From Chantal Mouffe theory to Bolivian democratic practice: the pluralism as horizon/Da teoria de Chantal Mouffe a pratica democratica boliviana: o pluralismo como horizonte.

AutorFortes, Larissa Borges

1 Introducao

A modernidade possui duas caracteristicas principais, que permeiam toda a concepcao classica de Estado, Direito e Democracia: o universalismo e o individualismo. A maioria dos modelos democraticos sao, tambem, modelos liberais, incorporando, portanto, os referidos elementos (caracteristicos da modernidade) em suas praticas democraticas.

A teoria democratica de Chantal Mouffe apresenta criticas aos modelos tradicionais liberais e contribui para a criacao de um novo modelo democratico: a democracia radical ou pluralista. Ao contrario das demais teorias democraticas, Mouffe traz a pluralidade/diversidade para dentro da teoria proposta, na qual afasta a ideia de universalismo.

A teoria democratica de Mouffe apresenta a pluralidade como elemento imprescindivel para um ideal de democracia, eis que intrinseco a sua propria essencia. A teoria de Mouffe pretende demonstrar ser impossivel alcancar qualquer consenso politico ou acordo nas relacoes sociais, na medida em que, para essa autora, o conflito, a diferenca, a pluralidade, sao elementos intrinsecos a propria ideia de democracia.

A intencao de se afastar as "diferencas" e se tentar encontrar um "consenso" nas relacoes sociais acaba se tornando, portanto, uma das principais criticas de Mouffe as teorias democraticas dominantes no campo da filosofia politica. Mouffe indica que ha uma ilusao na concepcao de que um "consenso politico" inibiria as tensoes decorrentes das relacoes sociais, sendo que a teoria na qual se pretende tal "resultado final" seria uma "utopia liberal", que esconderia, em verdade, uma pretensao de hegemonia dos interesses de determinados grupos detentores de poderes politicos e economicos.

A partir da referida teoria e das contribuicoes democraticas trazidas pelo Novo Constitucionalismo Latino-Americano (1), pretende-se, no presente trabalho, responder ao seguinte problema de pesquisa: o pluralismo, a partir da teoria democratica de Chantal Mouffe, pode ser observado na pratica democratica boliviana?

A partir do metodo dedutivo, bem como das tecnicas de pesquisa bibliografica e documental, busca-se, no desenvolvimento deste estudo, demonstrar-se os principais elementos comuns encontrados na teoria democratica de Chantal Mouffe e na pratica democratica da Bolivia, desde o processo constituinte instituido em 2007, bem como com a promulgacao da Constituicao do Estado Plurinacional da Bolivia, em 2009.

Num primeiro momento, analisa-se a teoria da democracia radical ou pluralista de Chantal Mouffe, bem como as contribuicoes e criticas trazidas na referida teoria, verificando-se de que forma o elemento "pluralidade" e considerado nessa concepcao.

Na segunda parte do trabalho e estudado o sistema democratico boliviano, com relacao ao periodo anterior a instituicao da Assembleia Constituinte, bem como em momento posterior a promulgacao da Constituicao boliviana de 2009, verificando-se, especialmente, os elementos Plurinacionalidade e Pluralismo Juridico-Cultural (2).

A partir dessas analises, verifica-se se a pratica boliviana, com o elemento pluralismo (plurinacionalidade e pluralismo cultural-juridico), corresponde a concepcao teorica da democracia radical ou pluralista proposta por Chantal Mouffe.

2 O pluralismo a partir da teoria democratica de Chantal Mouffe

O nascimento da Modernidade pode ser considerado, segundo Mascaro (3), com o rompimento do periodo medieval. Nessa linha de pensamento, pode-se observar algumas marcas desse periodo historico, como o surgimento e a consolidacao do Capitalismo (4), bem como a exaltacao do individualismo--que surge justamente a partir da concepcao burguesa da propriedade privada.

A teoria filosofica a partir Idade Moderna atenta para novos imperativos: fim dos feudos, expansao do comercio, das grandes navegacoes, da uniao dos territorios, das relacoes sociais mais complexas, entre outros. Conforme explica Mascaro (5), as tradicionais explicacoes medievais do poder divino e humano cedem lugar a uma compreensao que busca ser realista na analise do papel e na acao do governante, ou seja, as explicacoes teologicas perdem sua forca diante da racionalidade dos principios politicos.

De acordo com o mencionado autor (6), durante esse periodo historico a burguesia buscava as liberdades, principalmente para negociar, sendo que vai ser na politica que esta classe veio a encontrar tais liberdades. E partir das concepcoes advindas das lutas burguesas, portanto, que se tem o destaque aos direitos individuais, configurando mais uma das importantes caracteristicas da Modernidade.

Ja Silva (7) entende que o momento maximo da Modernidade, ou melhor, o momento apice dos movimentos que lhe deram origem, ocorre no ano de 1492. Segundo o autor (8), ao citar Enrique Dussel, foi a partir desse momento em que houve o confronto entre o europeu e aqueles que nao lhe eram semelhantes, o Outro.

