A formação da norma global de responsabilidade individual: mobilização política transnacional, desenvolvimento principiológico e estruturação em regras internacionais e domésticas

AutorMarcelo D. Torelly
Páginas526-568
In: MEYER, Emílio Peluso Neder; CATTONI DE OLIVEIRA, Marcelo Andrade. Justiça
de transição nos 25 anos da Constituição de 1988. 2ª ed. Belo Horizonte: Initia Via, 2014. ISBN
978-85-64912-50-2.
A formação da norma global de
responsabilidade individual
Mobilização política transnacional,
desenvolvimento principiológico e estruturação
em regras internacionais e domésticas
/1.2)∃&∋ΙΤ∋Ο&.)∃∃0!
Resumo: O presente trabalho investiga o processo de
formação da ‘norma global de responsabilidade indi-
vidual’ especialmente desde a perspectiva da justiça de
transição. Para tanto, combina a leitura de teses sobre o
‘ciclo da vida’ das normas globais (Finemore & Sik-
kink) com as leituras divergentes sobre as regras e
princípios em Alexy, Dworkin e Neves. Conclui que a
diferenciação entre regras e princípios no direito mun-
dial é de natureza funcional, e não qualitativa, apontan-
! Pesquisador visitante no Institute for Global Law and Policy,
Harvard Law School (Estados Unidos). Mestre e doutorando em
Direito pela Universidade de Brasília. Foi coordenador-geral de
memória histórica da Comissão de Anistia do Ministério da Justiça
(2007-2013), tendo também dirigido o programa de cooperação
internacional e desenvolvimento de políticas de justiça de transição
mantido pelo Governo Federal em parceria com o Programa das
Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD). Autor do livro
Justiça de Transição e Estado Constitucional de Direito, publicado pela
coleção Fórum Justiça e Democracia (Belo Horizonte: Fórum, 2012),
além de diversos artigos e capítulos sobre justiça transicional,
constitucionalismo e direitos humanos disponíveis em português,
espanhol, inglês e alemão.
A formação da normal global de responsabilidade individual
!
527
do, desde o exemplo da norma global em questão, que
tal diferenciação se dá por meio do desenvolvimento
do conteúdo da própria norma em seu processo de
formação. Ao operarem os instrumentos jurídicos de
maneira persuasiva, demonstrativa ou mecânica, os atores
estratégicos gradualmente criam e reduzem complexi-
dades. Neste processo, a capacidade de mobilização
social em torno dos atores estratégicos gradualmente
altera a percepção de adequação do direito, produzindo
mudanças interpretativas e formações de consensos
parciais que alteram as decisões, gerando novas formas
de consistência, que alteram o modo como dispositivos
legais são interpretados no direito internacional e do-
méstico, transformando expectativas políticas em prin-
cípios, dos quais derivam decisões redutoras de com-
plexidade que, finalmente, estabilizam regras capazes
de operar de forma consistente no novo contexto social.
Palavras-chave: 1. Norma Global de Responsabilidade
Individual; 2. Princípios; 3. Regras; 4. Justiça de Transi-
ção; 5. Constitucionalismo; 6. Direito Internacional.
Abstract: This article analyzes the formation of the
‘global norm of individual accountability’ from the
transitional justice perspective. It combines thesis on
the norms ‘cycle of life’ (Finemore & Sikkink) with di-
vergent readings on norms nature from Alexy,
Dworkin, and Neves. It concludes that the differentia-
tion of rules and principles in global law is functional,
not qualitative, pointing that this differentiation hap-
pens on the development of the norm itself. Operating
legal tools for persuasion, demonstration, or mechanical
application, law field players gradually create and re-
duce complexity. In the process, the capacity of social
mobilization around strategic actors of the legal field
changes the perception of Law’s adequacy, leading to
new interpretations and consensus and, finally, to new
forms of Law consistency, reshaping the way legal tools
are interpreted and applied domestically and interna-
tionally. In the process, political expectations are con-
Marcelo D. Torelly
!
528
solidated into legal principles; principles are applied in
decisions that reduce social complexity and, finally;
generate stable rules that consistently operates in the
new social context.
Keywords: 1. Global Norm of Individual Accountabil-
ity; 2. Principles; 3. Rules; 4. Transitional Justice; 5.
Constitutionalism; 6. International Law.
1. Introdução
Uma crescente literatura especializada vem
apontando o surgimento de uma chamada “norma
global de responsabilidade individual” em resposta as
graves violações praticadas conta os direitos humanos.
Os direitos humanos, de muito, são considerados um
dos pilares do constitucionalismo moderno, entendidos
como uma resposta contra majoritária à vontade da
popular, e, neste sentido, a insurgência de tal norma
global caracteriza-se por excelência como matéria cons-
titucional em uma perspectiva não necessariamente
doméstica ou internacional, mas sim transconstitucio-
nal, atravessando tanto o chamado “direito internacio-
nal”, quando o “direito doméstico”.#
Os principais debates em teoria constitucional
doméstica desde os anos 1970 estruturam-se desde
uma perspectiva principiológica, com um vasto conjun-
to de autores redimensionando a teoria jurídica para
comportar não apenas regras estruturadoras de condutas,
mas também princípios matizadores que permitem a ex-
tração de normas de decisão em casos onde a situação
fática submetida à apreciação judicial não se encontra
Payne, Leigh A.; Abrão, Paulo; Torelly, Marcelo D. “A Anistia na Era
da Responsabilização: contexto global, comparativo e introdução ao
caso brasileiro”. In: Payne, Leigh A.; Abrão, Paulo; Torelly, Marcelo D.
(orgs.). A Anistia na Er a da Respon sabilização. Brasília/Oxfo rd:
Ministério da Justiça/Universidade de Oxford, 2011, pp. 18-31.
# Neves, Marcelo. Transconstitucionalismo. São Paulo: WMF, 2011.

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT