O conceito constitucional de família e sua capacidade processual: Do alcance da coisa julgada a todos os seus integrantes

AutorLuiz Carlos Goiabeira Rosa
CargoMestre em Direito Civil pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG)
Páginas119-134

Page 119

Disponível em: www.univali.br/periodicos

O CONCEITO CONSTITUCIONAl DE FAmÍlIA E SUA CAPACIDADE PROCESSUAl: DO AlCANCE DA COISA JUlgADA A TODOS OS SEUS INTEgRANTES

THE CONSTITUTIONAL CONCEPT OF FAMILY AND ITS PROCEDURAL CAPACITY: THE SCOPE OF RES JUDICATA TO ALL ITS MEMBERS

EL CONCEPTO CONSTITUCIONAL DE FAMILIA Y SU CAPACIDAD PROCESAL: DEL ALCANCE DE LA COSA JUZGADA A TODOS SUS INTEGRANTES

Luiz Carlos Goiabeira Rosa 1

RESUMO

O presente artigo presta-se a tecer comentários sobre o conceito constitucional de família e, a partir de tal parâmetro, constatar que a família pode ser considerada ente único em algumas situações. Por meio dos métodos indutivo e dialético, comprovar-se-á que a família pode ser detentora de capacidade processual, sendo assim parte numa relação jurídica processual; e bem assim, observar-se-á a necessidade de se alterar o art. 12 do Código de Processo Civil, acrescentando-se a família no rol do mencionado dispositivo.

PALAVRAS-CHAVE: Família. Capacidade processual. Ente despersonalizado. Coisa julgada.

ABSTRACT

This article offers some commentaries on the constitutional concept of family, and based on this parameter, it observes that family can be considered as a single entity in certain situations. Through the inductive and dialectical methods, it demonstrates that the family can be a holder of procedural capacity, making it part of a procedural legal relationship. It also notes the need to change article 12 of the Civil Procedure Code, adding the family in the list of provisions mentioned.

KEYWORDS: Family. Procedural capacity. Depersonalized entity. Res judicata.

RESUMEN

El presente artículo se propone elaborar comentarios sobre el concepto constitucional de familia y, a partir de tal parámetro, constatar que la familia puede ser considerada ente único en algunas situaciones. Por medio de los métodos inductivo y dialéctico se comprobará que la familia puede ser detentadora de capacidad procesal, siendo así parte en una relación jurídica procesal; de la misma manera, se observará la necesidad de alterar el art. 12 del Código de Proceso Civil, agregando a la familia en el rol del mencionado dispositivo.
1 Mestre em Direito Civil pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Doutor em Direito Privado pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC Minas). Professor da Universidade Federal de Uberlândia - Faculdade de Ciências Integradas do Pontal (UFU/FACIP), na cidade de Ituiutaba - MG. goiabeira@pontal.ufu.br; lgoiabeira@yahoo.com.br

Revista NEJ - Eletrônica, Vol. 18 - n. 1 - p. 119-134 / jan-abr 2013

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ISSN Eletrônico 2175-0491

PALABRAS CLAVE: Familia. Capacidad procesal. Ente despersonalizado. Cosa juzgada.

INTRODUÇÃO

Conforme a principiologia constitucional, a coisa julgada não pode ser prejudicada pela lei. Ato contínuo, por um imperativo de ordem processual da respectiva decisão da res iudicata não cabe mais recurso.

Contudo hipóteses há em que a coisa julgada estende-se a terceiros não participantes da lide, porém interessados no resultado, necessitando-se para tanto enxergar um grupo de pessoas como ente único. De tais situações, o presente estudo abordará a questão da família como ente em si considerado e demonstrará a necessidade de tal coniguração para ins materiais e processuais: por meio do método dedutivo, demonstrar-se-á que a família pode ser considerada um ente despersonalizado e, por consequência, dotada de capacidade processual em determinados casos, fato já reconhecido e adotado jurisprudencialmente.

Para tanto, discutir-se-á sobre a amplitude do impacto da coisa julgada em relação à família, ainda que a decisão tenha envolvido diretamente somente um ou alguns de seus membros. Observar-se-á a lagrante discrepância entre o interesse da família defendido por mais de um membro sucessivas vezes, em contraposição à única vez de que dispõe a parte adversa. Ao im, concluir-se-á pela necessidade de se alterar preceitos do Código de Processo Civil, incluindo-se entre os sujeitos de direito processual a família na acepção constitucional, representada por qualquer um de seus membros.

