Formas Alternativas de Resolução de Conflitos: A Necessidade de Uma Mudança da Mentalidade Judicante Brasileira Sob o Prisma do Novo CPC

AutorLuma Gomes Gândara - Diego Abdalla de Oliveira
Páginas12-21

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Introdução

O direito, como regulador das relações sociais e humanas, possui por objetivo principal harmonizar a sociedade, ao estabelecer regras de conduta e convivência que englobam deveres e direitos. Para alcançar tal desiderato, existe a criação de mecanismos de efetivação de direitos, de prevenção e composição de conflitos. É neste contexto que se encontra inserido o presente artigo, que visa analisar os benefícios dos meios alternativos de solução de lides, não somente como meio de desafogar o Poder Judiciário, mas por serem verdadeiras formas positivas de solução para as próprias partes conflitantes Código de Processo Civil desempenha papel preponderante no ordenamento jurídico brasileiro, sendo utilizado, ainda que em caráter residual, em quase todos os demais ramos do direito.

O sistema jurídico brasileiro passou a ser alvo de inúmeras críticas, especialmente devido à sua complexidade e morosidade, além do elevado número de recur-sos e da judicialização de simples conflitos. O novo CPC surgiu em resposta aos desejos de muitos operadores do direito e até mesmo da sociedade, que visa alcançar um processo mais justo, célere e que

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valorize uma maior aplicação dos meios alternativos de solução de conflitos - como a conciliação, a mediação e a arbitragem.

A escolha do tema em análise pode ser justificada em razão de sua relevância social, ao objetivar, em especial, uma mudança de mentalidade para que os aflitos, antes de recorrerem ao Judiciário, tentem buscar soluções amigáveis e consensuais - ao relegar ao Estado-juiz apenas a condição de última instância.

Dessa forma, a problematização central levantada reside nos meios alternativos de solução de conflitos (ao mostrar aqueles que são os principais e no que consistem), ao passar pelo estudo da jurisdição (que é a forma de solução mais buscada atualmente), para, ao final, fazer um paralelo com o novo Código de Processo Civil, que almeja mudanças muito positivas na forma de prestação jurisdicional.

1. Conflitos de interesses e formas de solução

Desde que o homem passou a conviver em sociedade surgiram os conflitos de interesses. É da natureza do homem viver em sociedade, estabelecer relações com outros homens, buscar ideais; e, comumente, ocorre que o instinto humano coloca a paz social em ris-co, emerge assim o conflito.

A esse respeito, Marcus Vinicius Rios Gonçalves (2013, p. 6) explica que "nem sempre os bens e valores estão à disposição em quantidade tal que satisfaça a todos os indivíduos, o que pode provocar disputas".

Surge, então, a necessidade de regulamentação da vida em sociedade, com regras, limites, disciplina, para que a harmonia seja mantida e restabelecida quando irrompida.

Para atingir esse fim, tem-se a criação de métodos de preven-ção e solução de conflitos. Nesse sentido, leciona Fernando Capez (2009, p. 5):

A partir do momento em que o homem passou a conviver em sociedade, surgiu a necessidade de se estabelecer uma forma de controle, um sistema de coordenação e composição dos mais variados e antagônicos interesses que exsurgem da vida em comunidade, ob-jetivando a solução dos conflitos des-ses interesses, que lhe são próprios, bem como a coordenação de todos os instrumentos disponíveis para a realização dos ideais coletivos e dos valores que persegue.

Percebe-se que, "se todos respeitassem estritamente os direitos alheios, e observassem os seus deveres, tais como estabelecidos na legislação, não haveria conflitos" (Gonçalves, 2010, p. 25).

O conflito, portanto, sempre acompanha a vida, e tudo o que vive experimenta, incessantemen-te, estados de conflito, "assim, as sociedades coexistem com os con-flitos e descobrem técnicas de so-lução" (Nascimento, 2009, p. 3).

Essas técnicas de fazer retornar a harmonia da sociedade ficaram conhecidas como formas de solu-ção de conflitos.

1. 1 Formas alternativas de solução de conflitos

Mais difundido e aceito em função da imposição do poder estatal sobre o indivíduo, a tutela prove-niente do Poder Judiciário, como veremos em momento oportuno, é a mais comumente utilizada, socialmente é aceita como principal meio de resolução de conflitos. En-tretanto, existem formas alternati-vas de solução de conflitos, como:

1.1.1 Autotutela

A autotutela é o modo mais ar-caico de solução de conflitos, tam-bém conhecida como autodefesa ou vingança privada. Ocorria pela ausência de Estado-juiz para regular a sociedade.

Nesse momento histórico destaca-se o desequilíbrio de forças entre as partes:

Nas fases primitivas da civilização dos povos, inexistia um Estado suficientemente forte para superar os ímpetos individualistas dos homens e impor o direito acima da vontade dos particulares [...]. Assim, quem pretendesse alguma coisa que outrem o impedisse de obter haveria de, com sua própria força e na medida dela, tratar de conseguir, por si mesmo, a satisfação de sua pretensão. A própria repressão aos atos criminosos se fazia em regime de vingança privada. (Cintra, Grinover e Dinamarco, 2002, p. 21)

Como o próprio significado da palavra traz: auto significa própria, tutela significa proteção, assim se tem autotutela, a própria proteção. Percebe-se que "numa fase inicial das comunidades, não passava de um direito à vingança. A pessoa que sofria um mal podia, pelo próprio arbítrio, ir à desforra, ou buscar fazer justiça pelas próprias forças" (Rizzardo, 2005, p. 33).

A vingança privada se caracterizava por "reações violentas, quase sempre exageradas e desproporcionais" (Estefam, 2012, p. 55). Vale, ainda, dizer que "provocava a reação imediata, instintiva e brutal do ofendido. Não havia regras nem limitações" (Gonçalves, 2010, p. 2).

Com um pouco mais de progresso civilizatório, surgiu a proporção das penas, conforme esclarece André Estefam (2012, p. 55-56):

a ideia de estabelecer algum equilíbrio ou proporcionalidade entre o crime e a pena, e isto se dava por meio do Talião, um processo de Justiça em que ao mal praticado por alguém devia corresponder, tão exatamente quanto possível, um mal igual e oposto.

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Um exemplo muito comum da Lei de Talião é a expressão conhecida como "olho por olho, dente por dente", em que uma pessoa que se visse lesada em um olho, por exemplo, podia, literalmente, lesionar o olho daquele que o havia lesionado na mesma proporção para que a justiça fosse alcançada.

Atualmente, ensina o doutrinador Gonçalves (2010, p. 3), "existem casos excepcionais1 em que o Estado, ciente de sua incapacidade de estar presente em todas as situ-ações possíveis, permite ao titular de um direito a autotutela".

No mais das vezes, quando se pensa em autotutela é ilicitamente, como no caso de exercício arbitrário das próprias razões2, em que as pessoas buscam por seus próprios meios, com ou sem razão, fazer justiça.

Percebe-se, portanto, que a autotutela é uma forma negativa de solução de conflitos, tanto é que, em regra, proibida; admitida somente em casos excepcionais e expressos no ordenamento jurídico.

1.1.2 Autocomposição

Ao contrário da autotutela, a autocomposição é meio pacífico de solução de conflitos e estimulado pelo direito. Consiste em "solução do conflito pelos próprios confli-tantes" (Donizetti, 2012, p. 32). "É a solução altruísta do litígio" (Didier Jr., 2007, p. 69).

A autocomposição "ocorre quando uma das partes integrantes do conflito abre mão do seu inte-resse em favor da outra, ou quando ambas renunciam à parcela de suas pretensões para solucionar paci?-camente suas divergências" (Capez, 2009, p. 7).

Explica Fredie Didier Jr.: "Autocomposição é gênero, do qual são espécies: a) Transação: concessões mútuas; b) Submissão de um à pretensão do outro: reconhecimento da procedência do pedido;

  1. Renúncia da pretensão deduzida." (2007, p. 69, grifo do autor).

É importante lembrar que a autocomposição, apesar de incentivada, não pode ocorrer sempre, isto porque há casos em que não se admitem transação ou renúncia. A esse respeito vale a pena os ensinamentos de Elpídio Donizetti (2012, p. 32): a autocomposição só será possível quando a parte tiver disponibilidade sobre o direito objeto da discussão. Direitos da personalidade (vida, liberdade, honra, incolumidade física, intimidade), direitos de incapazes e direitos relacionados às pessoas jurídicas de Direito Público, dentre outros, porque indisponíveis, não admitem autocomposição (em qualquer de suas formas).

Assim, conclui-se que a auto-composição é considerada legítimo meio alternativo de solução dos conflitos, estimulado pelo direito mediante as atividades consistentes na conciliação (Cintra, Grinover e Dinamarco, 2011, p. 35).

Como visto, a autocomposição é forma positiva e pacífica de solu-ção de litígios, ao ser assim, incentivada pelo direito.

1.1.3 Mediação

A mediação é outra forma posi-tiva de solução de conflitos e inci-tada no meio jurídico.

É técnica de composição dos conflitos em que um "mediador" (um terceiro imparcial) estimula-rá os envolvidos a colocarem fim a um litígio existente ou potencial (Bueno, 2010, p. 43).

O mediador é um terceiro munido de técnicas adequadas, que ouvirá as partes e oferecerá diferentes abordagens e enfoques para o problema, ao aproximar os litigantes e facilitando a composição do litígio (Donizetti, 2012, p. 33).

Percebe-se que o mediador tem por objetivo aproximar as partes e fazer com que elas discutam as causas que levaram ao problema, ao possibilitar que elas reflitam a respeito do litígio. Nesse sentido, tem-se que "a mediação objetiva debater o conflito, surgindo o acor-do como mera...

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