Febre aftosa: impactos sociais e sobre o bem-estar animal da política de erradicação

AutorBarbara Marins Pettres - Luiz Carlos Pinheiro Machado - Maria José Hötzel - Tania Maria de Paula Lyra
CargoMestre em Agroecossistemas (UFSC). Concluído 2007. Graduada em Jornalismo (UFSC) - Doutor em Agronomia (UFRGS), Graduação em Agronomia (UFRGS), Professor catedrático aposentado da UFRGS, Professor titular aposentado da UFSC e Professor participante do Programa de Pós-Graduação em Agroecossistemas da UFSC. Consultor agropecuário internacional - ...
Páginas101-135
101
R. Inter. Interdisc. INTERthesis, Florianópolis, v.4, p. 101- 135, jul./dez. 2007.
FEBRE AFTOSA: IMPACTOS SOCIAIS E SOBRE O BEM-ESTAR ANIMAL DA
POLÍTICA DE ERRADICAÇÃO
FOOT AND MOUTH DISEASE ERADICATION POLICY: SOCIAL IMPACT AND
ANIMAL WELFARE
FIEBRE AFTOSA: IMPACTOS SOCIALES Y SOBRE EL BIENESTAR ANIMAL DE LA
POLÍTICA DE ERRADICACIÓN
Barbara Marins Pettres1
Luiz Carlos Pinheiro Machado2
Maria José Hötzel3
Tania Maria de Paula Lyra4
Resumo
Santa Catarina é o único Estado brasileiro que não imuniza o rebanho bovino contra a
febre aftosa. O artigo discute a política catarinense para a doença, especialmente a não-
vacinação, e a relaciona a aspectos éticos e de bem-estar humano e animal. Foram
entrevistados nove representantes de instituições agrícolas catarinenses e, num estudo
de caso, sete famílias de agricultores de Jóia/RS, onde ocorreu um surto em 2000, sendo
sacrificados 11.067 mil animais, principalmente rebanho leiteiro. A maioria das instituições
agrícolas catarinenses ouvidas é contrária à vacinação, a fim de manter e ampliar
mercados às exportações de carne suína e de aves. Preocupações sobre repercussões
sociais tenderam a se concentrar em efeitos sobre a renda das famílias afetadas. O
estudo de caso em Jóia demonstrou que houve uma ruptura prolongada nos modos de
vida no meio rural afetado, efeitos sobre a saúde mental das pessoas, perda de renda e
alterações na economia local, problemas de manejo e bem-estar pobre no rifle sanitário.
Conclui-se que a experiência real de um surto resulta em conseqüências traumáticas e
duradouras e que aspectos sociais, éticos, ambientais, de bem-estar animal, impactos em
outras áreas da economia não estão incluídos na política pública de defesa sanitária
animal.
Palavras-chave: Febre aftosa, erradicação, bem-estar animal, políticas públicas.
1 Mestre em Agroecossistemas (UFSC). Concluído 2007. Graduada em Jornalismo (UFSC). E-mail:
bpettres@gmail.com
2 Doutor em Agronomia (UFRGS), Graduação em Agronomia (UFRGS), Professor catedrático aposentado
da UFRGS, Professor titular aposentado da UFSC e Professor participante do Programa de Pós-Graduação
em Agroecossistemas da UFSC. Consultor agropecuário internacional. E-mail:prvpinheiro10@yahoo.com.br
3 Doutorado em Ciência Animal pela The University of Western Australia, Mestrado em Ciências Veterinárias
(UFRGS), Graduação em Medicina Veterinária (UFRGS), professora classe adjunto da UFSC. Tem
experiência na área de Zootecnia, ênfase em Etologia Aplicada e Bem-Estar Animal. E-mail:
mjhotzel@cca.ufsc.br
4 Doutorado em Ciência Animal (UFMG), Mestrado em Medicina Veterinária Preventiva (UFMG), Graduação
em Medicina Veterinária pela Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ). Assessora da
presidência da Coordenadoria de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – Capes. E-mail:
tanialyra@terra.com.br
102
R. Inter. Interdisc. INTERthesis, Florianópolis, v.4, p. 101- 135, jul./dez. 2007.
Abstract
Santa Catarina is the only Brazilian state that does not immunize the bovine herd against
foot and mouth disease. This article discusses the policy adopted for the foot and mouth
disease in Santa Catarina, especially the non-vaccination, and relates this policy with
ethical, human and animal welfare issues. Nine representatives of agricultural institutions
in the state were interviewed, as well as, in a case study, seven families of farmers in
Jóia - Rio Grande do Sul, Brazil, where foot and mouth disease occurred in 2000, leading
to the sacrifice of 11,067 animals, most of them dairy animals. The majority of the
agricultural institutions in Santa Catarina are contrary to vaccination, in order to keep and
extend pig and poultry export markets. Concerns on social repercussions tended to
concentrate on the effects on the income of the affected families. The case study in Jóia
demonstrated that the life styles of the affected farmers were deeply harmed due to effects
on human mental health, loss of income and changes in the local economy.
