A Fase Recursal

AutorIves Gandra Martins Filho
Ocupação do AutorMinistro do Tribunal Superior do Trabalho. Mestre em Direito Público pela UnB e Professor dos Cursos de Pós-Graduação do Instituto Brasiliense de Direito Público (IDP) e do Instituto Internacional de Ciências Sociais (IICS)
Páginas204-216

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1. Interesse recursal

Princípio básico do direito de recorrer é a existência de sucumbência. Somente quem perdeu, no todo ou em parte, com a decisão judicial, pode dela recorrer para a instância superior. Assim, em relação às partes, o interesse recursal está ligado à sucumbência, ou seja, à existência de condenação ou à rejeição do pedido. Se, por exemplo, o juiz não acolhe a prescrição invocada pela empresa, em dissídio individual, mas julga improcedente, quanto ao mérito, a reclamatória, carece a empresa de interesse recursal quanto à questão da prescrição, em vista da inexistência de condenação. O mesmo ocorre nos casos em que o recurso da parte contrária é conhecido mas desprovido: não poderá a parte vencedora recorrer para obter o não conhecimento do recurso anterior.

Em matéria de dissídio coletivo, o princípio é o mesmo, verificando-se a ausência de interesse recursal, no caso de decisão que extingue o dissídio coletivo por não comprovação da negociação prévia, ainda que reconheça a legitimidade ativa do sindicato suscitante: não poderá o suscitado pretender, via recurso ordinário para o TST, o reconhecimento da ilegitimidade do mesmo.

Já em relação ao Ministério Público, quando atua na qualidade de fiscal da lei, o interesse recursal liga-se à existência de atentado a preceito de ordem pública.

Com efeito, o Ministério Público do Trabalho, atuando como fiscal da lei, tem legitimidade para recorrer das decisões que contrariam a lei, com amparo no art. 83, VI, da Lei Complementar n. 75/1993.

A atuação do Ministério Público do Trabalho como órgão interveniente diz respeito à proteção dos interesses indisponíveis de menor intensidade do que aqueles aos quais a lei atribui ao parquet a titularidade da ação civil pública1.

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Mas, de qualquer forma, a intervenção do Ministério Público, na qualidade de fiscal da lei, apenas se justifica quando houver interesses indisponíveis em jogo.

No campo do Direito do Trabalho, a prevalência de normas de ordem pública, dada a natureza interventiva do Estado nas relações laborais, protegendo o trabalhador, torna a intervenção do Ministério Público do Trabalho obrigatória em quase todas as questões.

Assim, para a interposição de recurso na qualidade de fiscal da lei, quando não é parte no feito, depende da demonstração da existência de direito indisponível em jogo, que não pode ser desguarnecido, ainda que seu titular deixe de recorrer.

Em termos de capitulação das normas trabalhistas em públicas ou privadas, ARNALDO SÜSSEKIND faz a seguinte distinção:

a) preceitos de direito público — normas de tutela do trabalho, de organização sindical, de contratos coletivos, de inspeção do trabalho, de organização judiciária e de processo;

b) preceitos de direito privado — normas alusivas ao contrato individual de trabalho2.

Já o Supremo Tribunal Federal é mais categórico e sintético ao diferenciar umas das outras, dando a pedra de toque para reconhecê-las:

“As normas trabalhistas são dispositivas no tocante à proteção do empregador e imperativas quanto à do empregado” (STF-Ag 137.471-3 (AgRg)-DF, Rel. Min. MARCO AURÉLIO, in DJU de 25.10.91, p. 15.031) (grifos nossos).

Seguindo tal orientação, o TST não tem conhecido de recursos do MPT que versem sobre cláusulas não atentatórias à ordem pública e contra as quais as partes não recorreram3.

Por outro lado, havendo atentado à ordem jurídica laboral em relação a direitos indisponíveis, o TST tem reconhecido a legitimidade do Ministério Público do Trabalho para recorrer, verbis:

RECURSO ORDINÁRIO INTERPOSTO CONTRA DECISÃO PROFERIDA EM DISSÍDIO COLETIVO — LEGITIMIDADE DO MINISTÉRIO PÚBLICO — DESCONTO ASSISTENCIAL. A Constituição da República elevou o Ministério Público como instituição essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis. O artigo 8º, da Carta Magna, ao assegurar a liberdade sindical, confere ao

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trabalhador o direito de filiar-se, ou não, a sindicato. Consequentemente, aos trabalhadores não associados deve ser assegurado o direito de oposição ao chamado desconto assistencial, por não se tratar de direito disponível pela entidade sindical. Esse direito de oposição consta também da lei ordinária, como se infere do artigo 545, da CLT. Não tendo a decisão regional assegurado aos trabalhadores o direito de oposição ao desconto, legitima-se a atuação do Ministério Público para submeter o reexame da matéria ao órgão ad quem (art. 83, inciso VI, da Lei Complementar n. 75/1993). Agravo de Instrumento provido” (TST-AI-RO 108.030/94.3, Rel. Min. INDALÉCIO GOMES NETO, DJU de 5.8.94, p. 19.420).

