Como funcionam as licenças Creative Commons?

AutorSérgio Branco - Walter Britto
Páginas63-130
Capítulo 2
Como funcionam as licenças
Creative Commons?
O que é o projeto Creative Commons?
Desde o surgimento da prensa mecânica de Gutenberg até o f‌i-
nal do século XX, a indústria cultural foi estruturada em cima da
ideia de escassez. Editoras de livros, produtoras de f‌ilmes e gra-
vadoras de música escolhiam aqueles artistas que imaginavam
ser um bom investimento e arcavam com o custo (e a incerteza)
da produção e distribuição do bem físico (livro, f‌ita de vídeo ou
DVD, LP, f‌ita K7 ou CD) em que a obra se inseria. Se fossem pu-
blicados 1 mil, 10 mil ou 100 mil exemplares, quando o último
deles fosse vendido, não seria possível conseguir um exemplar
adicional, a menos que o responsável por sua publicação f‌izesse
uma nova leva. Se eu e você desejássemos ter um exemplar da
obra e só existisse um disponível, o impasse não se resolveria de
nenhuma outra maneira: um de nós dois f‌icaria sem ele.
Nas últimas décadas do século XX, novos equipamentos
tecnológicos surgiram para permitir cópias que de certa ma-
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FGV de Bolso
neira contornavam a escassez imposta pela indústria. Máqui-
nas copiadoras (conhecidas inadequadamente como “máqui-
nas xerox”), gravadores de f‌ita K7 e videocassetes passaram
a permitir a cópia dos bens culturais. No entanto, na maioria
das vezes a cópia era cara, de difícil acesso (já que para fazer
a cópia ainda seria necessário o bem físico original em que a
obra se encontrava) e quase sempre de baixa qualidade.
Tudo mudou nos anos 1990, quando o mundo se digitali-
zou. A partir de então, cópias de textos, fotos, f‌ilmes e mú-
sica passaram a ser feitas com enorme velocidade, qualidade
e a custo reduzido. Não estamos aqui discutindo o fenômeno
jurídico (se essas cópias são ou não permitidas nos termos
da lei), mas apenas o fenômeno social e tecnológico. Além
disso, passamos todos de agentes simplesmente passivos para
verdadeiros produtores culturais. Com a internet, tornou-se
trivial escrever livros, produzir f‌ilmes e gravar músicas que
podiam ser livremente compartilhadas.
O grande problema é que todo o sistema de direitos autorais,
construído ao longo de 300 anos, havia sido forjado levando-
-se em conta dois princípios: o da escassez de cópias e o da
indústria unidirecional. Ou seja, o produtor de cultura “of‌i-
cial” (editora, gravadora, produtora) determinava em quem
(que artista) o investimento seria realizado e quantas cópias
da obra estariam à disposição do público. A indústria cultural
produzia e o público consumia. Assim o modelo funcionou
por quase três séculos. Mas agora todos podem produzir e dis-
tribuir suas obras. E a questão da escassez foi superada.
No entanto, o direito autoral permanecia o mesmo. O uso de
obras alheias apenas seria permitido com a prévia e expressa
autorização do autor. Se antes essa imposição não signif‌icava
um ônus social muito grande (af‌inal, o que o público pode-
O que é Creative Commons?
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ria fazer com um f‌ilme senão assisti-lo?), com a internet e
as mídias digitais, surgiram milhares de artistas ávidos por
compartilhar suas obras e que, de acordo com a lei, preci-
sariam autorizar cada uso que terceiro desejasse fazer e que
extrapolasse as limitações aos direitos autorais previstas, na
LDA, entre os artigos 46 e 48.
Foi por conta desse problema (que se replica, de maneira
mais ou menos idêntica, por diversas outras legislações au-
torais além da brasileira) que Lawrence Lessig imaginou uma
maneira de usar a internet para resolver a questão dela mes-
ma oriunda. Se, em vez de autorizar cada pessoa individual-
mente a usar sua obra, fosse possível criar licenças públicas
padronizadas, que estabeleceriam previamente os direitos
concedidos, seria mais fácil acessar, compartilhar, modif‌icar
e distribuir obras intelectuais na rede. Assim foram conce-
bidas as licenças Creative Commons, tendo por inspiração os
modelos de licenciamento livre da Free Software Foundation.
A primeira versão das licenças surgiu em dezembro de 2002.
Logo após seu lançamento nos Estados Unidos, países como
Japão, Finlândia e Brasil passaram a usar o modelo de licen-
ciamento. Atualmente, cerca de 50 países adotam as licenças.
O projeto Creative Commons é gerido por uma organização
não governamental sem f‌ins lucrativos com sede em São Fran-
cisco, na Califórnia, Estados Unidos. A organização foi fundada
em 2001 por Lawrence Lessig, Hal Abelson e Eric Eldred, sendo
hoje administrada por um Conselho formado por 15 pessoas.27
De acordo com informações constantes do site of‌icial do Crea-
tive Commons nos Estados Unidos, o projeto persegue o ideal de
um mundo em que o conhecimento é livre e facilmente difundido
27 Disponível em: >.

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