Families and social assistance: reflections on the Continued Payment Benefit (BPC) and the Bolsa Familia (PBF) programs/ Familias e assistencia social : reflexoes sobre o BPC e o PBF.

AutorSenna, Monica de Castro Maia
CargoTexto en portugues - Ensayo

Introducao

Este artigo insere-se no interior do debate sobre o trabalho com familias na politica de assistencia social. Seu objetivo central e contribuir para o debate sobre esta tematica, a partir da analise de alguns elementos que circunscrevem a centralidade da familia na politica de assistencia social brasileira nos anos recentes, mais especificamente no ambito do Programa Bolsa Familia (PBF) e do Beneficio de Prestacao Continuada (BPC).

Principal programa social de combate a pobreza do governo federal desde 2004, o PBF teve no foco a familia uma de suas supostas inovacoes, se comparado com as intervencoes publicas que o antecederam. Ja o BPC e um beneficio individual, nao contributivo, inscrito na Constituicao Federal de 1988, mas que considera a familia para fins de calculo da renda para concessao do beneficio.

O momento atual, marcado pela profunda regressao dos direitos sociais, e propicio para examinar os rumos dessas medidas, inserindo-as no contexto de mudancas nos sistemas de protecao social. No caso do presente trabalho, pretende-se trazer alguns elementos que possam subsidiar a analise sobre a centralidade na familia proposta pelo PBF, com enfase nas potencialidades, limites e desafios postos ao sistema de protecao social brasileiro.

O trabalho encontra-se estruturado da seguinte forma: inicialmente, discutem-se as principais inflexoes que vem sendo produzidas nos sistemas nacionais de protecao social nas ultimas decadas, com destaque para o caso brasileiro. Entende-se que essas inflexoes estao associadas as profundas mudancas que se operaram nas relacoes entre Estado, economia e sociedade no capitalismo contemporaneo, resguardadas as especificidades da formacao socio-historica de cada pais. E neste contexto que os programas de transferencia condicionada de renda centradas nas familias ganham espaco crescente na agenda governamental. A partir desta discussao, em segundo lugar, aborda-se a configuracao da familia no desenho do PBF e na construcao do BPC, para, em seguida, apontar alguns aspectos contraditorios presentes nas relacoes estabelecidas entre Estado e familia forjadas a partir da construcao dessas iniciativas.

Familias e sistemas publicos de protecao social

O ultimo quartel do seculo XX assistiu a profundas transformacoes economicas, politicas e sociais, decorrentes, em grande medida, da grave crise do capitalismo mundial, com impactos diretos no padrao de intervencao publica no campo social erigido desde o segundo pos-guerra. O processo de reestruturacao produtiva em curso, associado as mudancas no mundo do trabalho e ao consequente aumento do desemprego estrutural, abalou os pilares de sustentacao dos Estados Sociais e propiciou o fortalecimento de concepcoes e estrategias de revisao do papel do Estado interventor, especialmente no que tange a provisao social.

Destaca-se aqui a leitura neoliberal, cujo cerne das criticas repousa na suposta expansao excessiva dos direitos sociais e na intensa atuacao do Estado no campo da protecao social, qualificada como desnecessaria e mesmo ineficiente. Dentro desta perspectiva, o mercado e reafirmado como o melhor mecanismo de alocacao de riquezas e de producao de bem-estar, enquanto a responsabilidade pela protecao contra riscos sociais caberia prioritariamente ao individuo e aos seus lacos de sociabilidade primaria (familia, vizinhanca, comunidade). E neste contexto que se observa a "redescoberta" da familia enquanto um importante agente privado no desenvolvimento de politicas de protecao social (PEREIRA, 2006).

O emprego do termo "redescoberta" como referencia a centralidade assumida pela familia nos esquemas publicos de protecao social recentes nao se da aleatoriamente. Em seu ja classico trabalho voltado a construcao de uma tipologia dos regimes de Estados de Bem-Estar Social, EspingAndersen (1991) chama atencao para a necessidade de se considerarem as formas como as intervencoes estatais se entrelacam com o mercado e com a familia na provisao social. Apesar disto, a enfase dada pelo autor recai nas relacoes entre Estado e mercado, de modo que uma das criticas recorrentes a esta abordagem reside exatamente na lacuna a respeito das formas como a familia se tornou uma esfera de protecao social ao longo do processo de constituicao e desenvolvimento dos Estados de Bem-Estar Social.

