A fertilidade ancestral em 'Ponciá Vivêncio

AutorAna Ximenes Gomes de Oliveira - Luciana Eleonora de Freitas Calado Deplagne
CargoMestranda do Programa de Pós-Graduação em Letras da Universidade Federal da Paraíba - Professora adjunta do Departamento de Letras Clássicas e Vernáculas da Universidade Federal da Paraíba
Páginas179-198
doi:10.5007/1984-784X.2015v15n23p179
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|boletim de pesquisa nelic, florianópolis, v. 15, n. 23, p. 179-198, 2015|
A FERTILIDADE ANCESTRAL EM PONC VIVÊNCIO
Ana Ximenes Gomes de Oliveira
Luciana Eleonora de Freitas Calado Deplagne
UFPB/CAPES
RESUMO: A literatura de Conceição Evaristo apresenta em seus personagens um resgate e uma es-
pécie de reescritura dos registros históricos brasileiros, vivenciados principalmente pelo povo de pele
negra. Portanto, uma literatura como tal extrapola os intuitos e lugares canônicos a serem destina-
dos, pois se constitui como uma produção que age contrapondo o discurso de autoritarismo literário.
Conceição Evaristo é uma autora que simboliza essa multiplicidade de experiências herdadas do
nosso período escravagista e do nosso pós-colonialismo. Por isso, o objetivo deste trabalho é explorar
as reflexões sobre a memória presente no romance Ponciá Vicêncio, assim como as questões da an-
cestralidade e como isso se configura na maternidade observada em duas personagens femininas: a
protagonista Ponciá Vicêncio e a sábia Nêngua Kainda. Para tanto, utilizaremos as considerações de
Verena Alberti (2004) referente à memória e à oralidade; e Reginaldo Prandi (2001) sobre a repre-
sentação da mitologia dos orixás nesta narrativa.
PALAVRAS-CHAVE: Memória. Ancestralidade. Maternidade.
ANCESTRAL FERTILITY IN PONCIÁ VIVÊNCIO
ABSTRACT:
The literature of Conceição Evaristo presents in its characters a rescue and a sort of re-
writing of Brazilian historical records, mainly experienced by the black skinned people. Therefore, a
literature work as such goes beyond the intentions and canonical places to be destined, because it is
a fictional production that acts interposing the discourse of literary authoritarianism. Conceição
Evaristo is an author who symbolizes this multiplicity of inherited experiences of the slavery period
and post-colonialism in Brazil. Whence, the purpose of this study is to explore the reflections on the
historical memory in the novel Ponciá Vicêncio, as well as the issues of ancestrally and how it is con-
figured in the maternity of two feminine characters in the novel: the protagonist Ponciá Vicêncio and
the wise Nêngua Kainda. Therefore, the considerations of Verena Alberti (2004) on memory and
orality; and Reginaldo Prandi (2001) on the representation of mythology of deities in this narrative,
it will be used as theoretical framework.
KEYWORDS: Memory. Ancestry. Motherhood.
Ana Ximenes G. de Oliveira é mestranda do Programa de Pós-Graduação em Letras da Universidade
Federal da Paraíba.
Luciana Eleonora de Freitas C. Deplagne é professora adjunta do Departamento de Letras Clássicas e
Vernáculas da Universidade Federal da Paraíba.
doi:10.5007/1984-784X.2015v15n23p179
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|boletim de pesquisa nelic, florianópolis, v. 15, n. 23, p. 179-198, 2015|
A FERTILIDADE ANCESTRAL EM PONCIÁ VICÊNCIO
Ana Ximenes Gomes de Oliveira
Luciana Eleonora de Freitas Calado Deplagne
Apresentamos nesse trabalho uma reflexão sobre a escritora afro-brasi-
leira Conceição Evaristo e sua escrita, que a mesma intitula de uma escrevivên-
cia, especificamente em seu livro Ponciá Vicêncio publicado em 2003. Nesta
obra a temática da maternidade e a fertilidade do universo feminino é latente
em seu contexto, trazendo empoderamento e força às mulheres que partici-
pam da narrativa. A literatura afro-brasileira se forma como um ponto de ten-
são sobre discursos e histórias consolidadas, assim como maneiras de obser-
var as representações míticas e arquetípicas instituídas para ocupar o lugar
universalizado. Tais modelos causaram, consequentemente, ao longo da
história um apagamento e uma distorção da imagem do(a) negro(a), tanto na
literatura como nos registros não-ficcionais que formaram a identidade brasi-
leira.
Conceição Evaristo participa de um âmbito literário que articula discursos
fora de um ciclo canônico padrão. Sua obra é composta de uma transcrição
simbólica e ficcional de um universo memorativo através da identidade afro-
brasileira e da consciência desta. Por isso, através do depoimento da própria
escritora, transcrito a seguir, podemos ver que tal literatura opera como uma
ação direta contra a hegemonia do cânone literário branco e falocêntrico do
Brasil:
O que eu tenho pontuado é isso: é o direito da escrita e da leitura que o povo
pede, que o povo demanda. É um direito de qualquer um, escrevendo ou não se-
gundo as normas cultas da língua. É um direito que as pessoas também querem
exercer. Então Carolina Maria de Jesus não tinha nenhuma dificuldade de dizer,
de se afirmar como escritora. […] E quando mulheres do povo como Carolina,
como minha mãe, como eu, nos dispomos a escrever, eu acho que a gente está
rompendo com o lugar que normalmente nos é reservado, né? A mulher negra,
ela pode cantar, ela pode dançar, ela pode cozinhar, ela pode se prostituir, mas es-
crever, não, escrever é uma coisa… é um exercício que a elite julga que ela tem
esse direito. […] Então eu gosto de dizer isso: escrever, o exercício da escrita, é

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