O TST foi ainda mais além, assentando que ao juízo de admissibilidade da Presidência dos TRTs, em matéria de recurso ordinário em dissídio coletivo, não é dado perquirir sobre o interesse de agir do MPT, verbis:

RECURSO ORDINÁRIO INTERPOSTO PELO MINISTÉRIO PÚBLICO. Não compete ao Presidente de Tribunal Regional do Trabalho dizer do interesse de agir do Ministério Público quando este interpõe recurso. O juízo da conveniência e da oportunidade do recurso é do órgão (arts. 7º, § 5º, da Lei n. 7.701/1988 e 83, inciso VI, da Lei Complementar n. 75/1993). Agravo de instrumento provido” (TST-AI-RO n. 106104/94.3, Rel. Min. RÍDER NOGUEIRA DE BRITO, DJU de 19.8.94,
p. 21.070).

Também goza de interesse recursal o Ministério Público, quando se tratar de acordo judicial homologado que atente contra preceitos de ordem pública. Poderá, assim, a Procuradoria Regional do Trabalho recorrer para o TST contra acordos homologados pelos TRTs4.

2. Homologação de acordo posterior à sentença

Ainda que o exercício do poder normativo pela Justiça do Trabalho seja atividade mais propriamente legiferante do que jurisdicional, o certo é que põe fim a um conflito coletivo de trabalho por meio de um provimento jurisdicional com roupagem normativa.

Entregue a prestação jurisdicional pelo Estado, surge a questão de se saber se pode ser desconsiderada pelas partes e pelo próprio Poder Judiciário, por meio de substituição por solução decorrente da vontade das partes, com o beneplácito do Estado.

Prolatada a sentença normativa, torna-se lei entre as partes, podendo a ação de cumprimento, que é a forma de execução especial do comando sentencial, ser ajuizada mesmo antes do trânsito em julgado da decisão (Lei n. 7.701/1988, art. 7º, § 6º). Ora, se as partes desconsiderarem a sentença, com a empresa deixando de

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observar seus comandos, e o sindicato se omitindo no exigir o cumprimento da mesma, teremos como configurado o descontentamento de ambas as partes com a solução dada ao conflito coletivo pela Justiça do Trabalho.

Assim, o pedido de homologação de acordo formulado pelas partes, mesmo após a prolação da sentença normativa, encontra beneplácito das Cortes Trabalhistas, na esteira do que disciplinava o item XXVI da Instrução Normativa
n. 4/1993 do TST, atualmente revogada, sendo submetido imediatamente à homo-logação pelo Tribunal.

Se o acordo é posterior à sentença normativa prolatada pelo TRT, a competência para homologá-lo passa a ser do TST, conforme entendimento dessa Corte:

DISSÍDIO COLETIVO — ACORDO CELEBRADO APÓS A DECISÃO DE PRIMEIRO GRAU. A CLT, no Capítulo I do Título X, estabelece princípios gerais de processo referentes tanto aos dissídios individuais quanto aos coletivos, como o contido no § 3º do art. 764, de que é lícito às partes celebrar acordo que ponha termo ao processo, ‘ainda mesmo depois de encerrado o Juízo conciliatório’, expressão que, interpretada em harmonia com o estímulo à solução conciliatória prevista no § 1º (com o reforço, hoje, do estabelecido no art. 114, e seus dois parágrafos, da Carta Magna de 1988), conduz à conclusão de que tem extensão idêntica à da expressão ‘a qualquer tempo’. Celebrado, porém, o acordo após cumprido e acabado o ofício jurisdicional do Juízo de primeiro grau, sua apreciação, para fim de homologação, ou não, cabe ao Juízo de segundo grau. Acordo homologado, extinguindo-se o processo com julgamento do mérito (CPC, art. 269, III)” (TST-RO-DC n. 95565/93, Rel. Min. MANOEL MENDES DE FREITAS, DJU de 17.6.94, p. 15.888).

A precaução necessária na apreciação de tal pedido concerne à não admissão de manobra sindical-patronal tendente a burlar direitos dos trabalhadores. É o caso de sentença normativa que impõe vantagens salariais elevadas e reduz o percentual da contribuição assistencial para o sindicato ou condiciona-a à não oposição dos empregados. Um acordo posterior em que o sindicato, para garantir suas receitas, transigisse com as vantagens salariais concedidas à categoria, deveria ser rejeitado pelo tribunal, como fraude a direitos trabalhistas garantidos por sentença normativa.

Homologado o acordo posterior à sentença normativa, passa a substituí-la a partir do ato homologatório, pois antes as relações trabalhistas estavam regidas pela sentença coletiva. Nesse sentido se posicionou o TST ao assentar:

DISSÍDIO COLETIVO — ACORDO COLETIVO CELEBRADO APÓS A SENTENÇA NORMATIVA — ABRANGÊNCIA. A vida das normas jurídicas, especialmente as que estipulam normas e condições de trabalho, seja por convenção coletiva, acordo coletivo ou sentença normativa, não é indeterminada. Elaborada para estabelecer condições de trabalho aplicáveis no âmbito das respectivas representações às relações individuais de trabalho, tem o seu destino condicionado ao substractum social que elas disciplinam e ordenam. As mutações constantes na vida dos grupos determinam a revisão ou alteração de suas normas. Toda lei vigora até que outra a modifique

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ou revogue, conforme dispõe o art. 2º, da Lei de...

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