Feminismo, Marxismo, Metodo e o Estado: Uma agenda Para Teoria.

AutorMacKinnon, Catharine A.

Nota Inicial da autora: A segunda parte deste artigo, que aparecera [apareceu] em uma proxima edicao da revista Signs como "Feminismo, Marxismo, Metodo e o Estado; Rumo a uma Teoria do Direito Feminista" (nt1) aplica a critica aqui desenvolvida a teorias do estado e a fontes do direito. Ambos os artigos sao partes de um trabalho mais extenso em andamento. O argumento deste trabalho sobre a relacao entre marxismo e feminismo nao mudou desde que foi escrito pela primeira vez, em 1973, mas o argumento quanto ao feminismo em si, sim. No transcurso dos anos, o manuscrito foi amplamente circulado, com mutacoes semestrais, para critica. Ao refletir sobre este processo, cuja publicacao espero que continue (isto e, [de] "Uma Agenda para Teoria"), creio que as seguintes pessoas, cada uma a seu modo, foram as que mais contribuiram para a presente versao: Sonia E. Alvarez, Douglas Bennett, Paul Brest, Ruth Colker, Robert A. Dahl, Karen E. Davis, Andrea Dworkin, Alicia Fernandez, Jane Flax, Bert Garskoff, Elbert Gates, Karen Haney, Kent Harvey, Linda Hoaglund, Nan Keohane, Duncan Kennedy, Bob Lamm, Martha Roper, Michelle Z. Rosaldo, Anne E. Simon, Sharon Silverstein, Valerie A. Tebbetts, Rona Wilensky, Gaye Williams, Jack Winkler e Laura X. O magnifico trabalho de Martha Freeman e Lu Ann Carter foi essencial para sua producao.

Escrevi "marxismo" com letra inicial minuscula e "Negro" com letra inicial maiuscula e o editor responsavel pela publicacao solicitou que explicasse tais escolhas. E convencional utilizar letras iniciais maiusculas no caso de termos que derivam de nomes proprios. Uma vez que desejo por o marxismo e o feminismo em equilibrio, a disparidade tipografica pesaria contra minha estrutura analitica. Iniciar ambos com letras maiusculas germanizaria o texto. Espero tambem que o feminismo, politica criada por aquelas por quem trabalha, nao seja nomeado em homenagem a um individuo. Negro e (pelo que me dizem) convencionalmente considerado como uma cor, ao inves de uma designacao racial ou nacional, logo nao e normalmente empregado com inicial maiuscula. Eu nao considero Negro como meramente uma cor de pigmentacao de pele, mas sim como uma heranca, uma experiencia, uma identidade cultural e pessoal, cujo significado torna-se especificamente estigmatizante e/ou glorioso e/ou ordinario sob condicoes sociais especificas. E tao socialmente criado quanto--e ao menos no contexto americano nao menos especialmente significativo e definitivo do que--qualquer etnicidade linguistica tribal ou religiosa, todas as quais sao convencionalmente reconhecidas com iniciais maiusculas. (nt2)

Nota do editor para a versao em lingua inglesa: Central a teoria feminista e ao metodo feminista, como demonstra Catharine A. MacKinnon, e a conscientizacao [em ingles consciousness raising]. (nt3) Por esse processo, feministas confrontam a realidade da condicao das mulheres ao examinar suas experiencias e ao tomar essa analise como ponto de partida para a mudanca individual e social. Por sua natureza, esse metodo de investigacao desafia nocoes tradicionais de autoridade e objetividade e abre um questionamento dialetico de estruturas de poder existentes, de nossa propria experiencia e da teoria em si

Feminismo, Marxismo, Metodo e o Estado: Uma agenda Para Teoria

A sexualidade e para o feminismo o que o trabalho e para o marxismo: aquilo que e mais proprio de alguem, porem, aquilo que mais lhe e retirado. A teoria marxista argumenta que a sociedade se constroi fundamentalmente a partir de relacoes formadas pelas pessoas enquanto fazem e produzem as coisas necessarias para sobreviver como seres humanos. O trabalho e o processo social de moldar e transformar os mundos material e social, criando pessoas como seres sociais a medida que estas criam valor. E a atividade por meio da qual as pessoas se tornam quem elas sao. A classe e sua estrutura, a producao sua consequencia, o capital sua forma concreta, e o controle, sua questao.

Implicito na teoria feminista, ha um argumento paralelo: a construcao, o direcionamento e a expressao da sexualidade organizam a sociedade em dois sexos--homem e mulher--divisao que permeia a totalidade das relacoes sociais. A sexualidade e o processo social que cria, organiza, expressa e direciona o desejo, (2) criando os seres sociais que conhecemos como mulheres e homens, a medida que suas relacoes criam a sociedade. Da mesma maneira que o trabalho o e para o marxismo, a sexualidade e, para o feminismo, socialmente construida e ao mesmo tempo capaz de construir; universal como atividade, mas, ainda assim, historicamente especifica; composta, conjuntamente, de materia e mente. Assim como a expropriacao organizada do trabalho de uns para o beneficio de outros define uma classe--os trabalhadores--a expropriacao organizada da sexualidade de uns para o beneficio de outros define o sexo, mulher. A heterossexualidade e a sua estrutura, o genero e a familia suas formas concretas, os papeis sexuais suas qualidades generalizadas para a persona social, a reproducao uma consequencia, e o controle a sua questao.

