Que feminismo é esse que nasce na horta?

AutorMaria Ignez Silveira Paulilo
CargoProfessora da Universidade Federal de Santa Catarina
Páginas296-316
DOI: http://dx.doi.org/10.5007/2175-7984.2016v15nesp1p296
296 296 – 316
Que feminismo é esse
que nasce na horta?
Maria Ignez Silveira Paulilo1
Resumo
Procuramos mostrar a necessidade de uma prévia adequação das teorias feministas para ten-
tarmos explicar o feminismo que faz parte dos ideais do Movimento de Mulheres Camponesas
(MMC), organização presente no Brasil desde 1983, que só se considerou feminista em 2010.
É preciso evitar certo evolucionismo presente quando se compara campo e cidade. Para isso, o
conceito de “transmodernidade” de Rodríguez Magda (2007) torna-se frutífero, porque não tra-
balha com noções evolucionistas do feminismo, mas diz que elementos de diferentes correntes,
antigas e recentes, aparecem combinados nas atuais. A autora não considera as novas correntes
mais “corretas” que as antigas, prefere falar das “f‌icções úteis” que mobilizam os movimentos
e, portanto, são “reais”. Para buscarmos essas “f‌icções úteis” será preciso revisão histórica das
correntes que trouxeram elementos ao feminismo das agricultoras. Para explicar a prática das
militantes, propomos o uso dos conceitos de “experiência”, de Scott (1999), e de “experiência
próxima” e “experiência distante”, de Geertz (2003). Acreditamos que só depois de uma ref‌lexão
teórico metodológica focada no problema de pesquisa poderemos levar a cabo essa investigação.
Palavras-chave: Gênero. Feminismo. Mulheres rurais. Movimentos sociais rurais.
Nota preliminar
Este texto não é propriamente um artigo, é uma proposta de estudo para
um fenômeno recentemente surgido no Brasil que é o “feminismo camponês”.
Sendo o feminismo um movimento muito urbano, enquanto a sociologia ru-
ral é uma disciplina que historicamente privilegiou a ideia de “família rural”
como um todo unido, dando pouca atenção às questões de gênero, situa-
ção que felizmente vem se modicando, temos que as revistas feministas e as
dedicadas ao campo, juntamente com seus leitores, dicilmente se cruzam.
Publicar um texto feminista em um dossiê sobre agricultura familiar é uma
tentativa de aproximar essas duas áreas de estudo.
1 Professora da Universidade Federal de Santa Catarina e bolsista do CNPq. E-mail: ipaulilo@terra.com.br.
Política & Sociedade - Florianópolis - Vol. 15 - Edição Especial - 2016
297296 – 316
Para quem conhece meus trabalhos, vai car claro que não fui original
neste texto, tendo me reportado a textos e pesquisas anteriores. Mas a pro-
posta não foi escrever um texto novo para leitores(as) feministas, mas sim me
dirigir a um público novo, àqueles para quem as agricultoras ainda estão um
tanto invisíveis.
Acrescento também que a pesquisa sobre o que as participantes do Mo-
vimento de Mulheres Camponesas entendem por feminismo, e quais são suas
principais reivindicações quanto à menor desigualdade entre homens e mu-
lheres, está apenas começando, motivo pelo qual não trago dados de cam-
po nessa “espécie de ensaio” que apresento aqui. O que trago são propostas
teórico-metodológicas para dar seguimento à investigação. Acompanho esse
Movimento, surgido em 1983, desde o início dos anos 1990, e foi somente
em 2010 que suas militantes passaram a usar publicamente a palavra femi-
nismo em um encontro ocorrido na cidade de Xaxim, SC, encontro do qual
participei e onde pude sentir de perto avanços, tensões e impasses. Meu pro-
pósito ao publicar sobre feminismo em uma coletânea sobre o mundo rural e
tentar fazer o caminho dos feminismos e dos estudos agrários se cruzarem, por
isso, não procurei profundidade nesta proposta de estudo, e sim amplitude,
tentando sensibilizar os estudiosos do campo para o desao que é ver tantas
“pontas de o” puxadas pelos feminismos e não as deixar soltas.
1 Introdução
Como diz Rodríguez Magda (2007, p. 139), lósofa, o tempo do femi-
nismo correu depressa. O que é considerada a primeira onda do feminismo
aconteceu no século XIX com o movimento sufragista. Ressurgido nas déca-
das de 1960 e 1970, em apenas 30 anos, o feminismo da igualdade se enfren-
tou com o feminismo da diferença, a pós-modernidade relativizou muitos
fundamentos das duas correntes, surgiram questionamentos vindos dos pen-
samentos pós-colonial, multicultural, da globalização e do ciberfeminismo.
Não começamos este projeto citando Rodríguez Magda por acaso.
em seu texto um conceito, cunhado por ela mesma, o de “transmodernidade”,
muito útil para o tema que vamos desenvolver, qual seja: “que feminismo é
esse que está sendo construído pelo Movimento de Mulheres Agricultoras
– MMC2?”. A citação será um pouco longa, mas necessária:
2 O Movimento de Mulheres Agricultoras de Santa Catarina, consolidado em 1983, se manteve por muitos
anos com o nome Movimento de Mulheres Agricultoras – MMA. Em 1995 uniu-se a uma coligação nacional

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