O Fim do Programa de Aquisição de Alimentos: reviravoltas para mulheres extrativistas em Sergipe

AutorHeribert Schmitz - Dalva Maria da Mota - Glaucia Macedo Sousa
CargoDoutor em Sociologia Rural, professor de Sociologia da Universidade Federal do Pará - Doutora em Sociologia, pesquisadora da Embrapa Amazônia Oriental - Doutoranda no Programa de Pós-graduação em Sociologia e Antropologia (PPGSA) da UFPA, Belém
Páginas80-103
DOI: http://dx.doi.org/10.5007/2175-7984.2016v15nesp1p80
80 80 – 103
O Fim do Programa de Aquisição
de Alimentos: reviravoltas para
mulheres extrativistas em Sergipe1
Heribert Schmitz2
Dalva Maria da Mota3
Glaucia Macedo Sousa4
Resumo
O objetivo do artigo é analisar a experiência de um grupo de mulheres extrativistas, catadoras
de mangaba, após cinco anos de participação no Programa de Aquisição de Alimentos (PAA).
A pesquisa foi realizada no povoado Pontal, Indiaroba, Sergipe, por meio de um estudo de caso
com observações e entrevistas. As principais conclusões mostram que a execução do PAA:
i) proporcionou a concretização de importantes demandas das catadoras de mangaba; ii) possi-
bilitou a participação em um comércio justo; e iii) incentivou a mobilização delas e de parceiros
fundamentais. O f‌im do PAA, entretanto, provocou: i) desmobilização por uma causa comum,
a comercialização; ii) intensif‌icação da diversidade de ocupações com maior precarização; e
iii) maior diferenciação social.
Palavras-chave: Catadoras de mangaba. Programa de Aquisição de Alimentos. Políticas públi-
cas. Comercialização.
1 Introdução
O tema do artigo é a inuência do Programa de Aquisição de Alimentos
(PAA)5 na estruturação duradoura das práticas produtivas e de comercializa-
ção nos mercados locais de extrativistas de mangaba, autodesignadas “catado-
1 Pesquisa f‌inanciada com recursos do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científ‌ico e Tecnológico (CNPq)
do Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT).
2 Doutor em Sociologia Rural, professor de Sociologia da Universidade Federal do Pará (UFPA), Belém/PA,
bolsista de produtividade do CNPq. E-mail: heri@zedat.fu-berlin.de.
3 Doutora em Sociologia, pesquisadora da Embrapa Amazônia Oriental, Belém/PA, bolsista de produtividade do
CNPq. E-mail: dalva.mota@embrapa.br.
4 Doutoranda no Programa de Pós-graduação em Sociologia e Antropologia (PPGSA) da UFPA, Belém/PA.
E-mail: glauciarusso@ymail.com.
5 O Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) foi criado pelo artigo 19 da Lei n.º 10.696, de 2 de julho de
2003.
Política & Sociedade - Florianópolis - Vol. 15 - Edição Especial - 2016
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ras de mangaba” (MOTA et al., 2011), que, depois de cinco anos, tiveram a
participação no PAA interrompida.
O PAA foi constituído pelo Governo Federal em 2003 como uma das
ações estruturantes do Programa Fome Zero e tem como objetivo central
“[...] garantir o acesso aos alimentos em quantidade, qualidade e regulari-
dade necessárias às populações em situação de insegurança alimentar e nu-
tricional e promover a inclusão social no campo por meio do fortalecimento
da agricultura familiar” (BRASIL, 2012). Cumpre duas nalidades, as quais
representam uma simbiose entre política agrícola e política social, “[...] com
o mesmo recurso orçamentário” (DELGADO, 2013, p. 6). A primeira é ga-
rantir o acesso aos alimentos, a segunda é promover a produção rural com
ênfase na comercialização dos produtos dos agricultores familiares, categoria
de ação política constituída na década de 1990 e que pela lei inclui diferentes
tipos de produtores familiares como agricultores, pescadores, silvicultores e
extrativistas, dentre outros. Vários autores incluem as “compras públicas das
diversas esferas de governo”, a exemplo do citado programa, na perspectiva
de um comércio justo e solidário (NUNES; SILVA, 2011; SCHMITT, C. J.,
2011; SCHMITT, V. G. H., 2011).
Em mais de uma década de existência, pesquisadores como Chmielewska,
Souza e Lourete (2010), Grisa et al. (2011) e Delgado (2013) estudam os
diversos efeitos e mudanças que o programa causou nos processos produtivos
(ampliação, valorização regional e resgate da diversicação da produção), na
organização dos agricultores familiares (maior grau de organização em coope-
rativas e associações) e na dieta alimentar da população beneciada (quanti-
dade e qualidade de alimentos). Além disso, indicam resultados inesperados
como o resgate das culturas regionais, da autonomia e da autoestima de co-
munidades rurais.
Essas mudanças estão atreladas a um tipo de mercado institucional que,
além de ser garantido, é lembrado por Grisa et al. (2011) como inovador
por romper com tradicionais formas de comercialização que não levavam em
consideração as especicidades dos agricultores familiares. Esse é o caso da lei
de licitações e contratos administrativos (Lei 8. 666/93) e da Política de
Garantia de Preços Mínimos (PGPM), caracterizados respectivamente pela
complexidade e homogeneização de regras de mercado que, via de regra, im-
pediram a participação de agricultores familiares em mercados institucionais

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