Contribuicoes a este debate tem sido aportadas por estudos feministas, cuja linha de argumentacao procura demonstrar que a divisao de trabalho entre os sexos e as ideologias de genero tendem a influenciar a provisao social, ao mesmo tempo em que as politicas sociais afetam de maneira distinta as condicoes de vida de homens e mulheres nos diferentes tipos de Estado de Bem-Estar Social (BOCK, 1994). Por meio de estudos historicos, as criticas feministas vao destacar o papel das mulheres na provisao de bem-estar por meio do trabalho domestico nao remunerado e do trabalho da assistencia (denominada por algumas autoras como care) exercido na esfera da reproducao social, tal como discutido por Gama (2008).

Conforme aponta Pereira (2006), durante o auge da economia capitalista no segundo pos-guerra, com garantia de pleno emprego e da oferta de politicas sociais universais, pareceu que a familia seria descartavel no modelo de Estado de Bem-Estar gestado pelos paises centrais. De forma analoga, Carvalho (1995) traz a ideia de que a protecao e a reproducao social transformaram-se em missao quase total de um Estado Social provedor e garantidor dos direitos dos cidadaos. Desse modo, defendia-se que o individuo poderia trilhar a sua vida dependente exclusivamente do Estado e do trabalho e nao mais das chamadas sociabilidades comunitarias e familiares.

Somente com o acirramento da crise economica e que se da conta de que estas promessas estariam ameacadas. Neste contexto, as redes de solidariedade e sociabilidade pensadas a partir da familia passam a ser valorizadas no ambito da protecao social, principalmente na politica social.

Sob a egide do ideario neoliberal, foram introduzidas mudancas significativas nos sistemas de protecao social, em que a familia se tornou elemento central das politicas publicas com a perspectiva de que ela deve partilhar com o Estado as responsabilidades no que se refere a promocao de bens e servicos sociais. Como menciona Pereira (2006, p. 25), "introduz-se a problematica da familia como importante substituto privado do Estado na provisao de bens e servicos sociais basicos".

Para esta autora, o contexto de mudancas recentes na estrutura das economias capitalistas tem servido de justificativa para a adocao de um modelo misto de protecao social, denominado de pluralismo de bem-estar, caracterizado, em linhas gerais, pela "acao compartilhada do Estado, do mercado (incluindo as empresas) e da sociedade (organizacoes voluntarias, sem fins lucrativos, a familia ou rede de parentesco) na provisao de bens e servicos que atendam as necessidades humanas basicas" (PEREIRA, 2009, p. 199).

No Brasil, como na maioria dos paises latino-americanos, o Estado de Bem-Estar Social (se assim podem ser chamadas as estruturas de relacao entre Estado e sociedade que vigoraram entre as primeiras decadas do seculo XX ate o final dos anos 1970) se deu de modo timido e fragil, sendo chamado por autores como Carvalho (1995) e Pereira (2006) de Welfare Mix, em que a responsabilidade com a protecao era partilhada entre o Estado e a sociedade civil. Desta forma, nao se pode dizer que a sociabilidade e a solidariedade fundadas nas relacoes familiares nestes paises deixaram de acontecer por forca de um Estado firme e de pleno emprego.

No Brasil, as sociabilidades sociofamiliares e as redes de solidariedade por elas engendradas nunca foram descartadas. E que elas foram e sao, para as camadas populares, a sua condicao de resistencia e sobrevivencia. A familia alargada, o grupo de conterraneos, por exemplo, sao possibilidades de maximizacao de rendimentos, apoios, afetos e relacoes para obter emprego, moradia, saude [...]. (CARVALHO, 1995, p. 17).

De fato, a vinculacao entre politicas sociais e familias e recorrente na historia...

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