Food law and risk in modern society: Amazon and agribusiness/ Direito alimentar e risco na sociedade moderna: a Amazonia e o agronegoao.

AutorZuin, Aparecida Luzia Alzira

Introducao

As doencas decorrentes dos modos alimentares como, por exemplo, a obesidade, podem ser tratadas de um caso particular no contexto da sociedade moderna, porque essa doenca esta presente em pessoas de baixa renda, mas, tambem, nas com maior poder aquisitivo; e encontrada em paises de Primeiro Mundo e em paises subdesenvolvidos; conferindo que o problema incide sobre "o que se come" e nao (tao somente) na "quantidade que se come".

De acordo com o levantamento da Vigilancia de Fatores de Risco e Protecao para Doencas Cronicas, do Ministerio do Meio Ambiente (MMA) (1), sobre o estilo de vida (alimentacao e atividades fisicas) da populacao brasileira, em 2014 temos: 52,5% da populacao esta acima do peso ideal. Ha nove anos, segundo a pesquisa, o excesso de peso atingia 43% das pessoas--o que representa crescimento de 9,5% no periodo. Tambem aumentou a proporcao dos que tem mais de 18 anos e sao obesos (17,9%), considerando obesa a pessoa com indice de massa corporal (IMC) acima de 30. O IMC de "excesso de peso" varia entre 25 e 30. No Brasil, 56,9% das pessoas com mais de 18 anos estao com excesso de peso, ou seja, tem um IMC igual ou maior do que 25. Alem disso, 20,8% das pessoas sao classificadas como obesas por terem IMC igual ou maior do que 30--a obesidade e fator de risco importante para doencas como hipertensao, diabetes e cancer. A Organizacao Mundial da Saude (2) aponta a obesidade como um dos maiores problemas de saude publica no mundo. A projecao e de que, em 2025, cerca de 2,3 bilhoes de adultos estejam com sobrepeso; e mais de 700 milhoes, obesos. O numero de criancas com sobrepeso e obesidade no mundo pode chegar a 75 milhoes, caso nada seja feito (dados do Mapa da Obesidade no Mundo). (3)

Por isso, as questoes do risco estao intrinsecas nessa discussao, haja vista que o emprego de tecnologias como meios para aumentar a producao de alimentos, com discursos servindo aos propositos de saciar a fome no mundo, perpassa pelas naturezas politica, cientifica, preventiva, educativa etc. E a pergunta e: como na sociedade contemporanea, com tanta tecnologia a favor do desenvolvimento, ainda existe fome e/ou risco de faltar alimentos; existe doencas de natureza alimentar? O argumento que se tem e de que a civilizacao avancada, que surgiu para abolir os perigos iminentes de catastrofes, ainda nao conseguiu encontrar sustentacao ou equilibrio favoravel para eliminar os complexos problemas sociais que ela mesma produz. O paradoxo presente na sociedade moderna e: mais seguranca, mais riscos; mais producao de alimentos, mais fome; mais paz, mais guerras. Nessa direcao, sob a perspectiva do estudo do risco nas sociedades complexas, projeto elaborado por Niklas Luhmann e Raffaele De Giorgi, desenvolvido pelo Centro de Estudos do Risco (Italia), (4) serve-nos para observar e descrever, mediante analise teorico-empirica, os modos pelos quais a sociedade produz vinculo com o alimento, seja em relacao com os subsistemas historico, cultural, economico, juridico, politico, seja em outros. O alimento passa a ser, aqui, tema do "risco".

Por outro lado, tem-se em conta a necessidade da comunicacao e da informacao em prol da producao e do consumo responsavel dos alimentos atrelados a educacao alimentar. Dentre os principios considerados atuais e/ou modernos, nesse caso encontra-se o Direito Alimentar em defesa da educacao e da informacao dos cidadaos sobre o que se deve comer, da economia voltada as garantias da existencia digna e da tutela da qualidade da producao local ante os produtos externos desprovidos de certificacao, e outros interesses macrodinamicos que caracterizam a producao e a interpretacao das regras que dizem respeito ao direito alimentar; as politicas de saude e economia e a cultura alimentar, como, ainda, o uso de agrotoxicos e da monocultura agricola.

Quanto ao ordenamento juridico brasileiro, a Lei Organica de Seguranca Alimentar e Nutricional (Losan--Lei no 11.346/2006), elaborada com o objetivo de tratar sobre os alimentos e a saude nutricional, e a mais conhecida, tambem porque, no conteudo de seus dispositivos encontra-se o artigo 3[degrees], que cria o Sistema Nacional de Seguranca Alimentar e Nutricional (Sisan), com vistas ao asseguramento do direito humano a alimentacao adequada, a cultura alimentar, a efetivacao dos direitos basicos dos consumidores: saude, seguranca, informacao, educacao, alimentacao em quantidade suficiente e com qualidade [Lei Organica de Seguranca Alimentar e Nutricional--LOSAN (no 11.346/2006)--SISAN]. Afinal, a comida e o resultado daquilo que o homem pode fazer e sabe fazer, pensa para fazer, e o emprego de muitos gestos e muitas ideias, que se sobrepoem ao longo da historia; esse resultado comeca desde a escolha da materia-prima que reconhecemos comestivel ou bebivel, ate a escolha da louca para compor ou abrigar o alimento, os talheres eleitos para saborea-lo, os acessorios para servir um vinho ou beber a agua, e os modos escolhidos para a producao de alimentos.