The study concludes that the experience of a foot and mouth disease outbreak results in
traumatic and long term consequences and that there is a need for policies that include
social, ethical and environmental provisions, once animal welfare aspects and impacts on
other areas of the economy are not contemplated in the public policy of animal sanitary
defense.
Keywords: Foot and mouth disease, eradication, animal welfare, public policies.
Resumen
Santa Catarina (SC) es el único Estado brasilero que no inmuniza el rebaño bovino contra
la fiebre aftosa. Este artículo discute la política de SC para esta enfermedad,
especialmente la no-vacunación, y la relaciona a aspectos éticos y del bienestar humano
y animal. Fueron entrevistados nueve representantes de instituciones agrícolas de SC y,
en un estudio de caso, siete familias de agricultores de Jóia/RS, donde ocurrió un brote en
2000, siendo sacrificados 11.067 mil animales, principalmente ganado lechero. La
mayoría de las instituciones agrícolas de SC entrevistadas es contraria a la vacunación,
con la finalidad de mantener y ampliar mercados de exportación de carne de cerdos y
aves. Preocupaciones sobre las repercusiones sociales se concentraron en efectos sobre
la rienda de las familias afectadas. El estudio de caso en Jóia demostró que hubo una
ruptura prolongada en los modos de vida en el medio rural afectado, efectos sobre la
salud mental de las personas, pérdida de renta y alteraciones en la economía local,
problemas de manejo e bienestar pobre en el rifle sanitario. Se concluye que la
experiencia real de un brote resulta en consecuencias traumáticas e de larga duración y
que aspectos sociales, éticos, ambientales, de bienestar animal, impactos en otras áreas
da economía no están incluidos en la política pública de defensa sanitaria animal.
Palabras-clave: Fiebre aftosa, erradicación, bienestar animal, políticas públicas.
1 Introdução
A febre aftosa (FA) é considerada a doença animal que causa as maiores
restrições econômicas e como tal, a política de controle e erradicação tende a se
concentrar nos seus efeitos econômicos, porém, sua aplicação resulta em uma série de
103
R. Inter. Interdisc. INTERthesis, Florianópolis, v.4, p. 101- 135, jul./dez. 2007.
conseqüências não previstas.
A doença não ameaça as vidas humanas e as espécies suscetíveis têm convivido e
evoluído com o vírus, que foi descrito por Fracastorius, em 1546. No entanto, o sacrifício
dos animais infectados passou a ser considerado a forma ideal de controle e erradicação.
Práticas como o isolamento e a vacinação preventiva tornaram-se barreiras comerciais
não-tarifárias, pois países que vacinam e não sacrificam os rebanhos infectados sofrem
sanções comerciais para exportar animais suscetíveis vivos e seus produtos.
O status de área livre de febre aftosa sem vacinação tornou-se o principal objetivo
a ser conquistado. Santa Catarina é o único Estado brasileiro que possui esse título,
concedido pela Organização Mundial de Saúde Animal (OIE), em maio de 2007.
A febre aftosa é uma doença infecciosa, causada por um vírus que afeta todos os
mamíferos de cascos bipartidos (bovinos, bubalinos, ovinos, caprinos, suínos e espécies
silvestres, entre elas o javali, o tatu, o veado e a capivara), que apresentam febre alta,
aftas na boca, gengiva ou língua e feridas nos cascos e nos úberes. O vírus é geralmente
transmitido por meio do leite, carne ou saliva do animal doente, e permanece vivo na
medula óssea mesmo após a morte do animal. A transmissão indireta pode ocorrer de
muitas maneiras, por contato ou de forma mecânica (SUTMOLLER et al., 2003).
A doença apresenta baixa letalidade, isto é, poucos animais morrem, a maioria se
recupera, mas a taxa de morbidade é alta, praticamente todos os animais suscetíveis
expostos ao vírus adoecem, tornam-se infectados e mostram sinais clínicos da doença.
Os sintomas variam em intensidade, afetam mais animais jovens, nos quais a mortalidade
ocorre. Em vacas gestantes é freqüente a ocorrência de abortos. Na sua forma mais
severa causam comprometimento cardíaco.
A Inglaterra é responsável pela criação da política de erradicação com sacrifício
sanitário e de barreiras comerciais aos países endêmicos ou que praticam vacinação. Na
época do seu aparecimento nesse país, a doença era vista como transitória, inevitável, da
qual os animais podiam se recuperar, tornando-se mais resistentes numa nova infecção.
Esse entendimento se modificou, ao longo dos anos, por influência de aristocratas,
parlamentares e criadores de raças de pedigree. A quarentena foi substituída em 1892
pelo sacrifício sanitário (stamping-out) de todos os animais infectados e contatos
suscetíveis. Para Woods (2004), a legislação usada para controlar a aftosa foi o principal
fator para transformar a compreensão da doença, que se tornou “temida e vista como

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT