Fase de arbitragem

AutorHenrique Macedo Hinz
Ocupação do AutorMestre e Doutor em Direito do Trabalho - PUC-SP
Páginas58-71

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Muitos livros de processo civil costumam afirmar, em seu início, que o conflito de interesses é prejudicial à sociedade. Essa é uma visão corporativista da sociedade, uma vez que ela vê o conflito como um desgaste necessário de energia social, sendo que o ideal seria que todos caminhassem juntos em prol do desenvolvimento da nação. Para os liberais, o conflito é justamente o elemento que faz com que ocorra o progresso, na medida em que a tese mais forte prevalece, lançando os argumentos fracos ou infundados ao ostracismo.

Mas podemos dizer que o problema social do conflitos de interesses juridicamente tutelados decorre do fato de que ele gera uma dúvida quanto à adequada interpretação de uma norma. Exemplificando, o conflito entre um jornalista que publicou uma matéria que invada a privacidade de uma autoridade pública, levantando dúvidas sobre sua ética e sua moralidade, e essa mesma autoridade gera uma incerteza com relação à extensão e efetividade dos princípios que regem o direito de expressão, de um lado, e a privacidade e dignidade da pessoa, de outro.

Até que o Judiciário fixe o entendimento acerca da mais adequada interpretação de uma dada norma, os conflitos em torno dela geram uma insegurança jurídica no meio social, já que sempre haverá a dúvida acerca de se estar ou não agindo na forma da lei. Daí a preocupação em se estudarem as formas de soluções de conflitos, em que a arbitragem estatal — o processo judicial e sua sentença — é uma das modalidades, junto com a conciliação e a mediação.

Na conciliação, as próprias partes envolvidas no conflito chegam a um consenso, cedendo, ou não, em parte, suas pretensões, eliminando o conflito. Na mediação há um terceiro, estranho às partes, que as auxilia a chegar a um consenso, pondo fim ao conflito, mas são elas que estabelecem os termos para o fim do conflito. A terceira possibilidade — a arbitragem — pode ser particular ou estatal (jurisdição), e se caracteriza pela existência de um terceiro, o árbitro, estranho às partes, que decide o conflito, dizendo qual a solução mais adequada à luz da norma aplicável àquele caso concreto, seja um contrato, uma lei ou a própria Constituição Federal.

Pois bem, até o capítulo anterior se estudou a conciliação e a mediação de conflitos trabalhistas. No presente passa-se a estudar a arbitragem estatal, realizada pela Justiça do Trabalho, que vai decidir o conflito de interesses que lhe é apresentado. A partir de agora — quando frustrada a conciliação das partes — ao

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receber a defesa da reclamada, passa o juiz do trabalho a agir como árbitro estatal do conflito. Sua decisão irá substituir a vontade das partes nos pontos em que colidam com a sentença, sendo que essa decisão deve ser devidamente fundamentada, nos termos do art. 93, IX, da Constituição Federal.24

Mas, antes de a reclamada apresentar sua defesa, pode o reclamante emendar ou aditar sua petição inicial. É o que se passa a ver no item seguinte.

3.1. A modificação da inicial: emenda e aditamento da inicial

Pode ocorrer de a petição inicial conter vícios que impossibilitem a perfeita defesa por parte da reclamada, ou do próprio julgamento pelo órgão jurisdicional.

No processo civil, há a possibilidade de, assim ocorrendo, o juiz extinguir, sem resolução de seu mérito, a petição inicial, uma vez que esta se mostra inepta.

No processo do trabalho, em face do jus postulandi das partes, deve o juiz conceder ao reclamante a oportunidade de emendar ou aditar a inicial, sanando os erros ou complementando o quanto necessário, antes de declarar a inépcia da inicial e, consequentemente, a extinção do feito, sem resolução de seu mérito. Tal questão, inclusive, já foi pacificada pelo Tribunal Superior do Trabalho por meio de sua Súmula de n. 263, verbis:

Súmula n. 263 do TST. Petição inicial. Indeferimento. Instrução obrigatória deficiente. Salvo nas hipóteses do art. 295 do CPC, o indeferimento da petição inicial, por encontrar-se desacompanhada de documento indispensável à propositura da ação ou não preencher outro requisito legal, somente é cabível se, após intimada para suprir a irregularidade em 10 (dez) dias, a parte não o fizer.

No processo civil, o autor pode emendar (corrigir os termos da inicial por determinação do juiz) ou aditar (acrescer pedidos não formulados anteriormente) a sua inicial até o momento da citação do réu, conforme estipula o art. 294 do CPC:

CPC, art. 294. Antes da citação, o autor poderá aditar o pedido, correndo à sua conta as custas acrescidas em razão dessa iniciativa.

