Falso testemunho ou falsa perícia

AutorLuciano Anderson de Souza
Páginas213-237
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FalSO teSteMUnHO OU
FalSa PeRíCIa1
LUCIANO ANDERSON DE SOUZA
SUMÁRIO: Considerações iniciais. 1. Origem do delito. 2. Bem
jurídico tutelado. 3. Tipo objetivo. As questões do compromisso
e da falsidade. 4. Tipo objetivo. Consumação e tentativa.
Participação. 5. Retratação e outras questões importantes.
Considerações finais. Referências Bibliográficas.
CONSIDERAçõES INICIAIS
O crime de falso testemunho ou falsa perícia, previsto no artigo 342
do Código Penal brasileiro2, cuida-se de um dos mais curiosos e
1 Artigo publicado na Revista da Faculdade de Direito, da Universidade de São Paulo, fascículo
n. 110, de 2015, pp. 387-405. Sua publicação na presente obra revela-se pertinente face
à possibilidade de ocorrência do tipo em questão no bojo de um processo administrativo.
2Art. 342. Fazer afirmação falsa, ou negar ou calar a verdade como testemunha, perito, contador,
tradutor ou intérprete em processo judicial, ou administrativo, inquérito policial, ou em juízo
arbitral:
Pena – reclusão, de 2 (dois) a 4 (quatro) anos, e multa.
§ 1º As penas aumentam-se de um sexto a um terço, se o crime é praticado mediante suborno ou
se cometido com o fim de obter prova destinada a produzir efeito em processo penal, ou em processo
civil em que for parte entidade da administração pública direta ou indireta.
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LUCIANO ANDERSON DE SOUZA
desafiantes tipos penais de nosso ordenamento jurídico. São inúmeras as
controvérsias envoltas no tema, mesmo após mais de 70 anos de vigência
do Codex referido.
Inicialmente, para fins de dimensionamento do delito, já há
dificuldades em se fixar até o que seria a “verdade”, um dos elemen-
tos componentes do tipo. Esta é discutida em termos religiosos, fi-
losóficos e sociológicos desde a passagem bíblica quanto à ausência de
resposta de JESUS ao questionamento de Pilatos (“Que é a verdade?
– JÓ 18: 37-38), passando pela interessante frase, no final do século
XIX, do poeta irlandês Oscar Wilde, de que “Raramente a verdade é pura,
e nunca é simples”, e até hoje, face aos mais modernos estudos da neuro-
ciência quanto à apreensão humana acerca dos fatos, envolta em subje-
tivismos, parcialidades e condicionamentos (vide, a respeito, dentre
outros, os estudos de Gerhard Roth citados por Hassemer3, ou ainda os
inúmeros trabalhos compilados por Demetrio Crespo4). Desse modo,
preliminarmente, notam-se as enormes problemáticas em se definir o
verdadeiro ou o falso, quer sobre uma perspectiva subjetiva ou objetiva,
ambas questionáveis.
No particular aspecto da ciência do Direito Penal, ademais, há
significativas divergências, dentre outras questões, destacadamente,
quanto ao exato bem jurídico penalmente tutelado na hipótese, quanto
à necessidade ou não de prévia prestação de compromisso legal, quanto
à natureza da falsidade (objetiva ou subjetiva), quanto à admissão ou não
da tentativa, quanto à dimensão do concurso de pessoas e quanto aos
contornos da retratação. Ainda, em termos práticos, questões fundamentais
§ 2º O fato deixa de ser punível se, antes da sentença no processo em que ocorreu o ilícito, o agente
se retrata ou declara a verdade”.
3 HASSEMER, Winfried. “Neurociencias y culpabilidade em derecho penal”. InDret
2/2011. Disponível em /www.indret.com/. Acesso realizado em 10.04.2015.
4 DEMETRIO CRESPO, Eduardo (coord.). Neurociencias y derecho penal: nuevas
perspectivas en el ámbito de la culpabilidad y tratamiento jurídico-penal de la
peligrosidad. Madrid: Edisofer, 2013, passim. No Brasil, também trouxe uma série de
estudos BUSATO, Paulo César (coord.). Neurociência e direito penal. São Paulo: Atlas,
2014, passim.

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