Financiamento de infraestrutura, complexidade negocial, contratos coligados e project finance

AutorGilberto Bercovici
Páginas109-128
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FINANCIAMENTO DE
INFRAESTRUTURA, COMPLEXIDADE
NEGOCIAL, CONTRATOS
COLIGADOS E PROJECT FINANCE
Em decorrência da função central que desempenham na socieda-
de, as ações de infraestrutura apresentam alta complexidade em sua
concepção, implantação e operação. Os economistas logo identificaram
que os modelos gerais de elaboração de projetos, avaliação de riscos,
estimativa de custos, formas de financiamento e formação de preços eram
insuficientes para lidar com a complexidade de empreendimentos de
infraestrutura.1 A mesma necessidade de se ajustar o instrumental teóri-
co convencional às exigências diferenciadas dos negócios complexos de
infraestrutura verifica-se no campo do direito, tanto para o desenho
contratual das operações, quanto para a interpretação dos negócios ju-
rídicos que as viabilizam.
O project finance é “um modelo de engenharia financeira para estruturação
de financiamentos de longo prazo com o escopo de viabilização de projetos de gran-
de porte, baseado na recuperação dos valores investidos a partir, exclusivamente,
1 FREY, René L.”Infrastruktur” In: ALBERS, Willi & ZOTTMANN, Anton. (orgs.).
Handwörterbuch der Wirtschaftswissenschaft. Stuttgart/Tübingen/Göttingen: Gustav Fischer/
Mohr Siebeck/Vandenhoeck & Ruprecht, 1978. Vol. 4, pp. 207-211.
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GILBERTO BERCOVICI
das receitas geradas pela operação do próprio empreendimento; depende de
uma análise detalhada dos riscos de construção, operação e geração de receita
e de sua alocação entre empreendedores, investidores e outras partes mediante
ajustes contratuais e demais acordos”.2 Trata-se de uma técnica relativa-
mente nova, desenvolvida nos mercados financeiros do eixo anglo-
saxão e que se ampliou para mercados de diferentes matrizes jurídicas,
a partir da atuação cross-border de grandes investidores, como os ban-
cos comerciais multinacionais, os organismos multilaterais de fomen-
to (Banco Mundial e instituições correlatas de crédito à exportação)
e os fundos de pensão.3
O “project finance” não pode ser simplificado à tradução de “finan-
ciamento de projetos”, pois empreendimentos podem ser financiados
de diferentes formas. Em razão de sua origem estrangeira, optamos por
manter a terminologia original ao longo do texto, de forma a advertir
constantemente para a singularidade da operação. Nos países centrais,
observa Edward Yescombe4, tradicionalmente os projetos públicos de
infraestrutura de grande porte eram financiados exclusivamente com
recursos do orçamento, enquanto projetos de grande porte do setor
privado eram executados por grandes empresas que contraíam financia-
mentos corporativos. Nos países periféricos, por outro lado, todos os
empreendimentos de grande porte eram custeados pelo poder público,
que, para tanto, obtinha recursos junto a bancos comerciais estrangeiros
ou instituições de fomento internacionais.
2 YESCOMBE, Edward R. Principles of Project Finance. Amsterdam: Academic Press, 2002.
p. 1: “Project nance is a method of raising long-term debt nancing for major projects
through “nancial engineering,” based on lending against the cash ow generated by
the project alone; it depends on a detailed evaluation of a project’s construction,
operating and revenue risks, and their allocation between investors, lenders, and other
parties through contractual and other arrangements”.
3 Para uma descrição da implantação de operações de project finance em mercados centrais
e periféricos, Vide DAVIS, Henry A. Project Finance: Practical Case Studies. Vol. 1:
Power and Water, 2ª ed. London: Euromoney Books, 2003; e, do mesmo autor, Project
Finance: Practical Case Studies. Vol. 2: Resources and Infrastructure. London: Euromoney
Books, 2003.
4 YESCOMBE, Edward R. Principles of Project Finance. Amsterdam: Academic Press,
2002. p. 2.

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