Esse dispositivo não se aplica no processo do trabalho, pois que no processo civil a defesa é apresentada no prazo de 15 dias após a citação, conforme art. 297 do CPC,25 ao passo que no processo do trabalho a defesa é ato de audiência, conforme reza o art. 847 da CLT.26 Assim, se após a citação do autor, no processo civil,

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começa a correr o prazo de 15 dias para a apresentação de sua defesa, permitir, após essa citação, que o autor emende ou adite sua inicial traria prejuízos processuais ao réu, dado que não teria como emendar ou aditar sua defesa.

No processo do trabalho, ao contrário, é praxe aceitar-se que, antes da apresentação da defesa — e apenas até esse momento — o reclamante emende ou adite sua inicial (não raro concedendo-se prazo para que se apresente tal peça processual, que deverá vir acompanhada de contrafé para a intimação da reclamada), ao que fica esta com a responsabilidade de saber se essas alterações afetam, ou não, os termos da contestação que pretendia até então apresentar. Em caso afirmativo, deve o juiz, recebendo o aditamento ou a emenda, redesignar a audiência para que a reclamada possa elaborar sua contestação incluindo eventuais impugnações às modificações realizadas pelo reclamante.

ATENÇÃO: 1. Se o juiz aceitar o aditamento ou a emenda apresentada pelo reclamante após a apresentação da contestação, cabe correição parcial contra esse ato, dado que está tumultuando a ordem procedimental do feito.

2. Se, por outro lado, apresentada a emenda ou aditamento antes da defesa, tem a reclamada o direito a um prazo de, no mínimo, 5 dias para aditar sua defesa, com a consequente e necessária redesignação da audiência, por aplicação do art. 841 da CLT já citado. Violação desse direito importa impetração de mandado de segurança contra ato do juiz, visto que está ele violando direito líquido e certo da reclamada.

3.2. Apresentação de defesa

Tendo em vista o objeto da presente obra, não há que se abordar a forma de elaboração da contestação a ser apresentada pela reclamada, da mesma forma como não se teceu nenhum comentário acerca da forma da elaboração da petição inicial. Vamos, assim, considerar a contestação pronta, a ser entregue em audiência, após a frustração da conciliação das partes.

3.2.1. Complementação da defesa

Se a CLT prevê a elaboração oral da contestação (art. 847) em 20 minutos, hoje em dia não se considera mais a possibilidade de isso ocorrer, salvo naqueles casos em que o advogado é constituído minutos antes da audiência, sem tempo hábil para redigir essa peça processual. A amplitude e maior complexidade de pedidos faz com que, nesse espaço de tempo, seja quase impossível se elaborar uma boa defesa.

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Mas ocorre com frequência de o advogado, ou a própria parte, pretender fazer uma complementação na defesa, que pode ser desde a retificação de um nome ou de uma palavra, até a inserção de linhas, parágrafos ou mesmo a impugnação de todo um pedido da inicial.

A primeira questão a ser considerada: (A) ocorre preclusão consumativa caso a defesa seja entregue escrita e pretenda o advogado complementá-la?

Considerando-se que o processo é uma sucessão de atos a serem praticados pelo juiz e pelas partes e auxiliares com vistas à prestação jurisdicional, terminado um prazo inicia-se imediatamente o posterior, e assim sucessivamente até a sentença. Na doutrina processual são previstas três espécies de preclusão: temporal, consumativa e lógica.

Na primeira, temporal, a preclusão decorre da não prática do ato processual no prazo estipulado, que pode ser legal ou judicial, conforme previsão do art. 183 do CPC:

CPC, art. 183. Decorrido o prazo, extingue-se, independentemente de declaração judicial, o direito de praticar o ato, ficando salvo, porém, à parte provar que o não realizou por justa causa.

Na segunda espécie de preclusão, a consumativa, o ato processual é praticado, mas parcialmente, pela parte, dentro do prazo assinalado, impossibilitando a sua finalização, ainda que dentro desse mesmo prazo, conforme estipulação do art. 158 do CPC:

CPC, art. 158. Os atos das partes, consistentes em declarações unilaterais ou bilaterais de vontade, produzem imediatamente a constituição, a modificação ou a extinção de direitos processuais.

Por fim, na preclusão lógica, decorre da incompatibilidade entre um ato que se pretenda realizar e outro realizado anteriormente. Hipóteses desse tipo de preclusão são consideradas pelos arts. 243 e 503, ambos do CPC, de seguinte teor:

CPC, art. 243. Quando a lei prescrever determinada forma, sob pena de nulidade, a decretação desta não pode ser requerida pela parte que lhe deu causa.

CPC, art. 503. A parte, que aceitar expressa ou tacitamente a sentença ou a decisão, não poderá recorrer.

Pois bem, retornando à questão posta: se o advogado da reclamada apresentou defesa escrita, entregando-a ao juiz, pode ele requerer a sua complementação oral? A resposta é afirmativa, mas para se evitarem discussões desnecessárias, é vital...

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