Filosofia intercultural e paradigma emergente: um novo enfoque para as 'razões' de uma cultura diferente

AutorAna Marcia Kaliberda - Cesar Rey Xavier - Carlos Alberto Marçal Gonzaga
CargoMestranda em Desenvolvimento Comunitário pela Universidade Estadual do Centro Oeste, Guarapuava, PR - Doutor em Filosofia da Mente pela Universidade Federal de São Carlos - Doutor em Engenharia Florestal pela Universidade Federal do Paraná
Páginas37-54
1807-1384.2014v11n2p37
Esta obra foi licenciada com uma Licença Creative Commons - Atribuição 3.0 Não
Adaptada.
FILOSOFIA INTERCULTURAL E PARADIGMA EMERGENTE: UM NOVO
ENFOQUE PARA AS “RAZÕES” DE UMA CULTURA DIFERENTE
Ana Marcia Kaliberda
1
Cesar Rey Xavier2
Carlos Alberto Marçal Gonzaga3
Resumo
Inicia-se este trabalho com uma problematização de certa crise paradigmática que,
de acordo com alguns autores, não se restringe ao módus faciendi científico,
atingindo também o próprio conhecimento, considerado este sob uma perspectiva
mais ampla, aplicando-se a todo o conjunto de nossos valores e relações entre
homem, natureza e sociedade. Cabe salientar a crise do que se nomeia como
“paradigma dominante”, através da qual urge a necessidade de um novo fazer
científico e uma nova forma de apropriação do conhecimento, em que o senso
comum é resgatado e recebe a devida valoração. Esta é a proposta do assim
chamado “paradigma emergente” que, segundo entendemos, prepara o caminho
para que a heterodoxia de propostas como a da Filosofia Intercultural encontrem
solo propício na construção de formas alternativas para se encarar culturas e
saberes autóctones. Descrevem-se alguns aspectos epistemológicos que compõem
a Filosofia Intercultural, em especial a sua negativa com respeito ao etnocentrismo.
Pretende-se argumentar que esta nova forma de filosofar atende aos requisitos de
um paradigma emergente, na medida em que não privilegia este ou aquele logos
como a “razão absoluta e universal”, mas permite a expressão de outras formas de
racionalidade que, não raro, chocam os padrões do que se considera
“convencional”, como é o caso das culturas indígenas. O conjunto destes princípios
paradigmáticos e interculturais encontra eco na interpretação de algumas formas de
racionalidade típicas da Reserva Indígena Rio D’ Areia, situada no município de
Inácio Martins, no Paraná, cuja coleta de dados foi realizada através da observação
participante.
Palavras-chave: Paradigma. Racionalidade. Etnocentrismo. Filosofia intercultural.
Comunidade indígena.
1 Mestranda em Desenvolvimento Com unitário pela Universidade Estadual do Centro Oeste,
Guarapuava, PR. Graduação em Pedagogia pela Universidade Estadual do Centro-Oeste (2006).
Professora da Associação Pais e Amigos dos Excepcionais em Irati, Irati, PR, Brasil. E-mail:
anamkaliberda@gmail.com
2 Doutor em Filosofia da Mente pela Universidade Federal de São Carlos. Professor Adjunto na
Universidade Estadual do Centro Oeste, Guarapuava, PR, Brasil. E-mail: reyxavier@gmail.com
3 Doutor em Engenharia Florestal pela Universidade Federal do Paraná. Professor Adjunto da
Universidade Estadual do Centro-Oeste, Guarapuava, PR, Brasil. E-mail:
admgonzaga@yahoo.com.br
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R. Inter. Interdisc. INTERthesis, Florianópolis, v.11, n.2, p.37-54, Jul-Dez. 2014
1 INTRODUÇÃO
O objetivo mais abrangente deste trabalho é analisar as possibilidades de
convivência harmônica entre diferentes culturas, à luz da filosofia intercultural, a qual
considera o lugar, a cultura, o momento histórico, dentre outros fatores, e em
especial o logos
4 intrínseco a cada etnia, povo e cultura. Na esteira desta forma
inovadora de filosofia é possível também deslindar alguns sinais que apontam para
certa urgência de um “paradigma emergente” que conta de abarcar variáveis e
aspectos sociais e humanos até então carentes de atenção sob a ótica do que
alguns autores chamam de “paradigma dominante”. Entende-se que a filosofia
intercultural atenda aos requisitos de um paradigma emergente, capaz então de
compreender empaticamente as saliências culturais de povos cuja racionalidade e
simbolizações contrastem sobremaneira com o nosso modo próprio e habitual de se
pensar o cotidiano. A investigação concentrou-se em coletar dados da Reserva
Indígena Rio D’ Areia, localizada no interior do Município de Inácio Martins,
composta por 23 famílias, totalizando em média 100 índios, com predominância da
etnia Guarani. Há também na aldeia uma índia da etnia Xetá, a qual é casada com
um índio paraguaio, recebendo influências dos costumes Guaranis.
Trata-se de uma pesquisa qualitativa, na qual são confrontadas algumas
noções conceituais pertinentes à revisão bibliográfica consultada. Adjacentes a
estas fontes, apresentam-se alguns dados e impressões que foram coletados
mediante a técnica de observação participante. “A pesquisa participante consiste na
inserção do pesquisador no ambiente natural de ocorrência do fenômeno e de sua
interação com a situação investigada.” (PERUZZO, 2003, p.2). Desta forma, para se
obter um bom resultado nas observações foram realizadas conversas informais com
pessoas da comunidade indígena. Assim, essa metodologia é considerada
apropriada para colher todo um conjunto de impressões das relações dos sujeitos
investigados que normalmente escapam de outras formas de observação. Há que se
adiantar, contudo, que tais impressões servirão apenas como ilustração de formas
diferentes de racionalidade, em comparação com a nossa.
4 Daqui por diante, estaremos empregando este vocábulo latino com a sinonímia de “racionalidade”.

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