Friedrich Engels and Moral upon the abolition of State/ Friedrich Engels e a moral frente ao fenecimento do Estado.

AutorSartori, Vitor Bartoletri
CargoTexto en portugues - Friedrich Engels, filosofo - Ensayo critico

1

O presente texto tem por objetivo delinear os posicionamentos de Friedrich Engels sobre a moral, procurando demonstrar que a valorizacao engelsiana da moral e indissoluvel de sua teoria sobre o Estado e o Direito. Em meio a esta tematizacao, procuraremos explicitar, primeiramente, certa mudanca de tonalidade nos textos engelsianos: em seus textos da decada de 40 (principalmente aqueles escritos com Marx, mas tambem a Situacao da classe trabalhadora na Inglaterra) o autor teria um tratamento que enfoca o aspecto negativo da critica ao Estado e ao Direito, criticando-os de modo decidido enquanto um terreno a ser abolido. Em um segundo momento, principalmente depois dos acontecimentos da Comuna de Paris e da emergencia de um movimento operario forte na Alemanha, o autor muda de tonalidade, procurando explicitar a diferenca especifica que caracteriza cada posicao dentro das "lutas no interior do Estado". A questao da moral emerge em seu pensamento neste ponto, em que, como pretendemos mostrar, seria central a defesa de uma "moral proletaria" ligada ao futuro contra as formas de moral que procurariam se colocar como perenes. Estas ultimas, com isso, nao buscariam, em verdade, uma "moral realmente humana", somente possivel com a transformacao e superacao substantivas do modo de producao capitalista, sendo justamente esta a intencao do autor do Anti-During.

2

Quando se trata de abordar a contribuicao do marxismo as ciencias humanas, talvez seja essencial averiguar o papel que teve Engels neste campo; e isto em um sentido duplice: primeiramente, devido ao projeto engelsiano ser definitivamente mais sistematico que o de Marx no sentido da "aplicacao" da abordagem materialista aos diversos campos das humanidades (CF. SARTORI, 2015 a, MUSSE, 1999; PACO CUNHA, 2015) e, sob este aspecto, poder ser considerado o "primeiro marxista" (Cf. MUSSE, 2002); um segundo ponto, porem, diz respeito a configuracao mesma daquela abordagem materialista que poderia dar continuidade ao pensamento marxiano (CF. SARTORI, 2015 a). Este duplo aspecto reverbera em diversos aspectos, mas, aqui, procuraremos aborda-lo somente ao tratar do modo pelo qual a teorizacao acerca da moral presente na obra do autor do Anti-During pode iluminar alguns aspectos do marxismo mesmo, sendo possivel, ate certo ponto, ao lidar com a obra engelsiana, deparar-se com algumas "aporias" que permearam grande parte do marxismo e que tenderam a levar a certa desconsideracao de aspectos que, acreditamos, sao bastante relevantes para que se tenha um desenvolvimento consistente daquilo presente nos apontamentos de Marx. Averiguar a contribuicao que o marxismo pode trazer as ciencias humanas, assim, pode de modo proveitoso, acreditamos--passar por uma analise da conformacao do "primeiro marxista", que, como tal, tracou posicionamentos decididos sobre questoes centrais para a compreensao do presente, passando estas questoes pela compreensao de esferas da sociabilidade como o Direito, a moral, o Estado, a familia, o cotidiano, e tantas outras.

Neste pequeno texto, partiremos do modo pelo qual o pensamento de Engels conforma-se, em um primeiro momento, enfatizando o aspecto, por assim dizer, "negativo" do tensionamento com a sociedade capitalista a partir do Direito e do Estado; tendo em conta este aspecto, procuraremos mostrar como ha uma mudanca de posicao (ligada, sobretudo, a uma diferenca de enfase, e nao a qualquer "corte epistemologico" (1)) na obra do autor, de tal feita que ele nao ve outro modo de comecar uma praxis que venha a criticar a sociedade de seu tempo que nao fosse aquela que tivesse, como primeiro momento, uma posicao acerca da forma de governo e da expressao das lutas sociais no e pelo Direito. Com isso, ter-se-a que, ao tratar da transicao da sociedade capitalista para aquilo que Engels e Marx conceberam como uma sociedade socialista, o proprio aparato estatal, segundo Engels, nao poderia ser abandonado de imediato (como parece sugerir Marx em Guerra civil na Franca; Cf. ASSUNCAO, 2015), de modo que seria central considerar a moral daqueles que detem o aparato "estatal" na nova sociedade e que, com o uso desta moral, poderiam trazer a nova sociedade a partir da velha. Por fim, ao final do texto, pretende-se mostrar que, embora o modo que o autor do AntiDuring se posicione sobre estas questoes seja bastante complexo e, de modo algum, unilateral, ele levanta questoes que fazem de seu pensamento algo exemplar ao se tratar dos rumos do seculo XX de modo marxista. Isto se daria tanto no sentido em que ha certa ambiguidade em seu texto, a qual permite leituras apressadas e condizentes com aquilo que foi tomado por "marxismo" no seculo XX (em grande parte, o stalinismo), quanto no sentido em que se tem um tratamento dialetico tanto do Estado, quanto do Direito e da moral, tratamento este que remete as convergencias fundamentais entre Marx e Engels sobre os rumos da sociedade civil-burguesa (burgerliche Gesellschaft) (2) e que, como apontam alguns como os filosofos hungaros Gyorgy Lukacs e Istvan Meszaros, poderia ser essencial para se pensar de modo efetivamente critico a sociedade em que vivemos, no limite, procurando, de modo decidido, uma transformacao social substantiva e, por assim dizer, revolucionaria.

