A Fifa, a democracia e a soberania: tensões e paradoxos

AutorMaria Fernanda Salcedo Repoles - Francisco de Castilho Prates
CargoUniversidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, MG, Brasil - Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, MG, Brasil
Páginas211-233
A FIFA, a Democracia e a Soberania:
tensões e paradoxos
FIFA, Democracy and Sovereignty: tensions and paradoxes
Maria Fernanda Salcedo Repolês
Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte – MG, Brasil
Francisco de Castilho Prates
Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte – MG, Brasil
Resumo: O artigo parte das declarações de
dirigentes da FIFA no contexto das manifes-
tações de junho de 2013, segundo as quais
a democracia representaria obstáculo para
a realização da Copa do Mundo. Busca-se
analisar ainda o suposto “território FIFA” na
Lei Geral da Copa. O objetivo é refletir so-
bre esses dois aspectos a partir das tensões
geradas na modernidade entre a realização
das promessas de soberania e de democracia
e as pressões advindas das forças de merca-
do notadamente volúveis e imprevisíveis. As
manifestações políticas podem ser entendidas
como reação à privatização da esfera pública
e a lembrança de que a fixação de “territó-
rios” pode também ser oportunidade de en-
contro e de exercício do dissenso.
Palavras-chave: FIFA. Democracia Constitu-
cional. Soberania. Legitimidade. Liberdade de
Manifestação. Liberdade de Expressão.
Abstract: The article’s starting point is the
statement made by FIFA’s chairmen during pro-
tests in Brazilian cities, in June 2013, accord-
ing to which democracy is an obstacle to the
organization of the World Cup. Secondo of all,
an analysis of a supposed “FIFA territory” in-
troduced by the “World Cup General Statute” is
made. The aim is to think of these two aspects
through the tensions of Modernity, between the
effectiveness of sovereignty and democracy un-
derstood as promises and the pressures of the
market forces notably volatile and unpredict-
able. Thus, the political protests can be under-
stood as the reaction to the privatization of pub-
lic sphere and as a remainder that the fixation
of “territories” can also be an opportunity to
encounter and to exercise dissent.
Keywords: FIFA. Constitutional Democracy.
Sovereignty. Legitimacy. Freedom of Manifes-
tation. Freedom of Speech.
Doi: http://dx.doi.org/10.5007/2177-7055.2015v36n70p211
Recebido em: 04/09/2013
Revisado em: 18/03/2015
Aprovado em: 30/04/2015
212 Seqüência (Florianópolis), n. 70, p. 211-233, jun. 2015
A FIFA, a Democracia e a Soberania: tensões e paradoxos
1 Introdução
Na medida em que o século XXI avança parece que as promessas
da Modernidade conflitam com eventos históricos que caminham contra a
sua realização. A democracia e a soberania como parte dessas promessas
desvendam mais paradoxos do que certezas. Os paradoxos emergem de
contrários que convivem ao invés de se excluírem mutuamente, ou seja,
em um mundo cada vez mais marcado por incertezas e riscos, as institui-
ções, inclusive as jurídicas, tentam se reafirmar como princípios e bases
da própria sociedade que os questiona e, em incontáveis vezes, até nega-os.
Em outras palavras,
[...] as sociedades contemporâneas são extremamente complexas, e
tal complexidade importa no surgimento cada vez maior de deman-
das que exigem tomada de decisões, tanto políticas, quanto jurídi-
cas. Em meio a esta complexidade, termos aparentemente simples,
como “lei” ou “direito” perdem seu sentido aparente e se tornam
tão incertos quanto o cenário que os abriga. (KOZICKI, 2005,
p. 129)
Nesse contexto, parece ter razão o diagnóstico de Zygmunt Bauman
de que poder e política aparentam se separar e, enquanto o poder tende a
se afastar em direção a um espaço global politicamente desorganizado, a
política tende a permanecer local, gerando tensões. Assim, democracia e
soberania como promessas da Modernidade se tornam, paradoxalmente,
“[...] um playground para as forças de mercado, notoriamente volúveis e
inerentemente imprevisíveis”. (BAUMAN, 2007, p. 8)
Sendo assim, procurar-se-á, neste artigo, trabalhar alguns desses
paradoxos, das constitutivas tensões que gravitam e envolvem a constru-
ção do sentido de democracia e de soberania em cenários conflituosos e
fragmentários. Para tanto, valer-se-á, ainda que sucintamente, de certo
eventos ocorridos no Brasil, no ano de 2013, por ocasião da denominada
Copa das Confederações, haja vista que durante este evento teste, prévio
à Copa do Mundo de 2014, o país foi sacudido por uma onda de inespera-
dos protestos sociais, os quais levaram multidões às ruas de todo o Brasil.

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