Segundo Silva (9), o "encobrimento do outro" pode ser considerado o simbolo da Modernidade e o ano de 1492 pode ser considerado esse marco, eis que foi "[...] o ano da "Conquista da America", por Colombo, bem como o ano em que os Reis Catolicos da Europa ocuparam a cidade de Granada, ultimo reduto muculmano do continente europeu".

Mostra-se importante essa introducao para explicar que o universalismo e o individualismo--talvez as principais marcas da Modernidade--sao tambem caracteristicas dos atuais modelos democraticos liberais. A teoria de Chantal Mouffe analisa a teoria democratica liberal no campo da filosofia politica para trazer suas criticas e contribuicoes para a construcao de um novo modelo de democracia: radical ou pluralista.

Na obra de Mouffe (10)--O regresso do politico--, a autora inicia o texto trazendo algumas criticas as democracias liberais modernas, as quais pregam um "modelo" a ser seguido pelo restante do mundo. Segundo a autora (11), esses modelos democraticos surgem marcados por vieses machistas, eurocentrico, individualista, dentre outras marcas do pensamento liberal.

Conforme referido anteriormente, o pensamento liberal traz consigo a imposicao de valores, sugerindo a utilizacao de um modelo universalista, como se o seu modelo pudesse ser considerado o modelo "ideal" para todos os paises. Para Mouffe (12), esse ideario universalista promove uma "agonia" da politica. Nesse sentido, o grande problema do ideario universalista liberal e a incapacidade de reconhecer a diversidade como elemento principal de aperfeicoamento da convivencia humana.

A teoria de Chantal Mouffe denota que a diversidade e caracteristica propria, nuclear da democracia. Segundo Tavares e Cunha (13), Mouffe entende que o pensamento liberal e incapaz de compreender o significado do "politico", em seu carater antagonico, conflituoso, decorrente da natureza da praxis democratica.

Mouffe (14) explica que se mostra impossivel a ausencia de diferencas no mundo, que o desafio e justamente a manutencao de uma democracia pluralista. Nesse modelo de democracia radical, a autora defende que deve ser mantida a figura do "adversario" ao inves do "inimigo", reconhecendo a existencia de conflitos proprios da democracia. Nesse caso, "[...] Um adversario e um inimigo legitimo, um inimigo com quem temos em comum uma adesao partilhada aos principios etico-politicos da democracia. [...]" (15).

Dentre as questoes apontadas por Mouffe (16) em sua teoria, uma que se destaca e a tentativa--dos pensadores liberais--em reduzir o politico ao economico ou etico. Mouffe (17) aponta duas questoes que podem ser tidas enquanto fatais para a democracia: a) a ilusao do consenso e b) os apelos ao "antipolitico". Segundo a referida autora (18), as lacunas encontradas por movimentos "antipoliticos" ou oportunistas--avessos aos processos democraticos pluralistas, sao perigosas para o aperfeicoamento da democracia, ja que favorecem a manifestacao de identidades antidemocraticas, que se aproveitam do vazio deixado pelo elemento "politico" (19).

A ideia de uma democracia radical e pluralista defendida por Mouffe (20) seria uma reformulacao do modelo de projeto socialista, em contraponto ao modelo liberalista burgues pos-moderno. Nesse sentido, a ideia seria tentar evitar as armadilhas do socialismo marxista e do social-democrata, lancando uma ideia na qual tem como objeto dar outro rumo as lutas de esquerda, permeadas pela emancipacao social, alinhando com os fundamentos da Psicanalise e Filosofia.

Para tanto, uma das questoes abordadas na teoria democratica radical de Mouffe e no que tange as relacoes de poder. Mouffe (21) entende ser uma ilusao a crenca de que, quanto menos "poder" possui uma sociedade, mais democratica se torna. Para a autora (22), a forma de transformar o "poder" em algo interessante a democracia e redefini-lo em formas compativeis com valores democraticos.

Por esse motivo, o pluralismo se apresenta como algo importante para a teoria democratica de Mouffe; enquanto as teorias democraticas liberais tentam afastar o pluralismo, a teoria democratica radical de Mouffe integra-o. A teoria da democracia radial ou pluralista exige, portanto, o reconhecimento da diferenca, sendo esse o ponto nodal da teoria de Mouffe. Nenhum cenario ou horizonte democratico e uma genuina expressao de atitude politica comprometida com a paz na medida em que despreza, marginaliza ou elimina qualquer manifestacao cultural.

Para Mouffe (23), e impossivel uma aplicacao de um "consenso racional"--tese defendida pelos teoricos da democracia deliberativa--, eis que a essencia da democracia e o conflito, a pluralidade de ideias, o debate, o antagonico. Mouffe (24) explica que ate pode existir um "consenso" nesse modelo de democracia, no entanto, ele e temporario, representa uma "hegemonia provisoria".

Em verdade, Chantal Mouffe (25) acredita que a "moralizacao" da politica significa o seu enfraquecimento, retirando de cena "elementos politicos" que estao na raiz de qualquer processo democratico. Mouffe (26) acredita ser impossivel se chegar a uma solucao final para os problemas...

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