3

O primeiro ponto a ser explicitado talvez seja o que o proprio Marx disse: "a unica coisa que sei e que nao sou um marxista". (MARX; ENGELS, 2010, p. 277) Neste sentido, ha de se reconhecer que, mesmo os mais rigorosos e serios marxistas, de um modo ou doutro, vao contra a letra do autor de O capital. Isto, que fique claro, ate certo ponto, e natural. Conforme procuram dar seguimento a obra do autor, colocam-se com certa alteridade frente a este e a teorizacao deste, esta ultima a qual tem um tratamento muito mais imanente que sistematico quando se trata de compreender a tessitura do real (Cf. CHASIN, 2009) se comparada a obra engelsiana (Cf. PACO-CUNHA, 2015)--veja-se: nao que nao exista uma unidade no pensamento marxiano; como bem apontou Lukacs (2010, 2012, 2013), isto esta presente, e poderia mesmo ser estudado seriamente. O que talvez pudesse ser questionado a partir de o autor de O capital e um tratamento que estabeleca separadamente algo como "leis da dialetica"--a serem "aplicadas" posteriormente na analise da realidade efetiva--e, e preciso que se diga, isto, por vezes, com algumas tensoes, acontece na obra do proprio Friedrich Engels. (Cf. SARTORI, 2015 a; PACO CUNHA, 2015) Nela, justamente quando se traz um tratamento mais sistematico e, de inicio, de apreensao mais direta, nao estao ausentes questoes marcadas por certa ambiguidade, tambem, quando se trata da teorizacao sobre o Estado. (Cf. ASSUNCAO, 2015) No que diz respeito a moral, pretendemos mostrar aqui, isto tambem se da. Ou seja, um tratamento como o engelsiano, que, por vezes, e mais tematico que imanente, ao mesmo tempo, facilita muito, e gera dificuldades. (Cf. SARTORI, 2015 a) Neste sentido, se Engels talvez possa ser considerado "o primeiro marxista", vale verificar certas tensoes presentes no pensamento do autor quando se tem em mente o Estado, o Direito e a moral.

Ao se ter isto em conta, alguns pontos importantes para o desenvolvimento do marxismo e para a critica a sua manifestacao no seculo XX, podem ser levantados, no limite, na medida em que, para os mais pessimistas, neste seculo, mesmo "o marxismo, concebido acertadamente, [...] nao existe mais." (LUKACS, 1972, p. 32) Ter em conta o trabalho de Engels, assim, pode ser de relevo, tambem, para tratar deste aspecto destacado por Lukacs--resgatar o trabalho do "primeiro marxista" pode ajudar a averiguar o modo pelo qual aquilo que aparece no marxismo no seculo XX distanciou-se de aspectos decisivos dos autores da Ideologia Alema; ao mesmo tempo, como sera destacado, nao se pode deixar de apontar certo germe daquilo a ser criticado no proprio Engels. E bom, porem ressaltar: ele, de modo algum, pode ser considerado como "responsavel" por o marxismo "concebido acertadamente" ter, em grande parte, sido deixado de lado no seculo XX a partir da influencia exercida, nao so, mas principalmente (Cf. ANDERSON, 2005) pelos teoricos da II e da III Internacional, como Kautsky e Bukharin e, posteriormente, pela vulgata stalinista. (3)

Neste terreno, um primeiro aspecto a se apontar sobre Engels e que, relacionada a sua posicao segundo a qual "de acordo com a concepcao materialista, o fator decisivo na historia e, em ultima instancia, a producao e a reproducao da vida imediata" (ENGELS, 2002, p. 10), tem-se uma critica a esfera politica como uma esfera que nao poderia ser autonomizada de modo algum e em que emergem "formas ilusorias" as quais, por si, e esta ressalva e importante (4), nao chegam a essencia das questoes a serem questionadas a partir de uma posicao (Standpunkt) (5) materialista.

Marx e Engels apontam na Ideologia alema algo de grande relevo para elucidar este ponto:

Todas as lutas no interior do Estado, a luta entre democracia, aristocracia e monarquia, a luta pelo direito de voto etc. etc., nao sao mais do que formas ilusorias- em geral, a forma ilusoria da comunidade--nas quais sao travadas as lutas reais (wirkliche Kampfe) entre as diferentes classes (MARX; ENGELS, 2007, p. 37) (6)

Resta claro que a propria questao da forma de governo, questao central para parte substantiva da filosofia politica, e vista por Marx e Engels, em 1845, na melhor das hipoteses, em correlacao com "forma ilusoria de comunidade", ligada a figura do Estado. Esta ultima nao poderia de modo algum ser hipostasiada e precisaria ser levada em conta; no entanto, ha de se notar que a enfase dada na passagem--na esteira da critica ao neohegelianismo--esta colocada na critica a esfera politica e as figuras ligadas a ela. (7) Neste sentido, percebe-se: no melhor dos casos, ter-se-ia, ao final, "belas palavras da burguesia" ao se tratar da sociedade civil-burguesa tendo em mente o papel do Estado e do Direito; e Engels, em A situacao da...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT