Eficácia dos direitos fundamentais nas relações contratuais. O dever de contratar os direitos fundamentais

AutorEdilton Meireles
Ocupação do AutorDesembargador do Trabalho (TRT/BA). Doutor em Direito (PUC/SP). Professor da UFBa e da UCSal
Páginas152-162

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12.1. Introdução

É comum se afirmar, até por aplicação do texto constitucional, que os direitos fundamentais têm eficácia imediata, inclusive nas relações entre particulares.

Muitos dos direitos fundamentais, todavia, inclusive vários daqueles arrolados como trabalhistas, ainda não foram objeto de regulamentação por leis infraconstitucionais. E é por tal motivo que parte da jurisprudência e doutrina se apegam a essa ausência de regulamentação para negar a eficácia imediata dos direitos fundamentais, especialmente quando o próprio texto constitucional se refere à sua disciplina por lei.

No presente trabalho, no entanto, procuraremos abordar essa questão, demonstrando que, nas relações entre particulares, os direitos fundamentais devem ser concretizados, independente de lei regulamentadora, mas tão simplesmente mediante a contratação.

Daremos ênfase, todavia, aos direitos fundamentais trabalhistas.

12.2. Contrato como instrumento de eficácia dos direitos fundamentais entre particulares

A eficácia imediata dos direitos fundamentais é matéria disciplinada na própria Constituição Federal, que, em seu art. 5º, § 1º, estabelece que “as normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata”.

Óbvio que quando a Constituição fala em aplicação imediata ela que estabelecer que as suas normas têm plena eficácia jurídica, não dependendo de qualquer outro ato normativo para tanto. Da aplicação jurídica imediata, no entanto, surge a eficácia do direito respectivo no mundo fático.

Ter aplicação jurídica imediata é incidir incontinente às relações jurídicas, independentemente de qualquer outro ato ou ação necessária à sua eficácia. Assim, podemos afirmar que, independentemente de qualquer lei regulamentadora dos

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direitos fundamentais, os direitos e garantias fundamentais se aplicam às relações entre particulares, independentemente de qualquer outro ato ou ação necessária à sua eficácia.

Nesta trilha, por exemplo, independente de qualquer ato ou ação, lei ou contrato, o direito fundamental à proteção da vida íntima e privada incide nas relações entre os particulares. Logo, toda e qualquer pessoa deve respeitar a vida íntima ou a vida privada de outrem. E os exemplos são múltiplos quando se trata dos direitos elencados no art. 5º da Constituição Federal.

Ocorre, porém, que muitos dos direitos fundamentais, especialmente os trabalhistas elencados no art. 7º da Constituição Federal, somente podem ser concretizados se, por óbvio, houver uma relação contratual firmada entre o destinatário do direito e o seu obrigado. Para o trabalhador ter como eficaz o direito ao décimo terceiro salário, por exemplo, é preciso que, antes, tenha firmado um contrato de emprego.

Aqui, então, cabe uma ressalva quanto à incidência imediata dos direitos fundamentais nas relações entre particulares. A incidência pode ocorrer de modo imediato, independente de qualquer no fato ou ato jurídico, quando se trata de direitos que incidem independentemente da existência de uma relação contratual. É a hipótese da proteção à vida privada. Já em outras hipóteses, a eficácia do direito fundamental está sujeito à prévia pactuação de um negócio jurídico. É o que ocorre com diversos direitos trabalhistas prestacionais, cuja eficácia está condicionada a existência de um contrato. Somente uma vez firmado o contrato é que o direito fundamental passa a ter eficácia imediata. Já outros direitos fundamentais, independem para sua eficácia dessa prévia contratação (direito à vida, à liberdade, proteção da vida íntima, etc).

A eficácia do direito constitucional, portanto, em relação às prestações trabalhistas, fica condicionado à contratação do empregado. Celebrado o contrato, no entanto, a incidência do direito fundamental se faz de imediata, independentemente da vontade dos contratantes, que não podem dispor quanto a sua não aplicação. Aqui o legislador constitucional limitou a autonomia privada. O particular é livre para contratar, mas uma vez firmado o contrato, sua vontade (autonomia privada) fica limitada em relação às suas condições (cláusulas do contrato) quando diante de um direito fundamental.

Ocorre, porém, que a limitação à autonomia privada tem duas faces: uma positiva e outra negativa. Na sua vertente negativa, a limitação à autonomia privada (à liberdade negocial) retira da pessoa a liberdade de dispor sobre determinados direitos, prestações ou obrigações. É o caso do décimo terceiro salário assegurado na Constituição Federal. Uma vez celebrado o contrato de emprego, independentemente da vontade dos contratantes, esse beneficio previsto constitucionalmente passa a ser devido pelo empregador em favor do empregado. Os contratantes, assim, ficam impedidos de dispor sobre esse direito

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no que se refere ao mesmo ser devido ou não. Como a Constituição, no entanto, não é exaustiva na regulamentação desse benefício trabalhista, permanece, todavia, neste caso específico do décimo terceiro salário, como em muitos outros, a liberdade de disposição quanto a vários aspectos relacionados à respectiva prestação, como, por exemplo, a data do seu pagamento, o seu valor, etc. E tal se repete em diversas outras hipóteses.

Óbvio, no entanto, que, em havendo lei infraconstitucional regulamentando o direito fundamental, pode se estar diante de novas regras limitadoras à autonomia privada. E é o que ocorre com o décimo terceiro salário, que já foi (já era) objeto de disciplina por lei ordinária, inclusive quanto ao seu valor, data de pagamento, etc.

Já na vertente positiva da limitação à autonomia privada, o legislador impõe à pessoa um dever de contratar. Se do ponto de vista negativo impede de dispor sobre determinados direitos, prestações ou obrigações, na vertente positiva impõe a obrigação de dispor sobre determinados direitos, prestações ou obrigações. Pode chegar mesmo a impor a própria contratação (interferindo na própria vontade de contratar), como ocorre nos contratos obrigatórios, a exemplo, de fornecimento de energia, fornecimento de água, etc. Nestes casos, em geral, as concessionarias não podem se recusar a contratar o fornecimento desses bens vitais (energia, água, etc). É o que ocorre, no âmbito do direito do trabalho, com as obrigatórias contratações de empregados deficientes.

A limitação à autonomia privada também se impõe, em alguns casos, sob a forma de obrigação de manter o contrato mesmo contra a vontade. É o que ocorre com o empregado estável, situação na qual o empregador não pode romper o contrato, pois limitado na sua autonomia privada de não querer mais continuar com a execução do contrato.

Daí se tem, até por um raciocínio lógico, que, se a pessoa pode ser obrigada a contratar ou obrigada a manter a execução de um contrato mesmo contra sua vontade, mais razões existem para que sua autonomia privada também se limite quanto às condições contratuais, impondo-se, também, a obrigação de contratar determinadas prestações.

E é o que ocorre com os diretos fundamentais que somente incidem e passam a ter eficácia imediata se firmado um contrato. Neste caso, como os direitos fundamentais tem eficácia imediata, uma vez firmado o contrato, as partes contratantes ficam limitadas nas suas autonomias privadas, passando a ser obrigadas a contratar e dispor sobre as...

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