Marxismo e feminismo sao teorias sobre o poder e sua distribuicao: desigualdade. Oferecem explicacoes acerca de como arranjos sociais de disparidade organizada podem ser internamente racionais ainda que injustos. Mas sua especificidade nao e incidental. No marxismo, ser despojado de seu proprio trabalho, no feminismo, da propria sexualidade, define a concepcao individual de falta de poder per se. Isso nao significa que coexistam lado a lado para assegurar que as duas esferas separadas da vida social nao passem desapercebidas, que os interesses dos dois grupos nao sejam obscurecidos ou que as contribuicoes dos dois blocos de variaveis nao sejam ignoradas. Existem para sustentar, respectivamente, que as relacoes em que muitos trabalham e poucos ganham, em que alguns fodem e outros sao fodidos (nt4) (3) configuram o momento primordial da politica.

E se os pleitos de cada uma das teorias forem levados igualmente a serio, cada qual em seus proprios termos? Podem dois processos sociais ser basicos ao mesmo tempo? Podem dois grupos ser subordinados de maneira conflituosa ou podem apenas se intercruzar? Podem duas teorias se reconciliarem cada qual pretendendo explicar a mesma coisa--o poder enquanto tal? Ou ha uma conexao entre o fato de que poucos tem governado muitos e o fato de que aqueles poucos tem sido homens?

Confrontadas em igualdade de termos, estas teorias suscitam questoes fundamentais de parte a parte. Seria a dominacao masculina uma criacao do capitalismo ou seria o capitalismo uma expressao da dominacao masculina? Quais as implicacoes para a analise de classe da afirmacao de que um grupo e definido e explorado por meios largamente independentes da organizacao da producao, se de forma adequada a ela? Quais as implicacoes, para uma analise baseada no sexo, da afirmacao de que o capitalismo nao seria materialmente alterado com a integracao dos sexos ou ate mesmo com o controle das mulheres? Se as estruturas e os interesses perseguidos por um estado socialista e um estado capitalista diferem entre si em termos de classe, seriam ambos igualmente fundamentados na desigualdade de sexos? Em que medida a forma e o comportamento de um se assemelha ao do outro? Poderia isso ser seu ponto em comum? Haveria uma relacao entre o poder de algumas classes sobre outras e o de todos os homens sobre todas as mulheres?

Ao inves de confrontar essas questoes, marxistas e feministas tem frequentemente se desconsiderado ou se subsumido mutuamente--o que em grande parte equivale a mesma coisa. Marxistas tem criticado feminismo como sendo burgues na teoria e na pratica, querendo dizer que trabalha no interesse da classe dominante. Argumentam que a analise da sociedade em termos de sexo ignora a divisao de classe entre mulheres, dividindo o proletariado. Os pleitos feministas, afirmam, poderiam ser plenamente satisfeitos no interior do capitalismo, logo, sua busca prejudica e desvia os esforcos direcionados para a mudanca fundamental. Os esforcos para derrubar barreiras impostas a plena personalidade das mulheres--argumentos por acesso a oportunidades de vida independentemente do sexo--sao considerados liberais e individualistas. O que quer que as mulheres tenham em comum e considerado como tendo fundamento em sua natureza, nao na sociedade; analises interculturais dos pontos em comum da condicao social das mulheres sao vistas como a-historicas e desprovidas de especificidade cultural. O enfoque do movimento de mulheres em atitudes e sentimentos como componentes poderosos da realidade social e criticado como sendo idealista; sua composicao, presumidamente por mulheres de classe media com acesso a educacao, e antecipada como explicacao para seu oportunismo.

Feministas acusam o marxismo de ser definido em termos masculinos tanto na teoria quanto na pratica, querendo dizer com isso que se movimenta dentro da visao de mundo dos homens e em favor de seus interesses. Feministas argumentam que a analise da sociedade exclusivamente em termos de classe ignora as experiencias sociais distintivas dos sexos, obscurecendo a unidade das mulheres. Os pleitos marxistas, argumentam, poderiam ser (e em parte tem sido) satisfeitos sem que a desigualdade das mulheres perante os homens fosse alterada. Feministas tem frequentemente percebido que os movimentos da classe trabalhadora e a esquerda desvalorizam as preocupacoes e o trabalho das mulheres; negligenciam o papel dos sentimentos e atitudes na mudanca institucional e material, depreciam as mulheres em seus procedimentos, praticas e na vida cotidiana e, em geral, falham em diferenciar-se de qualquer outra ideologia ou grupo dominado por interesses masculinos. Assim, marxismo e feminismo acusam um ao outro (em seus proprios termos) de buscarem reforma mudancas que apaziguam e acalmam sem incidir no fundamento do descontentamento--onde uma transformacao fundamental e exigida (novamente em seus...

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