Foucault: poder como guerra e direito como dominação política
Autor | Juarez Cirino dos Santos |
Cargo | Professor de Direito Penal da UFPR, Presidente do ICPC ? Instituto de Criminologia e Política |
Páginas | 68-73 |
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Ver nota 1
FOUCAULT é conhecido pelo conceito de disciplina, definido em Surveiller et punir (1975), e pelo conceito de biopolítica (ou biopoder social), desenvolvido em Il faut défendre la société (1975-1976). O conceito de disciplina, ou microfísica do poder - estratégia das classes dominantes para criar uma ideologia de submissão -, produz corpos dóceis e úteis, capazes de fazer o que queremos e de operar como queremos, mediante recursos de adestramento fundados no panótico (vigilância hierárquica, sanção normalizadora e exame), cujo modelo exaustivo é a prisão, núcleo da gestão diferencial das ilegalidades promovida pelo sistema de justiça criminal2. O conceito de biopolítica (ou biopoder social) - mecanismos de regularização da tecnologia do poder sobre o conjunto da população viva - se exerce como guerra capaz de fazer viver os portadores de capital humano e deixar morrer os inúteis para as necessidades do mercado3.
No famoso Cours au College de France, FOUCAULT desenvolve conceitos de poder, de direito e de estado capazes de aprofundar a compreensão do processo de luta de classes no capitalismo neoliberal contemporâneo. Primeiro, apresenta a concepção jurídica do poder como direito (e sua analogia com a riqueza), em comparação com a
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concepção marxista do poder como função econômica para manter as relações de produção e reconduzir as relações de dominação de classe, conforme o desenvolvimento das forças produtivas. E indaga se na ótica marxista o poder seria secundário em relação ao econômico, ou se o econômico seria a razão de ser do poder político, que deve assegurar e consolidar as relações econômicas. FOUCAULT reconhece a vinculação do poder político com a manutenção das relações de produção, mas afirma que o poder existe, primariamente, como relação de força, sob a forma de combate, de confronto, de guerra. O poder político é, essencialmente, o que reprime (natureza, instintos, indivíduos, classe social), invertendo o conhecido aforismo: para CLAUSEWITZ, a guerra é a continuação da política por outros meios; para
FOUCAULT, o poder político é a continuação da guerra por outros meios. As relações de poder são relações de força deter-minadas na e pela guerra que, nos tempos
de paz, se reinscrevem nas instituições, nas desigualdades econômicas, na linguagem e nos corpos, de modo constante: a paz civil interior é a continuação das lutas, dos confrontos, da guerra pelo poder, no poder e com o poder, de modo que a decisão final é sempre a guerra, a prova da força das armas, porque o fim da política seria a última batalha4.
Integrando as hipóteses do poder como repressão (REICH) e como confronto de forças (NIETZSCHE) - porque a repressão seria consequência política da guerra, e a opressão seria abuso da soberania política -, FOUCAULT consolida a noção de poder político como guerra, em que a repressão é efeito de relações de dominação, no contexto de aparente paz interior: o poder político é uma relação de guerra que atua por mecanismos de repressão5. E, na acepção do poder como guerra continuada por outros meios, emergem os conceitos de tática e de estratégia, desenvolvidos pela lógica da guerra, mas válidos para a lógica do poder político como relação de forças sociais determinada pela guerra6.
Na acepção do poder como guerra continuada por outros meios, emergem os conceitos de tática e de estratégia, desenvolvidos pela lógica da guerra
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A guerra, princípio de análise das relações de poder, ou critério de inteligibilidade do poder político, exercido mediante enfrentamento ou luta - entre as classes sociais nas relações de poder econômico e político, pode-se acrescentar -, mostra a constituição e a produção da...
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