A formação da desigualdade regional, suas premissas e a questão do nordeste brasileiro
Autor | Mariana Loureiro Gama, Hertha Urquiza Baracho |
Páginas | 235-254 |
Mariana Loureiro Gama • Hertha Urquiza Baracho
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Revista Direito e Desenvolvimento, João Pessoa, v. 5, n. 10, p. 235-254, jul./dez. 2014
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nenhuma inovação com a expressão “cooperação”. Na realidade, a diferença é o que se
entende por cooperação, que, no federalismo cooperativo, é bem diferente do modelo clássico
de colaboração mínima e indispensável.
Dentre as complexas relações de interdependência entre a União e os entes federados,
no federalismo cooperativo, devemos distinguir a coordenação da cooperação propriamente
dita. A coordenação é, na realidade, um modo de atribuição e exercício conjunto de
competências no qual os vários integrantes da Federação possuem certo grau de participação.
A vontade das partes é livre e igual, com a manutenção integral de suas competências: os
entes federados sempre podem atuar de maneira isolada ou autônoma. A coordenação de um
procedimento que busca um resultado comum e do interesse de todos. A decisão comum,
tomada em escala federal, é adaptada e executada autonomamente por cada ente federado,
adaptando-a às suas peculiaridades e necessidades.
A materialização da coordenação na repartição de poderes são as competências
concorrentes. A União e os entes federados concorrem em uma mesma função, mas com
âmbito e intensidade distintos. Cada parte decide, dentro de sua esfera de poderes, de maneira
separada e independente, com a ressalva da prevalência do direito federal. Esse tipo de
repartição é o previsto pelo artigo 24 da Constituição Federal de 1988.
Na cooperação, nem a União nem qualquer ente federado pode atuar isoladamente,
mas todos devem exercer sua competência conjuntamente com os demais. Na repartição de
competências, a cooperação se revela nas chamadas competências comuns, consagradas no
artigo 23 da Constituição de 1988. Nas competências comuns, todos os entes da Federação
devem colaborar para a execução das tarefas determinadas pela Constituição. E mais: não
existindo supremacia de nenhuma das esferas na execução dessas tarefas, as responsabilidades
também são comuns, não podendo nenhum dos entes da Federação se eximir de implementá-
las, pois o custo político recai sobre todas as esferas de governo. A cooperação parte do
pressuposto da estreita interdependência que existe em inúmeras matérias e programas de
interesse comum, o que dificulta (quando não impede) a sua atribuição exclusiva ou
preponderante a um determinado ente, diferenciando, em termos de repartição de
competências, as competências comuns das competências concorrentes e exclusivas.
O interesse comum viabiliza a existência de um mecanismo unitário de decisão, no
qual participam todos os integrantes da Federação. Na realidade, há dois momentos de decisão
na cooperação. O primeiro se dá em nível federal, quando se determina, conjuntamente, as
medidas a serem adotadas, uniformizando-se a atuação de todos os poderes estatais
competentes em determinada matéria. O segundo momento ocorre em nível estadual ou
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regional, quando cada ente federado adapta a decisão tomada em conjunto às suas
características e necessidades. Na cooperação, em geral, a decisão é conjunta, mas a execução
se realiza de maneira separada, embora possa haver, também, uma atuação conjunta,
especialmente no tocante ao financiamento das políticas públicas.
A fonte da cooperação federal é a Constituição. Fora dos casos expressamente
previstos no texto constitucional (obrigatórios ou facultativos), predomina o princípio da
separação e independência no exercício das competências constitucionais. No caso brasileiro,
complementar prevista no parágrafo único do mesmo artigo, serão obrigatórias para a União e
todos os entes federados. A lei complementar prevista não poderá retirar nenhum ente da
titularidade das competências comuns, nem restringi-las (ROCHA, 1997).
Há, dentro das correntes que combatem o Estado Social, alguns autores que
consideram a repartição de competências prevista na Constituição de 1988, especialmente a
dos artigos 23 e 24, “irracional”. Para eles, a repartição deveria ser clara, com a eliminação
das competências concorrentes (não distinguem as competências concorrentes das comuns),
por alargarem a “margem da irracionalidade”. As competências, ainda, deveriam ser
descentralizadas para estados e municípios (CAMARGO, 1994).
5 FUNDAMENTOS DA POLÍTICA BRASILEIRA DE DESENVOLIVMENTO
REGIONAL
5.1 O NORDESTE E AS QUESTÕES REGIONAIS
O problema do Nordeste foi, por muito tempo, entendido como restrito às secas. A
maior parte das inversões públicas na região dirigiu-se às políticas de caráter assistencial do
combate às secas ou ao apoio de setores exportadores, especialmente a produção açucareira. A
construção de uma infraestrutura, como estradas e açudes, esteve sempre ligada aos interesses
de latifundiários, não propriamente a uma política regional. A própria presença do Estado
como agente econômico não era muito forte no Nordeste até a década de 1950, atuando
apenas por meio das ferrovias, da Companhia Hidrelétrica do São Francisco (CHESF) e
órgãos federais de assistência. Só se pode falar em política econômica e política de
desenvolvimento para o Nordeste a partir da Superintendência do Desenvolvimento do
Nordeste (SUDENE), em 1959. Antes da SUDENE, os vários órgãos federais não tinham
como finalidade explícita o planejamento do desenvolvimento regional (OLIVEIRA, 1993).
O primeiro desses órgãos foi criado em 1909, pelo Decreto-Legislativo n. 7.619/1909:
a Inspetoria de Obras Contra as Secas (IOCS), que era uma repartição do Ministério da
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