A fibromialgia e sua portadora

AutorLuiz Philippe Westin Cabral de Vasconcellos
Ocupação do AutorMédico formado pela Escola Paulista de Medicina (UNIFESP) em 1970, com residência médica ortopedia e traumatologia, onde também fez o mestrado e o doutorado, tendo feito especialização em Fisiatria, Medicina do Trabalho e Medicina Esportiva e mais recentemente titulado em Medicina Legal e Perícia Médica
Páginas59-91
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3. A FIBROMIALGIA E SUA PORTADORA
3. A FIBROMIALGIA E SUA PORTADORA
Assim como fi zemos quanto às lombalgias, podemos iniciar nosso estudo so-
bre a fi bromialgia, trazendo as principais perguntas que nós fazemos a nós mesmos
durante a perícia e que, por certo também serão feitas pelo juiz ou pelas partes.
• A fi bromialgia existe como afecção médica bem defi nida?
• Quem deve ou está capacitado a diagnosticar a fi bromialgia?
• Qual a evolução da fi bromialgia quanto à cura e tratamentos?
• Qual a principal queixa do portador de fi bromialgia?
• Existe um perfi l psíquico ou personalidade típica do portador de fi bromialgia?
• A fi bromialgia pode ser enquadrada em transtorno somatoforme do DSM-5?
• Quais os principais diagnósticos diferenciais da fi bromialgia?
• Qual o papel das comorbidades na evolução da fi bromialgia?
• Além do exame ortopédico, é necessário o exame neurológico nos casos de
bromialgia?
• Quais os melhores exames laboratoriais e de imagem para a detecção e con-
rmação da fi bromialgia?
• Como usar os questionários específi cos para fi bromialgia?
• Qual a diferença entre “tender points” e “trigger points”?
• Como determinar a existência de incapacidade laborativa pela fi bromialgia?
• Há necessidade de outros profi ssionais da saúde para auxiliar na determi-
nação da incapacidade?
• Qual a relação de causa e intensidade da fi bromialgia com traumas no tra-
balho ou fora dele?
• Quais seriam considerados traumas importantes para o desencadeamento
da fi bromialgia?
• Existe algum fator preditivo, físico ou psíquico, para desencadeamento ou
agravamento da fi bromialgia?
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• Quais os fatores ambientais favoráveis à melhor evolução da fi bromialgia?
• Qual a porcentagem de casos periciais com suspeita de fi bromialgia?
A prática clínica de consultório ortopédico e fi siátrico tem me mostrado que
mesmo após quase 30 anos de tentativa de padronização clínica da fi bromialgia
pelo American College of Rheumatology (ACR, 1990), continuam grandes as la-
cunas quanto às causas, ao diagnóstico, tratamento e sequelas desse transtorno
de dores crônicas, com importantes implicações nas perícias médicas, sejam elas
previdenciárias ou trabalhistas.
Os motivos de tal situação são vários e, possivelmente, o leitor poderá se re-
conhecer em algumas dessas situações.
O profundo e extenso artigo de WOOLF (2003) mostra a importância fun-
damental da anamnese e do exame físico nas situações médicas do aparelho
músculo-esquelético, sobre as defi ciências dos médicos clínicos nos conhecimen-
tos e propósitos básicos nessa área, o que deve servir de alerta a todos os peritos.
As principais difi culdades e causas de erros no estabelecimento do diagnós-
tico pericial de fi bromialgia são: o desconhecimento da matéria médica específi ca;
a falta de curiosidade pericial em esclarecer as informações e queixas muitas vezes
confusas trazidas pelo reclamante; a anamnese pericial padronizada e rápida; o
exame clínico físico ortopédico genérico; o foco somente no local anatômico da
queixa dos autos; a ausência de sinais objetivos no exame físico; a crença des-
cuidada nos relatórios médicos e diagnósticos anteriores; o temor de se afi rmar
ou negar afecção não documentada por exames complementares; a descrença
na própria existência da afecção; a facilidade de se nomear outros diagnósticos
possíveis ou semelhantes, incluindo a simulação, várias doenças reumáticas ou
ortopédicas; o aprendizado anterior e condutas da portadora ou examinanda; a
evolução ocupacional tumultuada, tanto por abcenteísmo como por presencialis-
mo; a multiplicidade de critérios e questionários, confundindo dados estatísticos
populacionais com aspectos individuais ou pessoais; a variabilidade clínica no cor-
rer do tempo; o efeito placebo dos tratamentos e intervenções desnecessárias; as
alegações dos riscos e causas desencadeantes, predisponentes e agravantes, além
da valoração da incapacidade decorrente.
Como se vê, a tarefa pericial será árdua.
Os propósitos principais de toda perícia médica são basicamente simples e
podem ser resumidos na comprovação da existência de uma doença ou dano, dos
possíveis diagnósticos diferenciais confundidores da existência de uma causa dessa
situação e as sequelas ou incapacidades decorrentes.
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Procurarei abordá-los de forma prática e exemplifi cada, em pequenos capí-
tulos, sugerindo possíveis condutas para amenizá-los, já que as soluções são de
competência do próprio médico perito.
Não serão discutidas opções de tratamentos da fi bromialgia, mas o perito
deve ter conhecimento dos mais efi cazes e corretos para poder avaliar os atendi-
mentos, a evolução e comorbidades, além daqueles inócuos ou perniciosos.
3.1. CARACTERÍSTICAS GERAIS A SEREM PENSADAS
Abaixo listamos as principais características e alertas periciais da fi bromial-
gia, informações essas retiradas da extensa literatura, confrontada com a nossa
experiência e com opiniões de colegas, sendo alguns desses tópicos desenvolvidos
mais adiante.
— Existem importantes mitos, tabus e vieses, tanto por parte dos médicos
assistenciais como das pessoas portadoras, difi cultando a tarefa pericial de
diagnosticar e avaliar a paciente portadora de fi bromialgia.
— Se por um lado é extensa a literatura sobre o tema, citado pelo criterioso
portal do PubMed, da National Library, em 14.560 publicações (agosto de
2018) por outro, existem 9.660.000 citações no Google na mesma época, o
que, sem dúvida traz grande difi culdade de seleção e credibilidade, segun-
do os parâmetros da medicina baseada em evidências. Sugiro consultar as
referências bibliográfi cas ao fi nal do volume, pois além de me darem muito
trabalho em coletar, mostram que a história é longa e ainda atual e aberta.
— A fi bromialgia existe em cerca de 2% da população, porém com grandes
variações geográfi cas e sazonais, além de vieses de valorização de sintomas
pelos pacientes, infl uências da mídia e de critérios de classifi cação e inclusão
por parte dos autores de artigos científi cos (JONES, 2015).
— É prevalente em mulheres (8:1, e por isso o título no feminino), na faixa
etária de 40 anos.
— Não é uma doença reumática na acepção fi siopatológica do termo, apesar
de frequentemente estudada e tratada por essa especialidade (MARTINEZ,
2006; HEYMANN, 2006).
— Não é doença psiquiátrica (apesar das implicações de comportamento e
humor), não havendo uma personalidade característica, mas sim uma per-
sonalidade predisposta, facilitadora ou decorrente de fatores estressantes
(MALIN & LITTLEJOHN, 2012).
— Não há dados confi áveis sobre a frequência da fi bromialgia nos diferentes
tipos de perícias médicas no Brasil, possivelmente por causas intrínsecas e
extrínsecas à síndrome, aos peritos, à Previdência e à Justiça.

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