Corrupção e evasão fiscal no Brasil: duas práticas de efeitos idênticos

AutorJoacir Sevegnani/Pablo Franciano Steffen
CargoProfessor de Direito Tributário e Direito Constitucional (Centro Universitário para o Desenvolvimento do Alto Vale do Itajaí ? UNIDAVI) Doutor em Ciência Jurídica (Universidade do Vale do Itajaí ? UNIVALI)/Advogado Professor de Direito Tributário, Empresarial e Direito das Obrigações (Centro Universitário para o Desenvolvimento do Alto Vale...
Páginas28-32

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Na acepção etimológica, o termo corrupção deriva do latim rumpere, equivalente a romper, dividir, gerando o vocábulo corrumpere, que por sua vez, significa deterioração, depravação ou alteração1.

O fenômeno remonta à Anti-guidade e não passou despercebido à própria Bíblia2. Pode-se afirmar com segurança que, em maior ou menor grau, sempre fez parte da história da humanidade, como uma doença crônica quase incurável.

Na Grécia, a preocupação maior com a corrupção estava relacionada à degradação das virtudes que deviam ser cultivadas pelos cidadãos. Agia como agente corruptor aquele que proclamava condutas contrárias aos ideais de justiça e bem-estar dos membros da cidade-estado. Como apregoava Sócrates3 aos seus discípulos, o homem devia se guiar pela constante busca do verdadeiro bem, agindo em conformidade com a sua consciência, visando a excelência humana. A corrupção tinha então o significado de mal causado a outros homens, não apenas por meio de práticas ilícitas, com vista à obtenção de vantagem particular, mas, sobretudo, por ações e palavras que contribuíssem para o desvirtuamento dos comportamentos sociais.

Na linguagem moderna, caracteriza-se principalmente como um desvio de conduta praticado por uma ou mais pessoas, visando o interesse particular, em detrimento do bem comum, envolvendo em geral, membros da administração pública. Por isso, aos olhos do leigo, a corrupção é vista como a vantagem indevida que o agente público obtém para si ou para terceiros, relegando a plano secundário os legítimos fins contemplados nas normas. Uma análise mais acurada torna evidente que a corrupção não está restrita ao espaço de atuação dos poderes públicos, mas permeia toda a sociedade.

Se é nos governos ditatoriais que a corrupção encontra o ambiente mais adequado para proliferar-se, pois não existem ou são poucos os mecanismos de controle da atuação estatal, nas democracias, com a ascensão do povo ao poder e a constante alternância dos dirigentes das organizações públicas, ela tende a ser menor. Entretanto, a sua propagação ocorre também nos países com debilidade democrática, em virtude das limitações dos instrumentos de controle, da inexistência de mecanismos aptos a manter a administração adstrita à legalidade, da arbitrariedade do poder e da consequente supremacia do interesse dos detentores do poder público em prejuízo do anseio coletivo4.

É que como anteviu Montesquieu, para que um Estado democrático possa consolidar os

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princípios que o sustentam, é preciso, sobretudo que os seus cidadãos possuam um forte sentimento de patriotismo, no sentido de amor às leis e à pátria. Esse amor conduz a excelência dos costumes, fortalece a solidariedade e, por consequência, afasta a ambição descomedida dos interesses particulares, causa primeira da corrupção5.

No Brasil, um país com uma democracia ainda frágil, vez que se trata de uma conquista recente, a corrupção é vista por diversos historiadores como desdobramento ou reflexo de fatos que remontam ao período colonial. Na opinião de Holanda, a herança portuguesa, com seus costumes e valores, influenciaram por longa data o caráter dos brasileiros.

“À frouxidão da estrutura social, à falta de hierarquia organizada devemse alguns dos episódios mais singulares da história das nações hispânicas, incluindo-se nelas Portugal e o Brasil. Os elementos anárquicos sempre frutificaram aqui facilmente, com a cumplicidade ou a indolência displicente das instituições e costumes. As iniciativas, mesmo quando se quiseram construtivas, foram continuamente no sentido de separar os homens, não de os unir. Os decretos dos governos nasceram em primeiro lugar da necessi-dade de se conterem e de se refrearem as paixões particulares momentâneas, só raras vezes da pretensão de se associarem permanentemente as forças ativas.”6

Para o autor, a gente brasileira herdou dos portugueses da época uma compreensível tendência à ociosidade, por ser este um valor considerado nobilitante para um bom português. A carência moral em relação ao valor do trabalho causava, por consequência, certa tolerância e displicência às normas e uma reduzida capacidade de organização social. A solidariedade entre eles se restringia às relações de interesse no recinto doméstico, ou entre amigos7.

Seguindo essa linha, Barbosa acrescenta que essas características que, em parte, arraigaram-se na sociedade brasileira, ainda podem ser percebidas em pequenas ações de burla da lei, com o propósito de privilegiar o interesse particular. É facilmente constatável que, para muitos indivíduos, as normas legais proibitivas não significam propriamente uma negação ou uma barreira definitiva que não possa ser transposta. Assim, por exemplo, enquanto o “não” de um guarda inglês é considerado pelo agente receptor da ordem, como definitivo, categórico e irrecorrível, o não do guarda brasileiro é interpretado, muitas vezes, como um “talvez” que, dependendo da situação, ou mesmo da conversa, pode transmudar-se para um “sim”8.

Esse jeitinho brasileiro, que em seu lado mais perverso pode exemplificar-se na lei de Gérson9, decorre ainda, na avaliação da autora, da sistemática de funcionamento da administração portuguesa, que era autoritária, paternalista, particularista e ad hoc. A legislação era confusa, detalhista e nume-rosa, e mesmo o Código Filipino estabelecido em 1603 mantinha idênticas peculiaridades. Como decorrência, o caráter português da época tinha como características o desrespeito às leis, diante da complexidade jurídica; a tolerância com a corrupção, resultado da baixa expectativa de serviço público honesto; e a falta de responsabilidade civil, que se resumia na ênfase acentuada nas relações pessoais de amizade e de família, importando uma valoração maior da pessoa e menos da norma10.

Independente das origens que deram causa a esses comportamentos sociais, Oliveira vê a sociedade brasileira carente de princípios éticos, o que se traduz em corrupção generalizada, clientelismo, autoritarismo, demagogia de diferentes níveis, oportunismo, irresponsabilidade e prepotência como norma no exercício da administração pública. Com isso, instalou-se uma crise nos valores básicos da vida política, produzindo, por consequência, uma crise de legitimação das instituições e dos costumes vigentes11.

Mas, apesar desse quadro, o autor revela-se otimista ao constatar que, sob outro prisma, vive-se um momento de choque de ideias, entre o antigo e o novo, que vem provocando, gradativamente, um senso novo de justiça, consciência maior dos direitos e da importância da união no processo de transformação da vida em comunidade.

“Em determinados grupos, já se observa uma mudança de aspirações: não se trata mais simplesmente de crescer no ter e no fazer, mas de transformar a sociedade irracional. Constrói-se, a partir daqui, um novo estilo de vida, onde o problema dos fins da sociedade e do sentido da vida em comum é reposto como problema central. Os grupos alternativos estão pressionando para que se atente de novo à dignidade do homem enquanto ser essencialmente comunitário e livre.”12

No que diz respeito às questões...

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