O art. 37, § 1º, da Constituição Federal, e a Lei de Improbidade Administrativa

AutorProfa.Vera Scarpinella Bueno
CargoMestranda em Direito Administrativo da PUC/SP. Coordenadora Executiva Geral da Sociedade Brasileira de Direito Público. Associada de Sundfeld Advogados S/C.
Páginas1-8

Page 1

A questão proposta para este estudo é a seguinte: a violação, por administrador público, do art. 37, § 1º, da Constituição Federal, configura, por si só, ato administrativo de improbidade, com a conseqüente aplicação das sanções previstas no art. 37, § 4º, da CF,1 e na lei nº 8.429/92?

Responder a indagação significa enfrentar outra: o que é, afinal, um ato de improbidade administrativa?2 É dizer: ato de improbidade é sinônimo de ato ilegal?

A regra constitucional do art. 37, § 1º, é clara: "A publicidade dos atos, programas, obras, serviços e campanhas dos órgãos públicos deverá ter caráter educativo, informativo ou de orientação social, dela não podendo constar nomes, símbolos ou imagens que caracterizem promoção pessoal de autoridades ou servidores públicos."

Põe-se, então, o problema: a realização de publicidade fora da moldura do art. 37, § 1º, mesmo quando não causar dano material aos cofres públicos, Page 2 leva à aplicação das severas penas previstas no § 4º, do mesmo dispositivo, e disciplinadas na lei 8.429/92?

O art. 37, § 1º, da Constituição Federal determina que a publicidade dos atos, programas, obras, serviços e campanhas dos órgãos públicos é lícita quando tiver caráter educativo, informativo ou orientação social, "dela não podendo constar nomes, símbolos ou imagens que caracterizem promoção pessoal de autoridades ou servidores públicos". Isto significa dizer que a propaganda deve ter ênfase educativa, informativa ou de orientação social do ato. É avesso ao comando constitucional qualquer tipo de benefício ou evidenciamento individual.

A doutrina costuma dar vários exemplos de propaganda lícita: a informação de vagas em escolas públicas, datas de vacinação, a inauguração de novo hospital, e assim por diante. Também ninguém discorda que a publicidade passível de ser feita com dinheiro público deva ser objetiva, deva promover o interesse público, observar a economicidade, a moralidade e a impessoalidade. Propaganda com dinheiro público fora destes moldes é ilícita. Quanto a isto não há dúvidas.

Os problemas surgem, entretanto, na aplicação desta norma aos diversos casos. Especialmente quanto à não observância dos parâmetros constitucionais e à configuração do ato administrativo de improbidade.

A lei de improbidade é inegavelmente um marco no direito público brasileiro. Seu papel é repreender um dado tipo de conduta dos agentes públicos que tenha por conseqüência (a) gerar enriquecimento ilícito, (b) causar prejuízo ao erário, ou (c) atentar contra os princípios da administração pública. Tais condutas, entretanto, não são prévia e exaustivamente definidas pela lei de improbidade, que não traz, em seus arts. 9º, 10 e 11, respectivamente, o rol dos atos administrativos que podem levar à aplicação das sanções lá previstas. Nem poderia, aliás, diante da diversidade de situações do mundo fático. Ao contrário, a lei descreve situações que podem ser concretizadas por um número infinito de condutas, restando em aberto muitos questionamentos: quando é que esses atos se transmudam em improbidade, se existem parâmetros seguros para apartar as ilegalidades das improbidades, se a culpa é elemento da improbidade, e assim por diante.

Estes e muitos outros questionamentos atormentam o profissional do direito que se dedica a estudar a lei de improbidade. A lei 8.429/92 está voltada à responsabilização do agente público por danos causados à coisa pública, tema que até bem pouco tempo não era recorrente nos assuntos próprios do direito administrativo. Este ramo do direito se dedicou ao desenvolvimento da teoria objetiva da responsabilidade, pouco considerando sobre a forma como o Estado recobra os danos de seus agentes. Também foi objeto de longas linhas pelos estudiosos o tema da responsabilidade disciplinar e da responsabilidade penal dos agentes públicos, mas nenhuma das considerações lá desenvolvidas serve para o estudo do ato de improbidade, cujo regime constitucional, normatizado na lei 8.429/92, é bastante peculiar e recente. A novidade está em Page 3 estudar o tema da responsabilidade dos agentes públicos a partir do prisma da improbidade administrativa, sendo este o diferenciados na matéria.

De fato, a lei de improbidade não diz quais atos administrativos são de improbidade. O que a norma faz é estabelecer alguns parâmetros casuísticos para auxiliar na identificação da improbidade de um ato jurídico. Para tal finalidade, limita-se a descrever comportamentos em seus arts. 9º, 10 e 11, os quais não se confundem entre si, e que podem ser concretizados por uma infinidade de atos e omissões administrativas.

O que se questiona é se basta a ocorrência fática desses comportamentos para que haja um ato de improbidade. Mais: quais os elementos que concorrem para a existência deste específico tipo de ato administrativo, de forma a possibilitar a aplicação das conseqüências sancionatórias previstas na lei.

Em primeiro lugar, o ato deve ser ilegal e importar em violação de alguma das modalidades dos arts. 9º, 10 e 11 da lei, para que possa ser rotulado de ato administrativo de improbidade. É dizer, são modalidades de improbidade: (a) uma ilegalidade que importe em enriquecimento ilícito (art. 9º); (b) uma ilegalidade que importe em lesão ao erário e desde que haja benefício de alguém (art. 10); ou (c) atentar contra os princípios da administração pública, entre eles a honestidade, imparcialidade, legalidade e lealdade (art. 11).

Em segundo lugar, além desta ilegalidade "qualificada" acima referida, deve ser analisada a conduta do agente, tendo em vista cada uma das modalidades da lei. Isto porque o nosso ordenamento jurídico não admite a "responsabilização objetiva" dos agentes públicos. Não apenas porque a lei 8.429/92 refere-se em vários momentos à conduta dos sujeitos envolvidos, valorando negativamente as que estão impregnadas pela má-fé, pela deslealdade e pela desonestidade, contrapondo estes atos à presunção de legalidade dos atos estatais. Mas, também, porque a regra no direito público brasileiro com relação à responsabilidade dos agentes públicos é a de que ela deve ser apurada subjetivamente, impondo-se a análise do comportamento do...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT