O que é Filosofia

AutorJosé Antonio Tobias
Páginas29-71

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2. 1 Noção e partes da Filosofia
2.1. 1 Introdução

Há mais de meio século que temos a felicidade de lecionar Filo-sofia. Além disso, desde 1960, ministramos aula tendo como livro-texto meu próprio livro, Iniciação à Filosofia, de 2010, já na 11.ª edição.

Ora, nesses anos de lida com a Filosofia, encontramos muitas vezes pessoas que, em outros lugares, haviam feito curso de Filosofia de um semestre ou de um ano e não sabiam o que é Filosofia. E, de fato, não é fácil explicar o que é Filosofia. E, assim, durante anos, o mesmo nos ocorreu, até o dia em que, depois de muito meditar, acabei descobrindo haver semelhança impressionante, e ao mesmo tempo muito engraçada e proveitosa, entre Filosofia e fofoca. Experimentamos, durante anos, ensinar a noção de Filosofia à base da Metodologia da Fofoca. Um sucesso! Mais de uma vez, anos depois de ministrar um curso de Filosofia, encontramos antigos alunos que nos diziam:

Professor, nunca mais esqueci o que é Filosofia. Às vezes estou conversando, isto é, fofocando, e de repente, para surpresa de meus colegas, sorrio porque me lembro da noção de Filosofia, aprendida com a Metodologia da Fofoca.

Por isso, no presente livro de Filosofia do Direito, para expor, logo a seguir, o conceito de Filosofia, lançaremos mão do conceito de fofoca e das experiências de anos, com a desconhecida Metodologia da Fofoca, que, além de ter sido usada durante anos em minhas aulas de Filosofia da Educação, é hoje empregada tanto nas aulas de Filosofia do Direito quanto no Centro de Estudos de Filosofia do Direito da Facul-dade de Direito de Alta Floresta. A Metodologia da Fofoca é também testada nas páginas de três livros nossos: 1.º - Iniciação à Filosofia, na 11.ª edição; 2.º - Filosofia da Educação, na 7.ª edição; e, 3.º, em Filosofia para o Ensino Médio, lançado em 2009.

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Em qualquer Curso de Direito, o que for a noção de Filosofia de cada autor, de cada professor e de cada acadêmico, necessariamente será o conceito e todo o conteúdo de Filosofia do Direito de cada um deles. Ora, existe rica variedade do conceito de Filosofia e consequentemente do conteúdo de Filosofia do Direito entre os autores de Filosofia do Direito, que, no Brasil, são muitos. Vários deles, apesar do título de seus livros, “Filosofia do Direito”, não expõem o conceito de Filosofia. Alguns, como Silvio Romero em seu Ensaio de Filosofia do Direito, apesar de logo no início de seu livro afirmar: “Impossível é compreender quatro palavras de Filosofia do Direito, sem possuir um punhado de ideias e noções de Filosofia em geral”, nega peremptoriamente a Metafísica e a própria Filosofia, substituídas que foram pela Sociologia. Outros autores, como Paulo Nader, em sua Filosofia do Direito (16.ª edição, 2007), obra conceituada nas aulas de Filosofia do Direito, logo no início de seu livro, ao estudar o “Conceito de Filosofia”, ensina que: “Modernamente a Filosofia se identifica como método de reflexão pelo qual o homem se empenha em interpretar a universalidade das coisas”2.

Ora, método, como se verá adiante ao ser exposta a “Noção de Lógica”, é “o caminho” constituído pelas verdades que vão formar uma ciência. Método não é ciência; ele leva à ciência.

Aliás, em posição diametralmente oposta à de Paulo Nader, eis o que escreve Aquiles Côrtes Guimarães: “Qual seria o método para investigar os fundamentos?”, que são o objeto da Filosofia. E prossegue o mesmo autor:

É importante deixar claro, desde logo, que a denominada questão do método3 não é problema para a Filosofia. Pelo contrário, sempre que nós nos preocupamos com o método, acabamos por nos desviar dos problemas filosóficos4.

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2.1. 2 Noção de fofoca e conceito de Filosofia

Está havendo aula no Curso de Pedagogia da cidade de Alta Floresta, Estado de Mato Grosso. Numa das salas, a professora introduz Paulo Arruda de Sampaio, um “tipão” que logo arranca um murmúrio das alunas do curso. Pouco depois, ouve-se o sinal do fim da aula; a professora retira-se em companhia de Paulo e as alunas vão para o recreio.

“Quem é ele?”, é a primeira pergunta que logo as alunas se fazem, iniciando as conversas, isto é, as fofocas entre elas, a fim de melhor conhecer o Paulo.

Depois de fofocarem bastante para saber quem é o moço, passam, com o desejo de melhor conhecê-lo, à segunda pergunta:

De onde veio o Paulo? Lá, onde ele mora, é casado? Se sim, tem filhos? É proprietário de fazendas ou um pé-rapado? Reside lá há muito tempo? Goza de boa ou má fama? Saiu espontaneamente ou foi corrido da polícia?.

Prosseguindo, após terem suficientemente conversado, isto é, fofocado sobre: 1.º – quem é o Paulo; 2.º – de onde ele veio, passam à terceira e última pergunta: “O que pretende ele fazer em Alta Floresta? Em outras palavras, qual é a finalidade dele em Alta Floresta: comprar terras, esconder-se da polícia, abrir um garimpo, tirar férias, engatilhar negócios, rever amigos?”

Sintetizando até aqui, fofocar é procurar saber: 1.º – quem é (a pessoa), ou o que é a coisa; 2.º – de onde veio; 3.º – para onde vai? Ora, isso é exatamente o que é e o que faz a Filosofia, que sempre procura saber: 1.º – quem é a pessoa, ou, universalizando, o que é a coisa, isto é, o ente; 2.º – de onde veio, é a origem; 3.º – para onde vai, é a finalidade. Assim sendo, fofocar é sinônimo de filosofar, e, como decorrência, a fofoca diz e faz a mesma coisa que a Filosofia.

Finalizando, a fofoca, como consequência do acima exposto, acaba se metamorfoseando em método pedagógico para se ensinar

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o que é Filosofia, cujo significado, além de ser, assim, facilmente e de modo jocoso, aprendido pelo principiante, não mais é esquecido, pois quem saboreou esse artifício pedagógico estará no decorrer de cada dia lembrando-se ou sendo lembrado do que é Filosofia, porque se encontrará a si mesmo, ou fofocando, ou ouvindo fofocas, que lhe estarão fazendo recordar que fofoca e Filosofia são ambas procura do que é, o que, por sua vez, para ser aprofundado, levará às outras duas perguntas: 1.ª – de onde veio, é a origem; 2.ª – para onde vai, é a finalidade. Concluindo: por meio da noção de fofoca, transformada em artifício e método pedagógicos, o principiante, de maneira agradável e profunda, aprende o conceito de Filosofia que, desse modo, se torna acessível a todos, inclusive às crianças e analfabetos.

2.1. 3 Noção de Filosofia

a. Filosofia e Filosofia do Direito

Não se deve apresentar a noção de Filosofia do Direito sem antes ter exposto a noção de Filosofia. Daí a importância básica de, primeiro, definir o que é Filosofia para, depois, se expor o que é Filosofia do Direito.

Todavia, existe outro fator primordial fundamentando a necessidade de, primeiro, expor o que é Filosofia e, só depois, explanar o que é Filosofia do Direito: “Se se define a Filosofia como uma ciência azul, fatalmente a Filosofia do Direito será também uma ciência azul; se, por outro lado, se definir a Filosofia como uma ciência vermelha, necessariamente a Filosofia do Direito será também uma ciência vermelha, e assim por diante”. Disso nascem a importância e a necessidade de, logo no início desta Filosofia do Direito, apresentar primeiro o que é Filosofia, como, aliás, é feito logo a seguir.

b. O que é Filosofia

A Biologia estuda os animais, deixando por isso os minerais e os entes imateriais como as ideias, por exemplo. A Matemática, por

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sua vez, abrange a quantidade, não tratando porém da vida, nem dos direitos e deveres, nem da moralidade, etc. A Sociologia, outra ciência, lida com os fatos sociais, largando, por isso, os minerais, os vegetais e os animais irracionais. E, desse modo, para as demais ciências: todas elas se ocupam tão somente de um aspecto, de uma parte das coisas; nenhuma delas se ocupa de todas as coisas e nem tampouco de tudo de todas as coisas. Limitam-se à determinação de uma parte das coisas.

Na realidade, coisa é sinônimo de ente5. Por isso, em vez de coisa, uma linguagem mais perfeita pede o uso de ente.

As ciências, como se viu acima, têm por objeto só uma parte dos entes e, nesta parte, somente um aspecto; elas não estudam todos os entes, tampouco o ente todo. Não descendo à composição mais profunda, isto é, à composição última do ente, das coisas, diz-se que estudam as causas próximas das coisas, isto é, do ente.

Uma explicação: as causas em Filosofia, segundo Aristóteles, são quatro6; exemplo: João fez um busto de bronze para a exposição. Causa eficiente, João enquanto fez. Causa final, “para a exposição”. Causa material, o bronze. Causa formal, o busto. A essência do busto é constituída pelas causas material e formal. Portanto, causa, no domínio das ciências, nem sempre é somente o sujeito que faz a coisa.

As ciências, chamadas positivas, não mergulham até o estudo da essência, porque se limitam aos fenômenos e aos acidentes; elas não se ocupam das causas supremas7, mas param na rama, nas causas próximas8, nos acidentes. Contudo, uma ciência existe que trata de todos os entes, de todas as coisas e no que elas têm de mais profundo; é uma ciência universal, é a rainha das ciências. E como ela se ocupa

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do ente em toda sua extensão e compreensão, e não só de fenômenos ou de acidentes como fazem as...

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