DOS ENTES DESPERSONALIZADOS COMO SUJEITOS DE DIREITO

A moderna doutrina tem entendido a personalidade como o conjunto de atributos reconhecidos juridicamente, que permitem a um sujeito de direito a participação em relações jurídicas de forma a se adquirir, possuir ou extinguir direitos e contrair ou extinguir obrigações na esfera civil. Esse conjunto consubstancia-se num valor e não num direito, conforme preleciona Telles Junior citado por Diniz:

A personalidade consiste no conjunto de caracteres próprios da pessoa. A personalidade não é um direito, de modo que seria errôneo airmar que o ser humano tem direito à personalidade. [...] A personalidade é o que apóia os direitos e deveres que dela irradiam, é objeto de direito, é o primeiro bem da pessoa, que lhe pertence como primeira utilidade, para que ela possa ser o que é, para sobreviver e se adaptar às condições do ambiente em que se encontra, servindo-lhe de critério para aferir, adquirir e ordenar outros bens.2

Amaral, em brilhante explicação acerca da distinção entre personalidade e capacidade, entende que, enquanto a personalidade consubstancia-se num valor, a capacidade é a projeção desse valor que se traduz em uma quantidade, um quantum: “[...] enquanto a personalidade é valor ético que emana do próprio indivíduo, a capacidade é atribuída pelo ordenamento jurídico como realização desse valor”.3Ou seja: a capacidade seria a concretização dos valores integrantes da personalidade. E esta, ao seu turno, seria mais que mero aspecto formal da pessoa; seria um conjunto de atributos e valores jurídicos que permitiriam a alguém ser titular de relações jurídicas e, consequentemente, de direitos e obrigações.

Inobstante, considerável parte da doutrina ainda se refere à personalidade nos moldes liberalistas, deinindo-a como a aptidão genérica para adquirir direitos e contrair obrigações, conforme previa o art. 2º da Lei n° 3.071/1916, de 01 de janeiro de 1916 (Código Civil de 1916). Em razão disto, se um sujeito de direito tem aptidão para adquirir apenas alguns direitos e contrair algumas obrigações, não seria pessoa.

2 DINIZ, Maria Helena. Compêndio de Introdução à Ciência do Direito. 15. ed. São Paulo: Saraiva,

2003, p. 119.


3 AMARAL, Francisco. Direito Civil – Introdução. 3. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2000, p. 216.

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Insta observar que a aptidão para adquirir direitos e contrair obrigações relaciona-se com a capacidade, posto esta ser uma espécie de materialização da personalidade. Esta, por sua vez, seria o conjunto sistematizado de atributos e valores do sujeito de direito que serviria de fundamento e substrato à aptidão para aquisição de direitos e obrigações.

Quer se dizer com isso que um sujeito de direito será pessoa se reunir determinados atributos humanísticos, e não necessariamente se tiver aptidão genérica para aquisição de direitos e obrigações. Tanto o é, que há um crescente entendimento doutrinário segundo o qual o nascituro seria pessoa desde a concepção, pois já detentor de atributos que o Estado deve proteger e tutelar – entre eles, a dignidade.

Por consequência, seria a capacidade, e não a personalidade, que variaria conforme a relação jurídica da qual o ente participasse: a maior ou a menor extensão da aptidão para aquisição de direitos e obrigações seria veriicada na delimitação do exercício da personalidade, e não nesta em si considerada. Conforme entende Alpa, a relação jurídica é travada “entre dois ou mais sujeitos entre si ou com uma coisa, à qual o ordenamento jurídico atribui relevância”, em que tal “coisa” poderia ser tomada pelo conjunto de atributos essenciais ao ser humano para viver dignamente em sociedade.4É dizer: entendida a personalidade sob o ponto de vista formalista, numa relação jurídica sujeitos de direito só participariam se dotados de aptidão genérica para adquirirem direitos e contraírem obrigações. Então não haveria direitos “da personalidade” na medida em que somente os há após haver juridicamente uma personalidade em vigência. Então, os “direitos da personalidade” não poderiam existir antes desta ou após a extinção desta.

Entrementes, repita-se: a personalidade não é a aptidão genérica para adquirir direitos e obrigações, mas sim o arcabouço sistematizado de valores e atributos que legitimam e permitem ao sujeito de direito a aquisição de direitos e obrigações – esta, materializada na capacidade. A personalidade é o que apoia os direitos que dela irradiam – aí se vendo então a aquisição de direitos e obrigações e seu respectivo exercício (capacidade).

A própria Lei n° 10.406/02, de 10 de janeiro de 2002 (Código Civil de 2002), traça casos em que os direitos da personalidade existem juridicamente antes e após a vigência da personalidade – por exemplo, no caso do nascituro (art. 2º) e do falecido (art. 12, parágrafo único). Conclui-se, assim, que a pessoa tem o direito de exercer os atributos da personalidade tutelados pelo Direito não por ter aptidão para adquirir direitos e contrair obrigações, mas por ter atributos essenciais à existência do ser humano, reconhecidos e protegidos pelo ordenamento jurídico. Conforme bem aponta Perlingieri, tocante aos direitos da personalidade, a questão não pode ser tratada como um direito subjetivo elaborado à base da categoria do “ter”, posto que se insira na categoria do “ser”.5Por consequência, o que se convencionou denominar “direitos da personalidade” refere-se em verdade aos atributos que constituem a essência da individualidade humana, sem os quais o ser humano não poderia ser considerado indivíduo e muito menos pessoa: são caracteres axiomáticos, inerentes ao próprio ontos humano e com múltiplos conteúdos. Assim...

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