E por essa razao que destinamos o presente trabalho para a Regiao Amazonica, haja vista ser o local onde a producao de alimentos, via agronegocio, tem se expandido constantemente, o que significa dizer que a Amazonia se tornou o lugar das commodities agricolas e da producao mundial de alimentos (o alimento como mercadoria na sociedade de consumo em massa).

Seguranca e Risco e seus efeitos de sentido na alimentacao global

A globalizacao transformou o modelo agricola, o estilo de vida alimentar das pessoas e alterou, consequentemente, o acesso aos alimentos. Para atender ao estilo alimentar globalizado, o processo produtivo passou a empregar a mecanizacao da atividade agricola, o uso dos agrotoxicos, a criacao dos animais em confinamento, o desenvolvimento de sementes geneticamente modificadas; consequencias do dito discurso que e preciso utilizar todos os metodos para gerar alimentos a fim de saciar a fome do mundo.

Boaventura Souza Santos destaca que a globalizacao e um processo cujas barreiras geograficas sao minimizadas, permitindo o intercambio de informacoes entre os povos, em que a alimentacao e apenas parte deste. Na verdade, a globalizacao e direcionada por meio de vetores estruturais da sociedade, como a economia, a politica, a producao agricola e ate mesmo a midia. Possui como caracteristica essencial a desterritorialidade (5), ja que as estruturas de poder estao dispersas pelo mundo. Nesse contexto, Santos afirma ainda que "a globalizacao e, de certa forma, o apice do processo de internacionalizacao do mundo capitalista", que se concretiza atraves da urbanizacao e do consumismo desenfreado baseado em necessidades criadas pelo marketing, em um sistema onde producao e consumo sao os pontos extremos e o lucro o objetivo final.

Nesse contexto, o processo de evolucao social, seja ele juridico, economico ou politico, causa impactos na estrutura de sistemas sociais, seja em virtude dos novos direitos que vao sendo solicitados para atenderem as demandas complexas, seja pela legitimacao de poder atraves da economia e da politica, ou ainda porque a funcao de reducao da complexidade, inerente a funcao de cada sistema, incrementa a propria complexidade. E de onde se origina toda essa natureza complexa? Respondemos que e pela comunicacao, haja vista que e ela que estrutura um sistema social. Afinal, e por meio da comunicacao que fazemos as coisas presentes no mundo funcionar, ter valores positivos ou negativos, ter garantias ou nao, ser funcionais ou disfuncionais. Significa que os sentidos das coisas residem nos modos como os sujeitos os determinam para se interagirem. Comunicacao e, entao, o processo interativo, o estar com o outro no sentido de ser "igual" aqui, agora, ali, alhures.

E a comunicacao que orienta e da funcionalidade a universalidade. Liberta ou oprime as pessoas. E por quais motivos estamos trazendo a comunicacao para esse contexto? Justamente porque nos propomos a conceituar, dar sentido as coisas. Luhmann ja afirmava que o sentido e a premissa para a elaboracao de toda experiencia; o sentido das coisas apresenta-se como excedente das referencias de um dado experimento ulterior dentro das possibilidades de experimentar; o sentido e a propria imanencia das coisas.

A comunicacao pode fazer surgir a "impressao de que parte consideravel da populacao viva com medo ao futuro", se sinta desprotegida ou protegida. Significa dizer que os eventos que causam danos perpassam pela percepcao, ou, ainda, pelos sentidos que movimentam as causas e suas consequencias. Assim, e a propria sociedade que produz e ao mesmo tempo se torna destinataria da comunicacao, repetindo continuamente as operacoes de modo a assegurar sua automanutencao e autocriacao. Como apregoa De Giorgi: "Em sua evolucao os sistemas sociais (como o direito alimentar) produzem continuamente artefatos semanticos, contextos descritivos, mediante os quais a unidade dos sistemas e representada". (6) Para compreender, a semantica sensibiliza a sociedade para que ela possa apreender os sentidos da pratica social; a pratica social dos sentidos. O sistema social e, desse modo, autoproduzido mediante a circularidade e a reflexividade dos seus proprios elementos, isto e, comunicacoes. Assim, a comunicacao nao se encerra em si mesma, na sua mera realidade, ela se constitui unicamente com referencia a outras possibilidades de comunicacao; a comunicacao e pensamento, consciencia e, como tal, acompanha a realidade e se funda em termos contextuais. Na Teoria dos Sistemas, isso significa que a comunicacao se autorreferencia, isto e, uma comunicacao pode se referir a outra (um pensamento a outro pensamento; uma consciencia a outra consciencia).

Segundo De Giorgi, na Teoria dos Sistemas, a sociedade seria um grande sistema, no interior do qual as outras relacoes sociais se operam e se reconstroem a partir de seus proprios elementos (autopoiesis). Com essa propositura, evidencia que o direito possui mecanismos de auto-organizacao produzidos...

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