Fim: Mais Além do Direito

AutorFrancesco Carnelutti
Ocupação do AutorAdvogado e jurista italiano
Páginas119-127

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Talvez agora, ao final destes colóquios, tenha-se compreendido mais claramente, do que podia compreender-se no princípio deles, o valor que tem a questão penal para a civilidade.

Civilidade, humanidade, unidade são uma só coisa: trata-se da possibilidade alcançada pelos homens de viver em paz. Todos nós temos um pouco da ilusão de que os delinquentes são os que perturbam a paz e de que a perturbação pode eliminar-se, separando-os dos outros; assim, o mundo se divide em dois setores: o dos civis e o dos incivis; uma espécie de solução cirúrgica do problema da civilidade. Aqui a ideia se expõe,

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como ocorre sempre quando se trata de simplificar a expressão, em termos paradoxos, mas não seria difícil demonstrar que a ideia corresponde exatamente ao modo de pensar comum, empírico, científico e até filosófico.

Está bem: como se faz para distinguir os incivis dos civis? O único meio para distinguir é o juízo; e é necessário fazer a experiência amarga do juízo penal para começar a compreender a advertência de Jesus. Infelizmente, quase todas as palavras de Jesus são, todavia, incompreendidas. Essas palavras estão demasiado carregadas de pensamento para que nós, pobres homens, possamos apreciá-las. Elas nos deslumbram como quando se trata de olhar o sol. Os intérpretes teriam o ofício de decompor a luz em um arco-íris; mas são eles, ao final de tudo, pobres homens também. Certamente, entre as proposições do Evangelho uma das mais paradoxas é o nolit iudicare. Todo o ordenamento do direito, cuja essência é o juízo, e do processo em particular, parece que contradiz essa proposição. É natural que aqueles pensadores, que se negam a reconhecer algum valor jurídico no Evangelho, encontrem na desvalorização do juízo seu mais firme ponto de apoio. Mas bastaria um pouco de conhecimento pe-

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nal prático para corrigir suas ideias. Tem-se dito que o processo é aquele instituto no qual se manifestam todas as deficiências e as impotências do direito; pode-se agregar que o penal é a espécie que expõe melhor de manifesto as deficiências e as impotências do processo. À medida que a experiência do processo penal se aprofunda e se afina, passa-se a apreciar, no esplendor alucinante da advertência divina, as linhas da verdade. Motivo pelo qual, a meu ver, devo a essa advertência o milagre de ter renascido.

Como se faz, pois, para distinguir os incivis dos civis por meio do frágil juízo humano? A primeira coisa que ensina a experiência...

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