo menos, o salário mínimo, a indenização pela perda injustificada do emprego etc. Aqui, cabe estabelecer uma distinção entre o contrato de trabalho típico e o atípico. O direito do trabalho sofre uma fratura interna entre, de um lado, os trabalhadores que desfrutam plenamente os direitos garantidos pelo contrato típico e, de outro lado, os que o contrato atípico atira ao espaço do trabalho-mercadoria.

Esta dualidade no regime da subordinação revela, como observa com acuidade Alain Supiot, a deficiência do direito do trabalho, concebido como o instrumento de harmonização das duas faces do trabalho: o trabalho mercadoria (ou trabalho abstrato, fonte de riquezas exteriores e mensuráveis) e o trabalho como expressão da pessoa (ou trabalho concreto, fonte de riqueza interior não mensurável)1.

É para o contrato de trabalho típico e o trabalho como expressão da pessoa (trabalho concreto) que se volta a análise dos ordenamentos a seguir sinteticamente elaborada, levando em conta apenas alguns poucos países,

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além do Mercosul e da União Europeia. Note-se que entre eles - excetuado o Reino Unido - registra-se a consideração do elemento personalista e a correlativa existência de proteção da dignidade do trabalhador, como traços característicos do atual estágio de evolução do direito do trabalho, centrado na pessoa do trabalhador, como salientam Francesco Santoni2 e Raffaele de Luca Tamajo3.

7.2. Alemanha

O princípio do Estado Social, como princípio de determinação do objetivo do Estado, consagrado pela Lei Fundamental da República Federal da Alemanha, art. 20 (1), autoriza a aplicação dos direitos fundamentais no âmbito do Direito do Trabalho, já que se orienta para a meta da justiça e garantia sociais no Estado liberal democrático. A Grundgesetz, porém, não se limita a enunciar o princípio, mas garante expressamente a igualdade, especialmente entre homens e mulheres (art. 3º, 2) a liberdade de expressão do pensamento (art. 5º), a liberdade de coalizão (art. 9º, 3), a liberdade de circulação (art.11), a liberdade de escolha da profissão (art.12, 1), a proibição de trabalho forçado (art.12, 2 e 3)4.

De grande significado social é o preceito contido no art 6º (4), segundo o qual toda mãe tem direito à proteção e assistência da comunidade. Desse dispositivo decorre um mandato para o legislador, no sentido de editar normas de proteção para mulheres profissionais durante a gravidez, especial-mente proteção efetiva contra a despedida, regulamentação dos salários e licença para a criação dos filhos, cômputo do período de afastamento para fins de aposentadoria.

Mais explícitas, contudo, são as constituições estaduais, já que diversas delas incorporam catálogos mais ou menos extensos de direitos fundamentais econômicos e sociais. Entre outros direitos, são previstos os de proteção das mulheres e das mães, pagamento igual para trabalho igual de homens, mulheres e menores, direito a uma habitação adequada, direito a formação profissional e escolar, acesso à segurança social e garantia de um salário mínimo, fiscalização pelo Estado da economia quanto à distribuição de bens, além de direito ao trabalho e direito a auxílio por desemprego involuntário.

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A incorporação de direitos fundamentais sociais foi especialmente marcante nas constituições de novos estados-membros após a reunificação operada em 1990, como reflexo dos desejos e esperanças de bem-estar das pessoas, além do apoio dos programas de alguns partidos políticos. Receberam ênfase especial os direitos ao trabalho, à habitação, à educação e formação profissional, à proteção da vida e da saúde e bem assim à remuneração adequada e férias pagas.

A proteção social encontra, portanto, na legislação alemã, consagração compatível com o princípio do respeito à dignidade da pessoa humana, previsto no art. 1º da Constituição. Cabe acrescentar que a jurisprudência do Tribunal Constitucional torna efetiva a conexão entre dignidade do homem e direitos de liberdade e igualdade5.

7.3. Bélgica

Na revisão constitucional de 1994, o art. 23 dispõe que "cada um tem o direito de levar uma vida de acordo com a dignidade humana". A Constituição belga, portanto, ao contrário da Lei Fundamental da Alemanha, não consagra o direito ao respeito e à proteção da dignidade da pessoa humana como um direito intangível. Apenas estabelece que cada um tem o direito de levar a vida de acordo com as exigências da dignidade humana. Sem dignidade, o direito à vida perde o valor.

