Fenômenos Conservadores do Cadáver

AutorJorge Paulete Vanrell
Ocupação do AutorMedicina, Bacharelado em Ciências Jurídicas e Sociais e Licenciatura Plena em Pedagogia
Páginas207-214

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Nem sempre o destino do cadáver é a sua transformação destrutiva. Muitas vezes, as formas macroscópicas ou anatômicas podem ser relativamente conservadas pela ocorrência de processos biológicos ou físico-químicos, naturais ou artificiais, que incluem:

• a saponificação, • a mumificação, • a congelação, • a petrificação e • a corificação ou coreificação.

O traço genérico, inerente a todos estes fenômenos, são as características ambientais peculiares, próprias, que favorecem ou até mesmo determinam o seu aparecimento.

Saponificação

Trata-se de um fenômeno cadavérico transformativo, conservador, cujo aparecimento depende de o cadáver ser colocado em um meio que obedeça a duas exigências:

  1. ambiente muito úmido (pântano, fossa séptica, carneira de cujas paredes verta água, brejo, pântano, alagado ou terra argilosa); e

  2. ausência de ar circulante, ou muito escassa ventilação.

Além das condições do ambiente citadas, outros elementos de caráter individual, como a causa mortis, estado nutricional e a idade podem colaborar

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para a sua instalação. Fatores pessoais do cadáver, como a idade, estado nutricional e a própria causa mortis podem contribuir para o seu desenvolvimento. Sói acontecer nos casos em que houve alcoolismo ou outras intoxicações que originaram uma degeneração gordurosa de vísceras (e.g., fígado), previamente ao falecimento, nos sujeitos obesos e nas crianças bem nutridas, sendo raríssimo nos corpos de recém-nascidos ou de fetos, dada a peculiar composição dos seus panículos e demais tecidos adiposos. Inicia-se em torno de dois meses após a inumação e termina por volta de um ano.

Com efeito, nas crianças bem nutridas e nas pessoas obesas, a saponificação é mais frequente. O mesmo acontece naqueles casos em que, como parte do transtorno que antecedeu ao óbito, houve degeneração gordurosa de vísceras, e.g., fígado.

Mister ressaltar que, para que suceda um fenômeno de saponificação, é necessário que tenha se desenvolvido, precedentemente, um processo de putrefação, o qual, em determinado momento, em condições ambientais propícias e mais a ação de enzimas bacterianas, modifica-se, desvia-se ou mesmo se detém. O processo tem início por volta de dois meses após a inumação, e se completa em aproximadamete um ano. Quando dadas as condições ambientes, que são “conditio sine qua non” para que a saponificação se instale, o processo de putrefação sofre um desvio, chegando a se deter, sendo certo que algumas enzimas microbianas operam no sentido de catalisar as modificações químicas, quer das gorduras já existentes no corpo, quer da transformação esteatósica dos outros tecidos, como músculos, vísceras e até a medula óssea, que perdem completamente suas estruturas macro e microscópicas originais e se transformam também em gorduras.

Durante a saponificação, nas condições ambientais exigidas e pela facilitação através das enzimas microbianas, ocorre uma transformação por hidrólise e hidrogenação das gorduras do corpo, que se desdobram e liberam sob a forma de ácidos graxos de maior peso molecular – ácidos palmítico, hidroesteárico, esteárico e oléico – que são esterificados por íons ou cátions alcalino-terrosos (cálcio, potássio e magnésio), oriundos do próprio corpo ou do terreno, para formar sabões de baixa solubilidade, conhecidos pela denominação genérica de adipocera (adipocira ou adipócera).

O termo adipocera foi idealizado por Antoine François Fourcroy, em 1789, para designar uma substância ou massa com propriedades intermédias entre a gordura e a cera. No começo possui uma nuança branco-amarelada,

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de consistência mole, com aparência semelhante ao sabão ou queijo e com um odor esquisito, rançoso, sui generis, e que, posteriormente, torna-se amarelo-pardacenta, rija, seca, frágil, friável e quebradiça.

Não se deve perder de vista que a saponificação evolui do exterior para o interior, podendo abarcar a soma do corpo todo ou apenas algumas regiões mais abundantes em tecido adiposo (bochechas, mamas, nádegas etc.), que tenham permanecido nas condições imprescindíveis para o seu aparecimento, enquanto o resto do...

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