A zona franca de manaus como instrumento de intervenção econômica

AutorTatiana Aguiar
CargoMestra e Doutoranda em Direito do Estado pela PUC/SP.
Páginas72-83

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1. Introdução

Em recente pesquisa, a Receita Federal Brasileira revelou que a carga tributária brasileira teve reduções consideráveis de 2007 a 2009, chegando a alcançar o mesmo nível (33,6%) que a dos países em desenvolvimento que compõe a Organização do Desenvolvimento e Cooperação Económica (OCDE).1

Tal declínio se deu, por um lado, em razão da grande crise económica que assolou parte do mundo e, por outro, graças aos incentivos fiscais outorgados aos contribuintes, mormente aos empresários e industriais, de modo a aquecer o mercado, intervir nas relações económicas e minimizar os efeitos desastrosos desse período crítico que terminou por nos atingir, ainda que indiretamente.

Porém, não é apenas em momentos marcadamente dificultosos para a Economia que vislumbramos a concessão de benefícios fiscais no Brasil. Exemplo disso é a Zona Franca de Manaus que há mais de quatro décadas vem servindo de instrumento de intervenção no domínio económico e, por conseguinte, como ferramenta de redução do ónus tributário.

É especificamente sobre esse modelo de livre comércio enquanto mecanismo de intervenção económica que pretendemos nos debruçar nesse breve estudo.

2. Panorama globalizado

Em sua obra Entre Têmis e Leviatã: uma Relação Difícil, Marcelo Neves nos relembra a perspectiva weberiana acerca da modernidade, a qual no remete à ideia de racionalismo-com-respeito-a-fins, em detrimento ao racionalismo-com-respeito-a--valores nutrido nas sociedades tradicionais.

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Portanto, nos tempos modernos a lógica dos homens revela-se pragmática e utilitarista, a ponto de cada ação humana ter em mira um objetivo.2

É a diversidade e a interdependência de ações possíveis, para o alcance dos incontáveis fins visados, que definem a sociedade moderna como supercomplexa paraLuhmann. Tal complexidade só se torna possível entre sistemas parciais diferenciados (diferenciação sistêmico-funcional) e operacionalmente autónomos.3

Nem todos os países se desenvolvem na mesma proporção e velocidade, o que gera um desnivelamento entre eles e dá ensejo a uma relação de interdependência. Nascem, então, os países periféricos e os países centrais.4 Por outro lado, é essa desigualdade que impulsiona a evolução individual e coletiva dos países, ao mesmo tempo em que torna cada vez mais ténue os limites geográficos que os separam.

O mundo contemporâneo exige cada vez mais Estados organizados jurídico-politica-mente e territorialmente delimitados de forma mais flexível. Embora contra a vontade de Marcelo Neves, que não pretende reduzir tal ideia à de globalização, ao fazermos uso desse modelo de relação entre os Estados, temos em mente, sim, o movimento de globalização, enquanto "intensificação crescente das relações sociais e comunicações suprarregionais mundializadas, com reflexos profundos na reprodução dos sistemas político-jurídicos territorialmente segmentados em forma de Estado".5

É inegável que tal modelo inter-rela-cional sobreleva a importância dos sistemas económicos, em detrimento, até, dos sistemas jurídicos e políticos, colocando em risco a verdadeira realização do Estado Democrático de Direito. Ressalte-se que não se pretende aqui fazer qualquer juízo de valor a essa questão. Esta aparece como mera constatação, com o intuito de realçar uma preocupação económica que está por trás das políticas tributárias criadas com a pretensão de encurtar as distâncias entre os países periféricos e os centrais.

3. As políticas tributárias como instrumento de globalização

Não há como se pensar o Estado de forma segmentaria, digamos, separando os sistemas político, económico, jurídico, educacional etc. Nem mesmo pensamos serpro-ducente eleger um, em detrimento dos outros, mas, é fato que sem determinados elementos um Estado não se apresentaria possível.

O tributo, enquanto acoplamento estrutural dos sistemas económico, jurídico e até político revela-se um dos esses elementos imprescindíveis à existência de um país, pois é através dos recursos oriundos da atividade exacional que o Estado satisfaz as necessidades básicas de seu povo.

Não bastasse o seu valor eminentemente fiscal/arrecadatório, muitas vezes os tributos revelam interesses extrafiscais, isto é, finalidades que extrapolam a sua própria condição essencial de fomentador dos cofres públicos.

Através da extrafiscalidade, traço intrínseco a todas as normas de incentivo, o legislador tributário revela seus interesses político-sociais, transformando o tributo em mecanismo de interferência na economia privada, estimulando atividades, setores da

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economia ou regiões do país, como também pode desestimular certas práticas ou o uso de determinados produtos.