A alínea 2ª do art. 23 da Constituição determina que, para esta finalidade (isto é, para assegurar o desenvolvimento de uma vida segundo os ditames da dignidade humana), a lei garanta, levando em conta as obrigações correspondentes, os direitos econômicos, sociais e culturais e fixe as condições de seu exercício.

Em duas acepções distintas o respeito à dignidade humana é proclamado pela jurisprudência constitucional: de acordo com a primeira, o direito à dignidade representa manifestação do direito à vida e serve de base tanto para o direito ao respeito à vida privada como aos direitos econômicos e sociais; na segunda acepção, a dignidade constitui o objetivo que o legislador deve perseguir, quando levado a consagrar novos direitos.

Segundo o direito constitucional belga, a dignidade da pessoa humana representa, portanto, o valor supremo em função do qual o poder público mantém condutas de abstenção, mas também prestações positivas6.

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7.4. Espanha

O ordenamento jurídico espanhol consagra os direitos fundamentais do trabalhador no seio da relação de trabalho subordinado. E o faz mercê de preceitos constitucionais, de dispositivos da legislação infraconstitucional, notadamente a Lei do Estatuto dos Trabalhadores (Real Decreto Legislativo 1/1995, de 24 de março, que aprova o texto refundido da Lei do Estatuto dos Trabalhadores) e bem assim da jurisprudência do Tribunal Constitucional.

Para ordenação sistemática desses direitos, pode ser adotada a apresentada por Palomeque López e Álvares de la Rosa. Eles classificam os direitos em específicos e inespecíficos.

O primeiro grupo é constituído pelos direitos específicos, isto é, aqueles cuja origem ou razão de ser está na relação de trabalho, de sorte que não é possível tecnicamente seu exercício fora delas. A relação de trabalho representa o pressuposto de seu nascimento e exercício. Este grupo é integrado por direitos coletivos e individuais.

Os direitos coletivos (de natureza ou alcance coletivo) são: a) em relação às funções dos sujeitos sindicais, a liberdade sindical, em seus diferenciados aspectos (art. e 28.1 da Constituição); b) em relação aos direitos de conflito, o direito à greve (art. 28.2 da Constituição) e o direito dos trabalhadores e dos empresários de adotar medidas de conflito coletivo (art. 37.2 da Constituição); c) no tocante aos direitos de negociação, o direito à negociação coletiva de condições de trabalho (art. 37.1 da Constituição); d) relativamente aos direitos de participação, o direito dos trabalhadores de participação na empresa (art. 129.2 da Constituição).

Os direitos individuais se agrupam em duas categorias: a) direitos dos trabalhadores que explicitam condições mínimas de trabalho; b) direitos de proteção social dos trabalhadores. Os da primeira categoria são: o direito ao trabalho (art. 35.1 da Constituição), o direito à livre escolha de profissão ou ofício (art. 35.1 da Constituição), o direito à promoção através do trabalho (art. 35.1 da Constituição), o direito à remuneração suficiente e à igualdade salarial entre homens e mulheres (art. 35.1 da Constituição), o direito à formação e readaptação profissionais (art. 40.2 da Constituição), o direito à segurança e higiene no trabalho (art. 40.2 da Constituição), o direito ao repouso necessário (art. 40.2 da Constituição). Os direitos da segunda categoria são os seguintes: o direito a uma política orientada para o pleno emprego (art. 40.1 da Constituição), o direito à seguridade social (art. 40.1 da Constituição), o direito à proteção das pessoas portadoras de deficiência (art. 49 da Constituição).

Há, ainda, os chamados direitos fundamentais inespecíficos (os do segundo grupo acima delineado). Trata-se de direitos fundamentais de caráter

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geral, vale dizer, não especificamente trabalhistas, mas que são exercidos pelos sujeitos da relação de trabalho (em particular, os trabalhadores) em seu respectivo âmbito e, neste caso, adquirem um conteúdo (ou dimensão) trabalhista superveniente. Produz-se uma "impregnação trabalhista" de direitos de titularidade geral ou inespecífica, exercidos no âmbito da relação de trabalho. Tais direitos são atribuídos em caráter geral aos...

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