Fase probatória

AutorHenrique Macedo Hinz
Ocupação do AutorMestre e Doutor em Direito do Trabalho - PUC-SP
Páginas72-91

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Não deve haver nenhuma dúvida de que a fase probatória é a mais importante dentro de todo o processo. Assim, tanto o advogado do reclamante quanto o da reclamada devem buscar fazer a melhor prova possível, com vistas a garantir a perfeita defesa de seu constituinte.

Provar significa demonstrar a verdade de uma afirmação. É pela prova que as partes buscam "reconstruir" para o juiz os fatos ocorridos na relação de trabalho havida, de modo que restem evidentes as violações (de acordo com o reclamante), ou não (de acordo com a reclamada), ao direito.

A prova não tem nenhuma outra finalidade senão a de formar a convicção do juiz acerca dos fatos da causa e do direito que fundamenta a pretensão deduzida em juízo, ou seja, ela só serve, e só deve ser produzida, com vistas a convencer o juiz.

O princípio constitucional que rege a questão vem previsto na Constituição Federal, em seu art. 5a, LV,39 que estabelece o direito ao contraditório e à ampla defesa.

A fase probatória, propriamente dita, se inicia após a entrega da defesa pela reclamada, quando frustradas as tentativas de acordo, conforme estipula o art. 848 da CLT.40

No que se refere aos meios pelos quais as partes podem fazer suas provas, tem-se que todos eles, ainda que não especificados, são hábeis a provar a verdade dos fatos em que se funda a ação, conforme dita o art. 332 do CPC.41

Em linhas gerais, pode-se dizer que as partes podem, em audiência, comprovar a alegação dos fatos ou direito que alegam pelo depoimento pessoal da parte contrária e pela oitiva de testemunhas e de peritos etc.

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Mas, antes de adentrar nessas formas de prova, é importantíssimo tecer alguns comentários acerca da distribuição do ónus da prova no processo do trabalho, questão que gera confusão a alguns, é desconhecida de outros poucos, mas é imprescindível para todos os que atuam na Justiça do Trabalho.

4.1. O que provar?

Muitos advogados se irritam com juizes que indeferem as perguntas que pretendem fazer à parte contrária ou à testemunha. Equívocos à parte do magistrado, é fato que se percebe que o advogado, procurando garantir a perfeita defesa de seu cliente, e às vezes não tendo muita certeza sobre "quem" tem de provar o quê, acaba por elaborar um extenso rol de perguntas a serem feitas, e que acabam sendo, em sua maioria, indeferidas pelo juiz.

A parte pode ter o ónus de provar (A) o direito sobre o qual se funda sua pretensão ou (B) os fatos que levam à aplicação do direito, de forma favorável, aos seus interesses.

A prova de direito, que não diz respeito à audiência trabalhista, objeto da presente obra, se funda no art. 337 do CPC, segundo o qual:

CPC, art. 337. A parte, que alegar direito municipal, estadual, estrangeiro ou consuetudinário, provar-lhe-á o teor e a vigência, se assim o determinar o juiz.

Assim, quando a pretensão do reclamante se fundar em norma municipal, estadual, direito estrangeiro ou consuetudinário (incluem-se aqui as normas co-letivas — convenção coletiva de trabalho e acordo coletivo de trabalho), deverá ele fazer a prova da existência e vigência destas. As normas federais são de conhecimento do juiz, não havendo necessidade de sua prova. De se recordar, por oportuno, que a prova dessas normas deve ser feita com a petição inicial,42 no caso do reclamante, e na contestação,43 pela reclamada, sob pena de preclusão.

Mas, em audiência, o que se procederá à prova são os fatos alegados pelo reclamante e os eventualmente alegados pela reclamada. E que fatos são esses?

  1. Fatos controvertidos: controvertidos são os fatos que, alegados por uma das partes, são negados pela outra. Onde não houver controvérsia, não há necessidade de se fazer prova. Assim, se o reclamante ou a reclamada é declarado confesso, ao "desconhecer" o fato em seu depoimento pessoal, não haverá necessidade de se fazer prova, por exemplo, testemunhal, desse fato.

  2. Fatos relevantes: relevantes são os fatos necessários para a decisão sobre o pedido formulado. Se o reclamante pretende receber pelos minutos supri-

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    midos de seu intervalo para refeição e descanso, é irrelevante saber se na reclamada havia ou não refeitório: importa saber, é relevante saber, se teve ele suprimido seu intervalo, como por ele alegado, ou não. Afinal, de nada adiantaria a empresa possuir um restaurante muito bonito e sofisticado, se o reclamante não podia fazer suas refeições, lá ou no posto de serviço.

