A Filosofia Brasileira

AutorJosé Antonio Tobias
Ocupação do AutorDoutor e Livre-Docente em Filosofia. Professor de Filosofia do Direito na Faculdade de Direito de Alta Floresta
Páginas59-90

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2. 1 Por que, aqui, Filosofia Brasileira?

Se o presente livro é sobre As Filosofias do Direito do Brasil, por que, então, vir, aqui, falar de Filosofia Brasileira?

O motivo é que, Brasil afora, constata-se o seguinte: "O professor, o autor ou o pesquisador da área das Filosofias do Direito do Brasil, além de ter que lidar com Aristóteles, com Kant, com Comte e outras filosofias importadas da Europa, tem igualmente que acabar estudando e expondo, às vezes, os pensadores e filósofos brasileiros, discípulos das referidas filosofias importadas". Conclusão: o professor, o autor e o pesquisador brasileiros, para serem ouvidos, lidos e compreendidos, acabam, no final do caminho, encontrando a Esfinge da Filosofia Brasileira que lhe diz: "Ou você me conhece e me estuda, ou devoro você, suas aulas e seus livros de Filosofias do Direito do Brasil!".

Em concreto, nós também, temos e vivemos a pergunta da Esfinge, tanto em nossas aulas de Filosofia do Direito quanto nos encontros do Centro de Pesquisa de Filosofia da Faculdade de Direito de Alta Floresta. E a resposta à Esfinge é que vamos, sim, estudar a Filosofia Brasileira e, por causa disso, deve ela, também, fazer parte, por menor que seja a proporção, de nosso As Filosofias do Direito do Brasil.

2. 2 Filosofia Brasileira, o tabu

Hoje, o Brasil, país da América do Sul, de povo latino-americano, com a superfície de 8.515.76749km2 e com a população de mais de duzentos milhões de habitantes, tem 500 anos de existência. É o principal país tanto da América do Sul quanto dos povos latino-americanos. No mundo impõe-se como uma das nações de maior projeção, sendo testemunho disso o fato de ele fazer parte dos BRICS (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul).

O povo brasileiro já provou sua originalidade na literatura, na arquitetura, na agricultura, na pecuária, na fabricação de aviões, na

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conquista de uma miscigenação modelar, na produção de grãos, na pintura, na música, no futebol e em outras áreas.

Além disso, a infraestrutura brasileira é das mais ricas do planeta: terras férteis praticamente sem desertos, sem vulcões e sem terremotos; possui rios numerosos e imensos; beneficia-se do sol o ano inteiro, com incomensurável potencial de energia solar; o vento lhe traz produção incalculável de energia eólica; cataratas e cachoeiras poderosas Brasil afora enriquecem-no com invejável geração de energia elétrica.

Expusemos, até aqui, um pouquinho da cultura e da infraestrutura do Brasil e do povo brasileiro porque a Filosofia é o resultado final, é a flor da cultura e da infraestrutura de um povo. Só a maturidade, natural e cultural, de uma nação pode gerar sua filosofia, se por acaso vier a existir. Na História da Filosofia, até hoje, não foi registrado nenhum caso de um gênio ou de um filósofo precoce, ou de uma nação precoce em Filosofia; nem na vida das pessoas físicas e nem na vida das nações.

Até há pouco, o termo e o conceito de Filosofia Brasileira eram assuntos tabus. Hoje, os dois têm assento nos bairros da cidadania brasileira, sendo alguns de seus representantes Silvio Romero, Farias Brito, João Cruz Costa, Padre Leonel Franca, Luís Washington Vita e Miguel Reale. E, fora do Brasil, já vem despertando interesse como testemunham Antonio Gomes Robledo, do México, com seu La Filosofia en el Brasil e Guillermo Francovich, com Filósofos Brasileños, na Bolivia.

A propósito da Filosofia Brasileira como tabu é emblemática a posição de Luís Washington Vita que, em seu Escorço da Filosofia no Brasil¸ editado em 1964, em Portugal, titubeia, nessa época, em admitir ou não o termo e o conceito de Filosofia Brasileira, porque escreve: "Fica, portanto, insinuada50 - a demonstração é a narrativa que segue - a existência de uma filosofia no Brasil". E logo adiante, uma página depois, afirma: "Por isso podemos afirmar que há uma filosofia brasileira"51

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Como se vê, Luís Washington Vita emprega indiferentemente Filosofia Brasileira e Filosofia no Brasil.

2. 3 Filosofia Brasileira e Filosofia no Brasil

Para se poder procurar saber - como estamos começando a fazer - o que é a Filosofia Brasileira é necessário, já de início, distingui-la do que é Filosofia no Brasil. Vários pensadores já se debruçaram meditando e escrevendo sobre Filosofia no Brasil, como: 1.° - Silvio Romero, com Filosofia "no Brasil", em 1878; 2.° - Padre Leonel Franca, com Filosofia "no Brasil", de seu Noções de História da Filosofia, em 1918; 3.° - Diversos, Filosofia "no Brasil", em "Anais do Primeiro Congresso Brasileiro de Filosofia", 1950 (p. 87-262, volume I); 4.° - Antonio Gomes Robledo, com La Filosofia "en el Brasil", em 1946; 5.° - Hélio Jaguaribe, com A Filosofia "no Brasil", em 1957; 6.° - Luís Washington Vita, com Escorço da Filosofia "no Brasil", em 1964; 7.° - João Cruz Costa, com Panorama da Filosofia "no Brasil", em 1960. Mas, poucos pensadores escreveram sobre Filosofia Brasileira. Aliás, até há bem pouco tempo, era assunto proibido, assunto tabu.

É útil observar que pensadores, como Luís Washington Vita, em seu pequeno Escorço da Filosofia no Brasil, de 84 páginas, tem o início de seu livro, com uma longa e salutar introdução sobre a Filosofia Brasileira, sendo o restante de seu livro, como diz o título, dedicado à Filosofia no Brasil.

Prosseguindo. Apesar da intensa interdependência entre Filosofia Brasileira e Filosofia no Brasil, uma coisa é Filosofia Brasileira e outra coisa é Filosofia no Brasil. Quer dizer: "Filosofia Brasileira é filosofia, é ciência especulativa, é ciência de causas supremas, é sabedoria; procura o que é, o ente enquanto ente, ao passo que a Filosofia no Brasil, pelo contrário, é história, é ciência histórica, é ciência descritiva, de causas próximas, só lida com o passado humano, com uma parcela do ente enquanto ente e não é sabedoria".

Conclusão final: não se pode confundir e muito menos não se pode identificar Filosofia Brasileira e Filosofia no Brasil: uma é uma coisa e a outra é outra coisa.

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2. 4 Perfil da Filosofia Brasileira
2.4. 1 A Filosofia Brasileira Importada
2.4.1. 1 Apresentação

Admitida a existência do termo e do conceito de Filosofia Brasileira, imediatamente vem a pergunta: "Mas, o que é essa tal de Filosofia Brasileira?"

Que o queiram ou não, a Filosofia, como a fofoca52, é a eterna procura do que é o ente; e, como consequência, também do que é a Filosofia Brasileira.

Claro, nós e seja quem for, não pretendemos desenhar o perfil completo da Filosofia Brasileira. Vamos tentar, com algumas pinceladas, descrever um tanto da Filosofia Brasileira. Ouvidos pensadores, brasileiros e estrangeiros, que já meditaram e escreveram sobre Filosofia Brasileira, procuraremos, como fruto de nossas meditações e diálogos, acrescentar-lhe, o que for possível, dentro de nossas forças.

Nesse estudo do perfil da Filosofia Brasileira (Importada), a fim de conseguir maior claridade e compreensão para o leitor e o estudioso, dividiremos o assunto em dois subtítulos: 1.° - o que é a Filosofia Brasileira (Importada), olhando o seu passado e a sua história; 2.° - o que ela pode vir a ser, olhando seu presente e futuro.

Quanto ao subtítulo: O que é a Filosofia Brasileira (Importada), serão expostas dezessete qualidades constitutivas, que são as seguintes:

  1. - a Filosofia Brasileira (Importada) não tem genética, não apresenta continuidade, é uma colcha de retalhos feita pelas filosofias vindas da Europa, não tem espinha dorsal própria e nem uma linha interna de pensamento; 2.ª - apresenta isolamento intelectual-filosófico; 3.ª - desenvolve o proselitismo filosófico; 4.ª - apresenta pensadores seus

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com a característica de desprezo pelos filósofos e escritores nacionais; 5.ª - seu filósofo, mais de uma vez, sente-se superior a seus colegas; 6.ª - os pensadores ou filósofos brasileiros, muitas vezes são contra ou são a favor, sem saberem ser ou escrever "sobre"; 7.ª - ser da esquerda ou da direita; 8.ª - a Filosofia Brasileira (Importada) é acusada de imitação servil de filosofias alienígenas, sobretudo europeias; 9.ª - a imitação servil é assimilação com certa dose de originalidade, afirmam alguns pensadores; 10.ª - ela tem a característica de autodidatismo em Filosofia; 11.ª - ausência de Aristóteles; 12.ª - a Filosofia Cristã, a esquecida; 13.ª - a Filosofia Brasileira (Importada) tem filósofos com doutoramento em Medicina; 14.ª - os cursos de direito do Brasil e a Filosofia Brasileira; 15.ª - predomínio de uma filosofia; 16.ª - substituição da disciplina e do ensino da Filosofia pela História da Filosofia; 17.ª - substituição da disciplina de Filosofia pela de Lógica.

Quanto ao segundo subtítulo, olhando o futuro: O que a Filosofia Brasileira (Importada) pode vir a ser, são-lhe apontadas seis características: 1.ª - ela deve possuir o universal e o constante, vindos do exterior e da Filosofia, acrescidos ao nacional e variável; 2.ª - ela tem, sim, espinha dorsal própria; 3.ª - ela deve ser floração da cultura e do ambiente brasileiros; 4.ª - é-lhe útil e necessário incrementar o cultivo da Filosofia, se possível, nos originais de Aristóteles; 5.ª - deve cultivar a distinção entre Teodiceia e Teologia; 6.° - fundar centros de intercâmbio e de informação; 7.ª - abrasileirar os Cursos de Filosofia.

Assim sendo, vamos, pois, iniciar o subtítulo

2.4.1. 2 O que é a Filosofia Brasileira Importada
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