Fragmentos de um discurso biocolonizador no Projeto Genoma Humano: direito, patrimônio genético e vulnerabilidade

AutorThiago Pires-Oliveira
CargoDoutorando em Mudança Social e Participação Política pela Universidade de São Paulo (USP). Mestre em Direito pela Universidade Federal da Bahia (UFBA), Especialista em Direito do Estado pela UFBA. Bacharel em Direito pela UFBA. Advogado
Páginas50-79
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Revista Direitos Fundamentais e Alteridade, Salvador, v. 4, n. 1, p. 50-79, jan-jun, 2020 | ISSN 2595-0614
FRAGMENTOS DE UM DISCURSO BIOCOLONIZADOR NO PROJETO GENOMA
HUMANO: DIREITO, PATRIMÔNIO GENÉTICO E VULNERABILIDADE
FRAGMENTS OF A BIOCOLONIZING DISCOURSE IN THE HUMAN GENOME
PROJECT: LAW, GENETIC HERITAGE AND VULNERABILITY
Thiago Pires-Oliveira*
RESUMO: Este artigo pretende estudar os problemas decorrentes do acesso indevido ao
material genético humano oriundo de populações tradicionais e sua aplicação no contexto do
Projeto Genoma Humano. Assim, pretende-se buscar indícios de biocolonialismo no discurso
produzido pelas instituições envolvidas com a revolução biotecnológica e analisar quais as
ferramentas que os povos indígenas e outras comunidades tradicionais têm a sua disposição
para proteger os seus direitos. Defende-se ainda a repartição dos benefícios obtidos com a
pesquisa sobre o material genético estudado para as populações tradicionais.
Palavras-chave: Projeto Genoma Humano; Biocolonialismo; Povos Tradicionais.
ABSTRACT: This article intends to study the problems arising from the improper access to
human genetic material from indigenous peoples and its application in the context of the Human
Genome Project. Thus, it is intended to look for evidence of biocolonialism in the discourse
produced by the institutions involved with the biotechnological revolution and to analyze what
tools indigenous peoples and other traditional communities have at their disposal to protect
their rights. It is also advocated to share the benefits obtained from research on the genetic
material studied for indigenous peoples.
Keywords: Human Genome Project; Biocolonialism; Indigenous Peoples.
SUMÁRIO: 1 INTRODUÇÃO; 2 O PROJETO GENOMA HUMANO E SEUS
REFLEXOS NO BIODIREITO; 3 O PROJETO DIVERSIDADE DO GENOMA
HUMANO E AS CONTROVÉRSIAS ENVOLVENDO OS POVOS INDÍGENAS; 4 O
BIOCOLONIALISMO COMO EXPRESSÃO PÓS-MODERNA DO DOMÍNIO SOBRE
O CORPO E A NECESSIDADE DE SUPERAÇÃO DESTE PARADIGMA
BIOPOLÍTICO; 5 CONCLUSÕES; REFERÊNCIAS
1 INTRODUÇÃO
* Doutorando em Mudança Social e Participação Política pela Universidade de São Paulo (USP). Mestre em Direito
pela Universidade Federal da Bahia (UFBA), Especialista em Direito do Estado pela UFBA. Bacharel em Direito
pela UFBA. Advogado. Servidor Público Federal. Ex-Conselheiro Titular do Conselho Nacional do Meio
Ambiente (CONAMA). Coautor da obra “Direito da Saúde Animal” publicado em 2019 pela editora Juruá.
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Revista Direitos Fundamentais e Alteridade, Salvador, v. 4, n. 1, p. 50-79, jan-jun, 2020 | ISSN 2595-0614
O Projeto Genoma Humano (Human Genome Project) - PGH, junto com o Projeto
Manhattan - domínio da tecnologia nuclear - e o Projeto Apollo - domínio da tecnologia
aeroespacial, constituíram-se nas “três grandes empreitadas tecnológicas”1 que a civilização
humana empreendeu durante “o longo século XX”2.
A história mostra que os dois últimos projetos acima citados serviram como instrumento
de dominação por parte do Estado que liderou o desenvolvimento de cada tecnologia envolvida.
O Projeto Manhattan permitiu que os Estados Unidos criassem um armamento nuc lear que,
inclusive chegou a ser utilizado contra o Japão no final da Segunda Guerra Mundial (1939-
1945), enquanto que o Projeto Apollo permitiu aos EUA avançar na corrida aeroespacial contra
a União Soviética durante a Guerra Fria (1950-1990).
Coincidentemente, em que pese a suposta natureza multinacional do PGH, os Estados
Unidos também encabeçaram este Projeto, ao deterem a maior parte das pesquisas e instituições
cientificas envolvidas3.
Nesse contexto, surge a preocupação por parte dos países que não possuem pesquisas
desenvolvidas no ramo da biotecnologia que venham a ser excluídos da revolução
biotecnológica que se descortina no início do século XXI. O temor desta exclusão reside no
perigo de se reproduzir uma nova divisão internacional do trabalhoque diferente da que
ocorreu em tempos pretéritos, consistiria em certos países se especializarem no fornecimento
1 LIMA NETO, Francisco Vieira. Inovações legislativas contra a discriminação genética: noticia sobre as
experiências de Portugal, Estados Unidos e União Européia. In: MINAHIM, Maria Auxiliadora; FREITAS, Tiago
Batista; e OLIVEIRA, Thiago Pires (Org.). Meio Ambiente, Direito e Biotecnologia: estudos em homenagem ao
Prof. Dr. Paulo Affonso Leme Machado. Curitiba: Juruá, 2010. p. 526.
2 Expressão utilizada pelo italiano Giovanni Arrighi, vide: ARRIGHI, Giovanni. O Longo século XX: dinheiro,
poder e as origens de nosso tempo. São Paulo: Ed. UNESP, 1996. passim.
3 Seria um reducionismo bem tacanho afirmar que os cientistas que participaram tanto do PGH quanto do PDGH
são agentes do “biocolonialismo” estadunidense, os pesquisadores enquanto indivíduos não estão sendo objeto da
análise biopolítica. Afinal, a questão é que o domínio da biotecnologia pelos setores público e privado dos Estados
Unidos e de alguns poucos países tem sérias repercussões na geopolítica internacional e no capitalismo
contemporâneo, de modo que os países em desenvolvimento e as populações tradicionais em vulnerabilidade
devem estar atentas a tal circunstância.

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