  3. Fatos pertinentes: pertinentes são os fatos que dizem respeito à causa, às pretensões e alegações a serem apreciadas pelo juiz na sentença. Assim, impertinente será a pergunta que busque saber se a testemunha recebia pagamentos de forma não contabilizada, o famoso "por fora", quando o que se discute nos autos é o fato de o reclamante dizer que o recebia. A pergunta relevante, nesse exemplo, é se a testemunha presenciava o reclamante recebendo o "por fora".

    Na seção de anexos (Anexo 7), apresentamos um quadro geral com fatos relevantes a serem eventualmente usados na instrução trabalhista.

4.2. Distribuição do ónus da prova

Não há necessidade de cada uma das partes provar todos os fatos por ela alegados, muito menos todos os alegados pela parte contrária. A legislação processual, considerando a facilidade e capacidade de realização da prova, distribui o ónus probatório entre os litigantes.

Ónus é uma faculdade, é um encargo, atribuído a cada uma das partes que, se não exercido, gera consequências processuais. Ninguém é obrigado a fazer nenhuma prova: se o fosse, o descumprimento lhe geraria uma sanção. Sendo um ónus, e não se desincumbindo a parte de seu cumprimento, pode sofrer como prejuízo processual, por exemplo, a confissão quanto à alegação da parte contrária.

Na doutrina e na jurisprudência, há uma certa discussão acerca da aplicabilidade, ou não, do disposto no art. 333 do CPC ao processo do trabalho. Explica-se: o art. 769 da CLT44 estabelece que as disposições do processo civil serão aplicadas ao processo do trabalho quando este for omisso e quando não violar seus princípios. Ou seja, há dois requisitos para a aplicação, no processo do trabalho, de disposições do direito processual comum: (A) omissão da matéria na CLT e (B) a disposição do processo civil não violar os princípios do processo do trabalho.

Muito bem. A CLT, ao tratar da distribuição do ónus da prova, não é omissa, pois que ela é regulada pelo art. 818 da CLT, que estabelece:

CLT, art. 818. A prova das alegações incumbe à parte que as fizer.

Alega-se, como motivo para a aplicação do art. 333 do CPC, o fato de este ser mais "técnico", mais "científico". Afinal:

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CPC, art. 333. O ónus da prova incumbe:

I — ao autor, quanto ao fato constitutivo do seu direito;

II — ao réu, quanto à existência de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor.

Assim, se em audiência o juiz ou a parte contrária cria algum óbice à realização de uma prova, fundando-se no art. 333 do CPC, pode o advogado da parte prejudicada fundamentar sua discordância, a princípio, pela circunstância de que a CLT não é omissa quanto à distribuição do ónus probatório, ante o que dispõe o art. 818 anterior, não havendo que se falar em subsidiariedade do CPC.

Mas há outra questão, relevantíssima e pouco usada pelos advogados: o disposto no art. 6a, VIII, do Código de Defesa do Consumidor, a saber:

CDC, art. 6e São direitos básicos do consumidor:

(...)

VIII — a facilitação da defesa de seus direitos, inclusive com a inversão do ónus da prova, a seu favor, no processo civil, quando, a critério do juiz, for verossímil a alegação ou quando for ele hipossuficiente, segundo as regras ordinárias de experiências;

Na relação de consumo, a exemplo do que ocorre na relação de trabalho, há um sujeito contratual hipossuficiente (empregado/consumidor), e outro não (empregador/fornecedor). E o art. 769 da CLT anteriormente analisado diz da aplicabilidade das disposições do direito processual comum, não do direito processual civil.

Assim, verificando o juiz do trabalho a impossibilidade de realização da prova quando esta couber ao reclamante, poderá (atenção: é faculdade, não obrigação do juiz) ocorrer a inversão do ónus probatório, em favor da parte hipossuficiente.

Será esse o caso, por exemplo, do trabalho doméstico: como pode o empregado fazer prova de suas alegações se todas as possíveis testemunhas são de relacionamento pessoal do empregador? Nessas hipóteses, e com base no referido art. 6a, VIII, do CDC, pode o juiz, de forma fundamentada, inverter o ónus da prova.

ATENCAO A inversão do ônus da prova ocorrerá na hipótese do art. 6 do CDC acima analisado. Nos demais casos, poderá haver inver º, VIII, - são na ordem dos depoimentos. Explica-se: a finalidade do depoimento pessoal é a obtenção da confissão judicial da parte (vide item 4.3). Com a finalidade de obter a celeridade processual, o juiz procura ouvir primeiro quem tem o maior ônus probatório no feito, pois se essa parte confessar, estará abreviada a audiência. Normalmente, em face de o reclamante ter feito os pedidos, impugnados pela reclamada, costuma o juiz primeiramente tomar o depoimento pessoal do reclamante e, posteriormente, da reclamada. Por sua vez, se se discute a nulidade da justa causa aplicada ao...

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