Ao exercer a sua competência tributária, o legislador (lato senso) pode prever fatos que são aptos a gerar consequências tributárias e pode estabelecer hipóteses em que a ocorrência de determinados fatos não gerem qualquer ónus de natureza tributária ao sujeito que o praticou, são estas últimas classificadas pelo professor Sacha Calmon como normas de efeitos exonerativos.6

Assim, como diz esse doutrinador mineiro: "(•••) a qualificação dos fatos geradores de tributação é feita, em todos os seus aspectos, através de leis impositivas e exonerativas. As previsões exonerativas se fixam ora no aspecto temporal, ora no aspecto pessoal, ora, ainda, no aspecto espacial da hipótese de incidência, para produzir o fator de intributabilidade".7

É, portanto, essas normas concessivas de benefícios fiscais, fonte direta de influências para manutenção ou alteração de comportamentos económicos. Fazem parte da classe denominada de Normas Indutoras pelo prof. Eduardo Shoeuri. Por elas: "recebe ele (o contribuinte) estímulos e desestímulos que, atuando no campo de sua formação de vontade, levam-no a se decidir pelo caminho proposto pelo legislador".8

Discute-se também se existem várias espécies de normas indutoras, quais sejam incentivos, subsídios, benefícios, despesas fiscais, subvenções, créditos presumidos etc, ou, se se todas essas expressões são sinónimas, sendo de somenos importância o nome que lhe é dado.

Essa confusão terminológica é fomentada pela legislação que com a atecnia que lhe é peculiar toma uma espécie por outra e termina por influenciar a doutrina e a jurisprudência que as usam sem qualquer distinção.

Alguns doutrinadores apartam os benefícios segundo dois critérios: o critério orça-mentário e o critério distributivo (de acordo com as políticas públicas). Com relação ao primeiro, os benefícios podem ter natureza tributária ou não, já os subsídios correspondem a garantias de preços mínimos, empréstimos a taxas favorecidas, etc. Os primeiros podem ser expressamente estabelecidos no Orçamento Geral da União, ou não; já os últimos, apesar de não estarem explicitados, não deixam de onerar o erário público.

Outros deixam de lado o aspecto formal e levam em conta a suas expressões econô-mico-financeiras, o que coloca os benefícios no mesmo patamar de igualdade. Dentre estes está o mestre Ricardo Lobo Torres que assim se posiciona: "Desmistificou-se nos últimos anos o mecanismo dos privilégios e das desgravações fiscais. Percebe-se que hoje são todos conversíveis entre si, o que permite que se lhes desvende a concessão injustificada, ainda que camuflada sob diferentes rótulos".9

No mesmo diapasão, Shoueri ensina: "(...) Nesse sentido, parece acertado entender que os incentivos fiscais são uma forma de subvenção, sujeitando-se, então, ao regime imposto ? última".10

Dizer que os incentivos fiscais se submetem ao mesmo regime jurídico imposto às subvenções, é idêntico a defender que seja qual for o nome que se dê (incentivo, benefício, estímulo, subvenção, subsídio e prémio) são todos institutos de direito público e, como tal, se submetem aos princípios constitucionais previstos no art. 37 da Lei Maior tais como: legalidade, publicidade, transparência, igualdade, eficiência, objeti-vidade, entre outros.

Dentro do Subsistema Tributário Constitucional brasileiro, tal ideia se fortalece ao nos depararmos com o seu § 6a do art. 150 que estabelece que qualquer subsídio ou isenção,

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redução de base de cálculo, concessão de crédito presumido, anistia ou remissão, relativos a impostos, taxas ou contribuições, só poderá ser concedido mediante lei específica, federal, estadual ou municipal, que regule exclusivamente tais matérias.

Assim, são normas tributárias indutoras: as imunidades, isenções e demais reduções diretas de bases de cálculo e de alíquotas, inclusive alíquotazero. Dentre as subespécies não há que confundi-las, nem muito menos tomá-las por sinónimas.

As imunidades e isenções se distinguem por questões hierárquicas, enquanto a primeira é outorgada pelo legislador constitucional, a segunda é objeto de lei infraconstitucional. Embora o efeito seja o mesmo, a isenção não tem a mesma natureza que a alíquota zero, a primeira mutila a regra-matriz tributária impedindo que nasça a obrigação tributária, pois a partir de tal prescrição legal o fato deixa de ser tributário; já se àquele produto ou operação lhe é atribuído a alíquota zero, a regra-matriz permanece íntegra, com os seus cinco critérios (material, temporal, espacial, pessoal e qualitativo), mas nulifica o quantum debeatur. Essa é também a posição das nossas Cortes superioras.

Inesgotáveis são as críticas à adoção da alíquota zero. Todavia, a pragmática bem justifica a sua funcionalidade, principalmente para os tributos com alíquotas múltiplas e seletivas. Diferentemente do ato de isentar, a imposição de alíquota zero se...

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