Fronteiras da Filosofia do Direito

AutorJosé Antonio Tobias
Páginas145-160

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7. 1 Filosofia do Direito e Ciência do Direito

a. O que é natureza humana

Como falar de lei natural, sem explicar o que é natureza? Como falar de direito natural, sem explicar o que é natureza?

Por isso, antes de se passar a expor sobre lei natural e direito natural, base da distinção entre Filosofia do Direito, ligada à lei natural, de um lado, e Ciências do Direito, ligadas ao direito natural, de outro lado, é necessário, para facilitar a compreensão, ter uma explicação sobre natureza; no presente caso, sobre natureza humana, como vai ser feito. Em consequência, logo depois, falar-se-á a respeito de facul-dade, porque, como se verá, enquanto a natureza humana é o princípio primeiro das ações do homem, a faculdade é o princípio segundo das ações do mesmo homem.

A Filosofia divide-se em duas partes: a Filosofia especulativa e a Filosofia prática, conforme só se especule sobre o ente, como na Metafísica e na Gnoseologia, ou então se especule sobre o ente a fim de trazê-lo para a prática, como na Filosofia Moral e na Filosofia da Arte. Quando a Filosofia só especula sobre o ente, como na Metafísica, usa ideias, isto é, entes universais, imateriais e eternos, chamados de universais diretos ou metafísicos, que são as essências, sinônimo das ideias. Contudo, quando, no domínio da Filosofia prática, a Filosofia especula para uma finalidade, como na Filosofia Moral, também usa ideias, isto é, entes universais, imateriais e eternos, chamados de universais diretos ou metafísicos, que também são essências, sinônimo

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de ideias; mas, neste caso, as essências passam a ter o nome de natureza. Por quê? Qual a diferença entre essência, usada na Filosofia especulativa, e natureza, usada na Filosofia prática, como na Filosofia Moral e, como consequência, nas Ciências do Direito, duas áreas em que, às vezes, autores e professores, sem explicar o porquê, só falam, por exemplo, de “natureza” e não de essência, assim como de “natureza humana” e não de essência humana?

O motivo desses usos e de suas possíveis confusões é que, em Filosofia e por consequência em Filosofia do Direito, essência é e não é a mesma coisa que natureza, e, por isso também, essência humana é e não é a mesma coisa que natureza humana. Em síntese explicativa, é o seguinte: a natureza é o princípio primeiro das ações de um ente. Assim sendo, a essência, em si e sem as ações dela, é idêntica à natureza; todavia, enquanto se consideram as ações, a natureza é diferente da essência: a natureza inclui as ações, enquanto a essência, não. A Lógica, que só lida com entes irreais e universais lógicos, é o mundo das essências puras e das ideias puras e não das naturezas, enquanto, pelo contrário, o mundo da Filosofia Moral, da Filosofia do Direito e das Ciências do Direito só lida com entes reais e, por isso, com naturezas e com a natureza humana.

Essa explicação, até aqui, teve por finalidade demonstrar que a Filosofia Moral, a Filosofia do Direito e as Ciências do Direito só lidam com entes reais (e não com entes lógicos, como alguns autores supõem); por exemplo, a natureza das coisas e a natureza humana. E quando, mesmo que de maneira inconsciente, o autor ou o professor só usa ou só ensina usando o termo de natureza ou de natureza humana, é porque faz profissão de fé na admissão da existência do mundo real e das coisas exteriores, o que é negado por Kant, Hegel e seus seguidores.

b. O que é faculdade?

Aqui, não se fala de faculdade como parte da universidade. Fala-se de faculdade enquanto é um ente acidental, próprio dos animais, racionais e irracionais, do qual nascem suas ações. A inteligência, por exemplo, nos homens, é a faculdade da qual nascem suas ideias e raciocínios,

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enquanto nos animais irracionais a visão é a faculdade pela qual eles veem as coisas e agem em consequência disso. Em síntese: como a natureza é o princípio primeiro e remoto das ações do ser, a faculdade, por sua vez e em harmonia com a natureza, é o princípio segundo e próximo das ações do animal, racional e irracional.

Só a inocência científica pode achar que as duas noções de natureza e de faculdade são inutilidades e perda de tempo. Por certo, quem não entender essas duas noções (natureza e faculdade) só ficará com a ideia e a definição empíricas do que é lei natural, sindérese, direito natural, de um lado, e do que é Filosofia Moral, Metafísica, Gnoseologia e Ciências do Direito, de outro lado.

c. O que é lei natural e o que é direito natural

A inteligência, também chamada de intelecto, se só estuda sem finalidade prática, como na Filosofia especulativa, chama-se inteligência especulativa. Se, ao contrário, estuda com finalidade prática, como na Filosofia prática, chama-se inteligência prática. Claro que não são duas inteligências, porque o homem só tem uma e não duas inteligências: é a mesma inteligência com dois nomes diferentes porque ela, no presente caso, tem duas funções diferentes: a primeira é de só estudar, enquanto a segunda é de estudar para uma finalidade prática, que é o agir, criando a Filosofia Moral, ou o fazer, criando a Filosofia da Arte.

No domínio da inteligência especulativa, tudo nasce da ideia de ente e dos dois primeiros princípios seus, que são o de identidade: “O que é, é”, e o de contradição: “Nenhum ente pode ao mesmo tempo ser e deixar de ser”. Da noção de ente e dos princípios de identidade e de contradição é que, depois, nascem e florescem todo o conhecimento e todas as ciências do homem.

No domínio da inteligência prática, além da ideia de ente e dos princípios de identidade e de contradição, tudo parte da noção de bem, também chamado de bom, como se explanou acima ao se estudar os entes todos, chamados de transcendentais. O bom (o bem) nasce sempre que o ente conhecedor tem uma finalidade. Por exemplo, na vitrine existe uma bola; é um ente, e ponto final. Mas, se depois eu quiser a bola, ela se tornou um bem: o ente (bola), para mim, se tornou um

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bem. Como se vê, a bola na vitrine, ao se tornar um bem, não mudou nada: o que apareceu é seu relacionamento comigo, com meu apetite que a transformou de ente em bom (bem). É necessário acrescentar que o bom adiciona ao ente uma finalidade, que é, ao menos potencialmente, um agir, um ato. Todo bem, pelo menos em intenção, provoca uma ação a fim de trazer a coisa apetecida para o ente apetecedor. Se a bola se tornou boa para mim, necessariamente vou querer adquiri-la.

A inteligência prática é assim chamada porque ela sempre quer alguma coisa, que, então, se lhe torna um bem. Tudo que é apetecido pela inteligência prática é algo que o apetecedor não tem e que vem completá-lo, tornando-se assim a coisa apetecida um bem, um complemento do apetecedor. Daqui nascem os primeiros princípios da lei natural: o primeiro, o que é o bem; o segundo, o que é o mal; o terceiro princípio da lei natural: o bem deve ser feito, porque completa o ente e o mal evitado, porque destrói o ente. E,...

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